Acórdão nº 07B4422 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2008
Magistrado Responsável | SANTOS BERNARDINO |
Data da Resolução | 29 de Janeiro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA, por si e em representação de seu filho menor BB, intentou, em 06.01.2003, pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, contra COMPANHIA DE SEGUROS A... PORTUGAL, S.A.
, acção com processo ordinário, peticionando a condenação desta a pagar-lhes a quantia de € 324.218,63, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, e em síntese, serem ela e o dito seu filho únicos e universais herdeiros de CC tendo ambos, por morte deste, ocorrida em 13.08.2001, em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 6 desse mesmo mês e ano, no Brasil, direito ao capital de esc. 65.000.000$00, garantido pela ré no âmbito de um contrato de seguro de acidentes pessoais no qual o falecido, por ser titular de um cartão do sistema Visa, denominado BPI Gold, figurava como pessoa segura.
A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, sustentando, com interesse, que a viagem em que se verificou o acidente de que veio a falecer o segurado não foi paga com o mencionado cartão bancário, não se verificando, assim, a condição, estabelecida no respectivo contrato de seguro, de que dependia a aplicação do seguro e da cobertura Morte ou Invalidez Permanente.
Seguindo o processo a sua normal tramitação, veio a ser efectuado o julgamento e a ser proferida sentença, na qual a acção foi julgada totalmente procedente, com a correspondente condenação da ré nos termos peticionados pela demandante.
Sob recurso da ré, a Relação de Coimbra anulou a decisão, determinando, nos termos do n.º 4 do art. 712º do CPC, a repetição do julgamento da matéria de facto, quanto a pontos concretos que indicou.
Cumprido o determinado pela Relação, foi proferida nova sentença, cuja parte decisória repete, ponto por ponto, a anterior, condenando a ré a pagar aos autores a quantia de € 324.218,63, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A ré interpôs novo recurso de apelação, mas agora sem êxito, pois a Relação de Coimbra, por seu acórdão de 19.06.2007, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
De novo inconformada, a ré traz agora a este Supremo Tribunal recurso de revista.
Doutamente minutado, o recurso apresenta um vasto leque conclusivo que, na sua globalidade, coloca ao tribunal ad quem duas questões: 1ª - A da alteração ilegal da causa de pedir, por iniciativa oficiosa do M.mo Juiz a quo (art. 664º do CPC) e da violação do princípio do dispositivo (art. 264º do mesmo Código) e, ainda, do imperativo legal da coincidência entre a causa de pedir e a causa de julgar, decorrente dos mesmos arts. 264º (n.º 2) e 664º; 2ª - A da interpretação, operada na decisão recorrida, da verdadeira intenção dos declarantes, em violação dos critérios normativos dos arts. 236º/1 e 238º do CC.
Em contra-alegações, os autores defendem a confirmação do acórdão recorrido, pedindo ainda a condenação da recorrente como litigante de má fé, em indemnização a favor deles, demandantes.
Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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É o seguinte o acervo factual que vem, das instâncias, dado como assente: 1. A autora foi casada com DD; 2. Desse casamento existe um filho, BB, nascido a 16 de Fevereiro de 1997; 3. A autora e o seu filho são os únicos e universais herdeiros do falecido DD; 4. DD faleceu a 13 de Agosto de 2001, na sequência de um acidente de viação ocorrido no Brasil a 6 de Agosto de 2001, quando viajava de Lagoa da Anta, Maceió, para Porto de Galinhas; 5. O falecido DD era titular de um cartão do sistema Visa, designado por BPI Gold, n.º ...; 6. Tal cartão tinha agregado um seguro de acidentes pessoais em viagem, celebrado entre o BPI e a Companhia de Seguros A... Portugal, SA, e titulado pela apólice n.º ...; 7. No ponto 6.1 da referida apólice estipula-se "Cobertura: Importâncias e indemnizações devidas por morte (. . .) em consequência de acidente sofrido em viagem em qualquer meio de transporte público de passageiros. Valores garantidos: com utilização do cartão BPI Gold na compra da viagem (por titular e por ano) : coberturas morte (. . .) 65.000 contos ( . . . ) Sem utilização do cartão BPI Gold na compra da viagem, na cobertura de morte o valor garantido está limitado a 5.000 contos"; 8. Consta ainda da mesma apólice que "Secção II, I - Coberturas e valores seguros, 1- acidentes pessoais/viagem: ponto 1.1 Título de viagem comprado com cartão Gold: coberturas morte . . . ) valores garantidos 65.000.000$00"; 9. Da mesma apólice consta também na secção II, I - Coberturas e valores garantidos, ponto 1.2 Título de viagem comprado sem cartão Gold: Coberturas morte (...) valores garantidos 5.000.000$00; 10. O cartão BPI Gold a que se alude em 5. foi um dos meios utilizados no pagamento do preço da viagem ao Brasil de DD, de EE, de AA, de BB, de FF e de GG, com partida de Lisboa no dia 3 de Agosto de 2001, e que incluía o transfer de Lagoa de Anta, Maceió, para Porto Galinhas; 11. Desse preço, no montante de 8.273,71 euros, DD pagou à agência de viagens Star Turismo, em 13 de Julho de 2001, a quantia de 249,40 euros com o cartão BPI Gold a que se alude em 5.; 12. A referida agência de viagens emitiu uma só factura pelo total das viagens compradas e relativas a cinco adultos e uma criança, no total de 1.658.730$00/8.273,71 euros.
