Acórdão nº 07P3220 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução20 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Tribunal Criminal do 2º Juízo Criminal de Aveiro (proc. n.º 124/03.2TAAVR.C1) decidiu condenar os arguidos AA, BB e CC, como co-autores materiais de um crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social dos art.ºs 6°, 24°, n.º 5 e 27°-B do DL n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção dada pelos DL n° 394/93, de 24 de Novembro e n° 140/95, de 14 de Junho, na pena de 8 meses de prisão para cada um deles e suspender a execução da pena por 2 anos.

Inconformados recorreram para a Relação de Coimbra todos os arguidos.

Recorreu também demandante I.... da S.... S...., IP, do despacho exarado em acta que o remetera bem como aos demandados arguidos "para os tribunais civis", relativamente ao pedido cível formulado Aquele Tribunal Superior, decidiu julgar procedente o recurso (retido), interposto pelo demandante I... da S... S...., IP e em consequência, competente o tribunal dos autos, 2º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Aveiro, para conhecer do pedido cível formulado; e julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos, BB, por um lado e, AA e CC, por outro, mantendo a sentença recorrida.

Veio, depois, o mesmo Tribunal a julgar improcedente a reclamação apresentada pelo arguido AA e «após baixa dos autos, ordenar se oficie ao I... da S... S... - Centro Distrital de S... S.... de Aveiro, área da antiga sede da sociedade entretanto falida "M... do C..., SA", para que seja dado cumprimento ao estabelecido no nº 4 do art. 105 do RGIT, ex vi art. 107 nº 2 do mesmo diploma, e decorrido o prazo previsto na norma informem nos autos, em conformidade».

Inconformado, recorre o arguido AA, expressamente limitando o recurso ao que «concerne à decisão de ordenar o oficiamento ao I... da S... S..., para que seja dado cumprimento ao estabelecido no n.º 4 do art. 105.º do RGIT, ex vi art. 107, n.º 2 do mesmo diploma» (cfr. fls. 3283) Motiva só utilizando maiúsculas (a serem usadas tão só no princípio dos nomes próprios e no começo de período), com o que isso significa, por si, e pela dificuldade acrescida de leitura, concluindo 1° - O douto despacho recorrido decidiu ordenar o oficiamento ".. Ao instituto de segurança social - , para que seja dado cumprimento ao estabelecido no n° 4 do art 105 do RGIT, ex vi art 107, n°2 do mesmo diploma, e decorrido o prazo previsto na norma informem nos autos, em conformidade".

  1. - Salvo o devido respeito por melhor opinião, sem razão.

  2. - Nos presentes autos encontram-se os arguidos condenados da prática de crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social.

    Sucede que, 4º - No dia 1 de Janeiro de 2007, entrou em vigor a Lei n° 53-a/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o orçamento de estado para 2007.

  3. - Tal diploma introduziu várias alterações ao regime geral das infracções tributárias (aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n° 109-B/2001, de 27 de Dezembro) 6º - Uma das alterações introduzidas é a implementação de uma aparente condição de punibilidade no que concerne ao crime de abuso de confiança fiscal tipificado no artigo 105.° do RGIT.

  4. - Confrontando o regime anterior (RGIT), com aquele que entrou em vigor aos 01.01.2007, para que se verifique um crime de abuso de confiança fiscal é necessário, para além do decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação, existir o não pagamento na sequência de uma notificação para que o agente, em 30 dias, proceda ao pagamento da prestação comunicada à administração fiscal, acrescida de juros e o valor da coima em concreto aplicada.

  5. - Nos termos do art. 1140 do RGIT, constitui contra-ordenação: A/ a não entrega por um período até 90 dias; ou B/ a não entrega por período superior, desde que os factos não constituam crime.

  6. - Nos termos do novo número 4 do art. 105° do RGIT (conjugado com o n°1), constitui crime: A/ a não entrega à administração tributária, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos ternos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar; B/ o decurso de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; ("e") C/ o não pagamento de prestação comunicada à administração tributaria, bem como os juros respectivos e a coima aplicável, após notificação para o efeito no prazo de 30 dias.

  7. - Face a tal alteração coloca-se o problema de se saber qual o correcto procedimento dos tribunais relativamente aos processos pendentes.

  8. - E, em concreto, apurar, se (nos processos pendentes) ainda será possível suprir essa condição, ordenando a notificação do arguido, pela administração fiscal, para observância do ora prescrito.

  9. - Ou, ao invés, o legislador, sabendo que essa condição não constava da acusação (e por isso não pôde ser objecto de apreciação no julgamento pelo tribunal competente), pretendeu despenalizar as situações que hajam sido accionadas no regime anterior.

  10. - Para uns, está-se diante de uma verdadeira condição objectiva de punibilidade (tese claramente adoptada pela douta decisão recorrida), para outros, perante uma condição objectiva de procedibilidade e, finalmente, ainda para outros, perante uma nova condição "subjectiva" de punibilidade (devendo apenas ser considerado como crime uma mora específica num contexto relacional qualificado).

