Acórdão nº 575/07.3ICGMR.G1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça: I - M.

intentou acção ordinária contra COMPANHIA de SEGUROS F. S.A.

, pedindo que esta seja condenada a: a) Reconhecer que a A. celebrou com a R. um contrato de seguro titulado pela apólice com o n.º 11/5001500; b) Reconhecer que o contrato de seguro atrás identificado é plenamente válido e eficaz pelo prazo de 168 meses; c) Reconhecer que o contrato de seguro celebrado implica, no caso de se verificar, como verificou, uma situação de invalidez total e permanente por doença, que a Ré pague o montante da dívida relativamente ao crédito à habitação, no valor de € 47.500,00; d) Pagar à A. o montante de € 7.764,24 relativo às 35 prestações já pagas pela A. à R., desde a data da celebração do contrato de seguro, valor acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo pagamento; e) Substituir-se à A. no pagamento das restantes cento e trinta e três prestações vincendas no valor de € 39.735,76.

Para tanto, alegou que no ano de 2004 decidiu comprar uma fracção autónoma para nela residir, dirigindo-se a uma agência da C. para obter as informações necessárias à contracção do empréstimo necessário. Todo o processo burocrático que conduziu à celebração do contrato foi montado pela referida instituição bancária e todos os documentos necessários, incluindo os impressos relativos ao contrato de seguro, foram preenchidos pelos serviços da mesma, na presença da A.

Por escritura pública de 19-11-04, a A. concretizou a aquisição da fracção autónoma, mas, por exigência da C., celebrou com a R. um contrato de seguro, assegurando o pagamento da dívida no caso de invalidez total e permanente por doença.

Entre os documentos que instruíram a proposta de contrato, contava-se um questionário contendo informações respeitantes à A., o qual foi preenchido pela gerente de conta da A. na instituição bancária, de acordo com respostas da A. que foram claras e verdadeiras.

Até à data da celebração do contrato de seguro, a A. nunca tivera problemas de saúde. Posteriormente, em 30-11-04, realizou uma biopsia, cujo resultado, conhecido a 6-12-04, acusou ser portadora de “adenocarcinoma”, patologia que, até então, era do seu total desconhecimento e que teve como consequência a declaração da sua incapacidade permanente global de 95% e aposentação.

A A. accionou o contrato de seguro, mas a R. recusou o pagamento, a pretexto de ter havido por parte da A. omissão de declarações num dos documentos entregues, o que não corresponde à verdade.

A R contestou, invocando a anulabilidade do contrato de seguro, uma vez que a A., aquando das declarações iniciais, omitiu informações relevantes sobre o seu estado de saúde, sendo portadora da doença que lhe veio a ser diagnosticada e relativamente à qual já tinha sintomas, ainda que, porventura, não conhecesse por completo o respectivo diagnóstico.

A A. deveria ter referido no documento que preencheu que realizara uma endoscopia em Setembro de 2004, sendo que a contestante não teria celebrado o contrato caso essas informações não tivessem sido ocultadas, ou, pelo menos, teria exigido averiguações mais detalhadas.

A A. replicou, impugnando o alegado na contestação e afirmando que o contrato nunca poderia ser nulo, mas anulável, sendo que, neste caso, atento o art. 287º, nº 1 do CC, já teria caducado o direito de invocar a anulabilidade, uma vez que a R. teve conhecimento dos factos há mais de um ano.

Julgada a causa foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a R. nos pedidos formulados, o que essencialmente se traduziu na condenação no pagamento da quantia de € 7.764,24 relativo a 35 prestações já pagas pela A. à R., desde a data da celebração do contrato de seguro, valor acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo pagamento e a substituir-se à A. no pagamento das restantes cento e trinta e três prestações vincendas no valor de € 39.735,76.

No âmbito do recurso de apelação, depois de ter sido alterada a decisão da matéria de facto, foi invertido o resultado, julgando-se improcedente a acção, com absolvição da Ré dos pedidos formulados.

Recorreu a A. e concluiu na revista que: … Houve contra-alegações.

Decidindo.

II – Matéria de facto: 1.

O tribunal de 1ª instância julgou a acção procedente essencialmente porque considerou que a situação clínica em que a A. ficou é suficientemente integradora da previsão contratual acerca do accionamento do contrato de seguro e que não se fizera a prova de que tenha havido prestação de falsas declarações a respeito do seu estado de saúde quando esta apresentou a proposta de contrato de seguro e preencheu o questionário.

O Tribunal da Relação inverteu o resultado, inversão que teve como passo fundamental o aditamento de um novo facto que foi considerado provado, por resultar de confissão da A. expressamente aceite pela R..

Assim, foi aditado o seguinte facto: DD) No âmbito de uma consulta de rotina no mês de Setembro de 2004, em que foi observada pelo Dr. C. A., a A. realizou então uma endoscopia que apresentava resultados normais.

Tal aditamento repercutiu-se de imediato e sem outra justificação suplementar, na alteração das respostas aos pontos 6º e 7º que haviam recebido a resposta “provado”, a qual foi modificadas para “não provado”.

Assim, deixaram de figurar como factos provados os seguintes: 6º Assim a A. respondeu a todo o questionário clínico que lhe foi proposto pela C. com rigor e conforme os seus conhecimentos.

7º E respondeu com total clareza a todas as questões que lhe foram colocadas, não ocultando qualquer doença que até então lhe tivesse sido diagnosticada ou exames que tivesse realizado que levasse a identificar qualquer doença.

Foram ainda excluídos da base instrutória os pontos 8º, 9º e 30º que, aliás, haviam recebido respostas “não provado”, revelando-se, assim, totalmente inócuos.

A sua redacção era a seguinte: 8º “Até então nunca a A. tivera problemas de saúde, como declarou, aliás, no questionário que preencheu aquando da declaração do contrato de seguro com a ora Ré, sendo que tal como foi aí dito, fora a uma consulta de rotina no mês de Setembro de 2004, tendo sido observada pelo Dr. C. A., na Clínica P., na cidade de G.?” 9º “Realizou então uma endoscopia que apresentava resultados normais”.

30º “A A. realizou uma endoscopia em Setembro de 2004, embora refira que «foi por rotina, com resultados normais»”.

Considerando que a A. respondera no questionário que não realizara qualquer endoscopia, a discrepância dessa resposta com a realidade foi considerada suficiente para justificar a declaração de anulação do contrato com base na prestação de declarações inexactas que influíram na contratação do seguro.

  1. A recorrente põe em causa no presente recurso de revista o acórdão da Relação, desde logo, na parte em que introduziu alterações na matéria de facto provada.

    Conquanto a delimitação da matéria de facto provada e não provada seja uma tarefa que, em regra, é da exclusiva competência das instâncias, nos termos do art. 729º, nº 3, em conjugação com o art. 712º, nº 6, do CPC, a lei estabelece algumas excepções previstas no art. 722º, nº 3.

    Assim, pode ser objecto de apreciação, no âmbito do recurso de revista, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

    No caso concreto, insurge-se a recorrente contra o aditamento pela Relação de um facto, a pretexto de que este resultava expressamente confessado dos articulados, confissão que fora aceite pela R.

    Deste modo, saímos do plano da formação da livre convicção que, em regra, é insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, e entramos num outro em que o que fundamentalmente está em causa é apurar se a análise das posições que as partes assumiram nos articulados, em conjugação com os documentos que formalizaram a proposta de contrato de seguro, permite a conclusão a que a Relação chegou ou se, ao invés, deve ser mantida a decisão da matéria de facto...

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