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Como é sabido, e flui do disposto nos arts. 684º/3 e 690º/1 do Cód. Proc. Civil (1) , o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se às questões aí equacionadas; o tribunal de recurso - ressalvadas as questões de conhecimento oficioso - só destas pode conhecer.
É, pois, apenas das duas questões acima enunciadas que este Supremo Tribunal tem de curar.
3.1.
Sustenta a recorrente que a factualidade alegada pelos autores nos arts. 11, 12 e 13 da petição inicial - pagamento pelo falecido, com o cartão BPI Gold, do trajecto transfer entre Lagoa de Anta, Maceió e Porto Galinhas, em que viria a falecer, no valor de 50.000$00 - foi modificada pelo Ex.mo Juiz da 1ª instância, pois deu como provado que o cartão referido foi um dos meios para o falecido pagar toda a viagem, sua e dos restantes acompanhantes.
E daí extrai a conclusão de que essa modificação configura alteração ilegal da causa de pedir, por iniciativa oficiosa do dito magistrado (art. 664º) e violação do princípio do dispositivo (art. 264º) e, ainda, do imperativo legal da coincidência entre a causa de pedir e a causa de julgar, decorrente dos arts. 264º/2 e 664º.
Vejamos.
A questão está ligada com a matéria dos quesitos 1º e 2º - a alegada naqueles indicados artigos da p.i. - e com a resposta que a tais quesitos foi dada pelo julgador da matéria de facto.
O quesito 1º está assim formulado: A viagem durante a qual o CC faleceu, transfer de Lagoa de Anta, Maceió, para Porto Galinhas, foi paga com a utilização do seu cartão BPI Gold a que se alude em E)? A resposta que obteve é a que se encontra vazada no n.º 10 da matéria de facto assente, ou seja, Provado apenas que o cartão BPI Gold a que se alude em E) foi um dos meios utilizados no pagamento do preço da viagem ao Brasil de DD, de EE, de AA, de BB, de FF e de GG, com partida de Lisboa no dia 3 de Agosto de 2001, e que incluía o transfer de Lagoa de Anta, Maceió, para Porto Galinhas.
Por seu turno, no quesito 2º indaga-se: Para tanto, o CC pagou à agência de viagens Star Turismo, em 13 de Julho de 2001, a quantia de 50.000$00/249,40 €? Resposta do julgador da matéria de facto (cfr. n.º 11 da apurada matéria de facto): Provado apenas que desse preço, no montante de 8.273,71 euros, DD pagou à agência de viagens Star Turismo, em 13 de Julho de 2001, a quantia de 249,40 euros com o cartão BPI Gold a que se alude em E).
A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo, a não ser no caso excepcional previsto no art. 722º, isto é, no caso de ter havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. O Supremo limita-se, como tribunal de revista, a aplicar aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julga adequado. É o que decorre do disposto no art. 729º, n.os 1 e 2 e no n.º 2 do citado art. 722º.
Mas, como vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência, pode o Supremo conhecer da questão de saber - porque de questão de direito se trata, decorrente da conjugação dos arts. 664º e 264º - se as respostas dadas pelo julgador da matéria de...
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