  11. - Porém, qualquer que seja a perspectiva, a despenalização i com o consequente arquivamento dos autos.

    Na verdade, 15º - Considerando-se que aquela alteração (modificação do n° 4 do art. 105 do RGIT ex vi art. 95 da Lei 53-A/06, de 29.12) constitui uma nova condição objectiva de punibilidade então, para além do requisito anteriormente existente (o decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação), verifica-se a exigência da notificação por parte da administração fiscal da liquidação da prestação comunicada, juros respectivos e valor da coima em concreto aplicada, posto o que o sujeito passivo poderá ainda proceder ao seu pagamento no prazo de 30 dias, sem que possa (durante tal período e não obstante o decurso do prazo referido na alínea a) do n°4 do artigo 105.° RGIT) ser assacada qualquer responsabilidade criminal ao mesmo.

  12. - Só após tal comunicação e decurso de prazo é que os factos que integram o disposto no art.105 do RGIT, passariam a ser puníveis.

  13. - Assim, no caso em apreciação nos autos, verifica-se, em concreto e objectivamente, a inexistência de um dos pressupostos da punibilidade (inexistência ou falta de um requisito objectivo imposto por lei).

  14. - Que só poderá levar à absolvição dos arguidos e ao arquivamento dos autos.

  15. - Não obstante, defendem os "partidários" da nova condição objectiva de punibilidade (como é o caso da douta decisão recorrida) que tal falta (dessa condição ou requisito) pode e deve ser suprida, ordenando-se a notificação em falta.

  16. - Porém, tal solução não pode deixar de passar por uma suspensão ou diferimento temporário da decisão do processo, correspondente ao tempo necessário ao cumprimento da formalidade e, decorrido este, o resultado e as consequências seriam, inexoravelmente, ou o prosseguimento do procedimento (caso se viesse a verificar uma atitude negativa, ou pelo menos passiva, por parte do contribuinte) ou o arquivamento (caso o arguido tomasse uma atitude de colaboração e procedesse ao pagamento da quantia que lhe viesse a ser notificada) 21° - Assim, a douta decisão recorrida nada mais pretendeu (naquela linha de pensamento) que o processo ficasse a aguardar o resultado que vier a ser assumido pela diligência a efectuar e em que se dê "..a possibilidade de se vir a verificar, positiva ou negativamente, a condição que a motivou".

  17. - Estamos, assim, perante uma - pretendida - condição suspensiva para os processos pendentes (como o presente), que poderá transformar-se eh resolutiva do procedimento e da respectiva responsabilidade criminal, caso a pretensão de pagamento venha a ser satisfeita.

  18. - "Para os processos pendentes, e segundo esta corrente, era no que se transfiguraria a condição agora introduzida; decorrido este período a condição readquiriria a função para que o legislador a criou, (ou seja, a de) permitir aperfeiçoar o crime previsto no n°1 do artigo 105° do RGIT".

  19. - Ou ainda, no mesmo período (este em que iniciou a sua vigência) teria duas funções, conforme se aplicasse aos processos pendentes ou àqueles que estão em fase de inquérito ou instrução".

  20. - "Que possa uma categoria jurídica assumir duas faces, uma para os processos pendentes e em fase de inquérito e /ou instrução, impeditiva da punibilidade, e outra para aqueles que se encontram em fase de julgamento, como condição resolutiva ou de procedibilidade, é algo que não nos parece mais atinado com o rigor dos institutos, da sua definição e função sentido".

  21. - Da que, noutra perspectiva e corrente, há quem advogue estar-se, simplesmente, perante uma condição objectiva de procedibilidade ou mesmo perante uma condição material de exclusão de punibilidade.

  22. - Todavia, ordenar a notificação do arguido para que possa ser cumprida a condição, equivale a prejudicá-lo, dado que, se o mesmo não vier a cumprir o estipulado na notificação, o processo prosseguirá para aplicação da sanção penal.

  23. - Assim, a opção pela qualificação da referida condição como "condição de punibilidade", seja positiva seja de exclusão, exclui a possibilidade notificação do arguido para a possibilidade de verificação do seu cumprimento.

  24. - Na verdade, "ao ordenar a notificação, e se o arguido não viesse a dar cumprimento (positivo) ao ordenado, viria a saldar-se numa violação da regra contida no n°4 do artigo 2° do código penal, dado que a condição de punibilidade, positiva ou de exclusão funcionaria contra o arguido".

  25. - Nestes termos, a qualificação como condição objectiva ou de exclusão de punibilidade redundará sempre na impossibilidade de aplicação de uma sanção penal.

  26. - É que, a referida "novidade legal", tratando-se "... de um pressuposto, de direito material e de acordo com a regra de sucessão...

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