Acórdão nº 43/08.6GBSVV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Data20 Dezembro 2011
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório.

  1. No Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido: - A..., residente no …, imputando-lhe a prática de factos consubstanciadores dos tipos de crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, nº 1, alínea a), do Código Penal e de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86°, nº 1, alínea d) da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, requerendo ainda a sua declaração como inimputável e a aplicação de medida de segurança nos termos do artigos 91 ° e seguintes do Código Penal.

*** 2.

Por sentença de 25 de Fevereiro de 2011, o tribunal decidiu nos seguintes termos:

  1. Julgar provada a prática, pelo arguido A..., dos factos objectivamente integradores de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº1, al. a) e nº 2 do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1 al. d) da Lei nº 5/2006, de 23/2.

  2. Considerar o arguido A... inimputável, em razão de anomalia psíquica, e perigoso, ficando o mesmo sujeito a medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento adequado, com a duração máxima de 5 (cinco) anos, cuja execução será avaliada nos termos legais (artigos 92° a 96º do Código Penal).

  3. Condenar o arguido, nas custas do processo.

  4. Determinar o perdimento a favor do Estado, das munições e restantes objectos apreendidos.

    *** 4.

    Inconformado, o arguido veio interpor recurso da sentença, formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª) Ao contrário do que vem vertido no Acórdão posto em crise, o Arguido apresentou contestação nos Autos (em 23/12/2010 e em 13/01/2011), todavia o tribunal "a quo" não conheceu a matéria vertida na mesma, logo deixou de se pronunciar sobre uma questão que podia e devia apreciar e, como talo Acórdão é nulo, nos termos do art. 379° n°. 1 alínea c) do Código de Processo Penal.

    1. - Existe contradição insanável, nos termos e para os efeitos previstos no art. 410° n°. 2 Alínea b) do Código de Processo Penal, entre a prova da inimputabilidade do Arguido A...(pontos 26 e 28 dos factos dados como provados) e a prova constante nos pontos 22 e 25 da matéria dada como provada.

    2. - Ao Arguido A...foi aplicada a medida de segurança de internamento e tratamento, contudo não podemos concordar dado que deveria ter sido determinada a suspensão da medida de internamento, nos termos do art. 98° do Código Penal, com a aplicação de regras de conduta convenientes ao presente caso, nomeadamente, apoio médico psiquiátrico, tomada de psicofármacos controladores da sua doença mental e tratamento ao álcool (art. 98° nº. 3 do Código Penal).

    3. -O arguido A...conforme decorre do Acórdão posto em crise tem uma habitação (ponto 32)), é ajudado pelos pais com os quais mantém contactos diários (ponto 33)); ele próprio responsabiliza-se pelo pagamento de empréstimo bancário e pelo pagamento dos medicamentos que consome (ponto 33)), logo sujeitar o mesmo a um internamento efectivo afastando da sua casa, dos seus pais, dos seus compromissos terá uma carga muito negativa em vez de positiva, podendo gerar no mesmo impulsos de violência e estados de ansiedade que prejudicam a recuperação desejada.

    4. -O Arguido vivendo em liberdade, embora condicionada, com uma vigilância e controlo de quem de direito poderá viver em sociedade sem causar distúrbios e a simples ameaça da efectivação do internamento é por si só susceptível de afastar o Arguido A...de comportamentos anti-sociais.

    5. - Assim, é razoável esperar que com a suspensão da medida de internamento se possa alcançar a finalidade da mesma, ou seja, evitar a prática de factos da mesma espécie por parte do Arguido A...e ao ser a mesma suspensa não existirá qualquer incompatibilidade com a defesa da ordem jurídica e da paz social, ao decidir de forma diferente, o Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 98° do Código Penal.

      \NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, revogando o Acórdão sob recurso em conformidade com as precedentes conclusões Vªs. Exªs. farão, corno sempre, a habitual JUSTIÇA ” * 5.

      Cumprido que foi o disposto no artigo 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o Ministério Publico, veio (fls. 505/515) defender a improcedência do recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª - O recorrente invoca nulidade do acórdão, porquanto, ao afirmar que não foi apresentada contestação, não conheceu da matéria da mesma, em violação do disposto no artigo 379 – nº1 - al. c) CPP.

    6. - Refere ainda haver contradição insanável entre a matéria de facto julgada como provada nos pontos 26 e 28 e a provada sob os nº22 e 25.

      E, acaba por pedir que a medida de segurança de internamento, seja suspensa nos termos do artigo 98 do CP.

    7. - A questão que o recorrente coloca, em primeiro lugar tem a ver com o não conhecimento da matéria de facto vertida na contestação, pois no Acórdão recorrido escreveu-se que não foi apresentada contestação.

      Efectivamente foi apresentada contestação, mas os factos nela vertidos foram objecto de apreciação indirecta pelo Tribunal, quando nos factos dados como provados sob os 30 a 41 se apreciou a personalidade do arguido.

    8. - Na contestação alega-se que o recorrente é pessoa calma, cordata, pacífica, integrada socialmente, de modesta condição social e que nunca esteve preso. Ora, sendo todos estes factos muito genéricos, estão bem concretizados na matéria de facto dada como provada sob o nº 30 a 41.

    9. - E, só há lugar a nulidade da sentença se os factos em falta forem considerados indispensáveis e necessários para a boa decisão da causa - neste sentido Acórdão do TRC de 24/10/90 - CJ XV - tomo 5 - pago 72.

    10. - No caso em apreço, parece-nos ser irrelevante para a boa decisão da causa afirmar, em termos vagos e conclusivos, se o arguido é pessoa calma, cordata ou pacífica.

      O que importa, e definir a sua personalidade em concreto e não em termos abstractos, e quanto a isso, o Colectivo pronunciou-se.

    11. - A eventual contradição entre os factos provados sob o nº 22 e 25 e os do nº 26 e 28: ou seja, contradição entre a consciência da ilicitude ou uma actuação dolosa e o facto do Tribunal concluir pela inimputabilidade do recorrente. Segundo a matéria de facto dada como provada, o recorrente sabia que ofendia a honra da sua mulher e que o seu comportamento provocava nela medo e inquietação.

      Ora, o agente, que no momento da prática do facto, tiver capacidade para avaliar a ilicitude do mesmo, mas sofrer duma anomalia psíquica grave, cujos efeitos não domina, pode ser declarado inimputável - cfr artigo 20 – nº2 do CP.

      É isso que se passa com o recorrente.

    12. - Pugna o recorrente pela suspensão da execução da medida do internamento.

      Parece-nos, contudo, que lhe não assiste razão.

      O recorrente continua a viver com a vítima, que é para ele a causa de todos os conflitos, na sequência de problemas relacionados com a dissolução dos vínculos conjugal e patrimonial.

      Tem hábitos de excessivo consumo de álcool.

      Tem já pendentes condenações por condução sob influência do álcool e detenção ilegal de armas.

    13. - A factualidade integradora do crime de violência doméstica é de tal modo grave, que não permite acreditar que o recorrente se trate voluntariamente, e que não cometa factos da mesma espécie, nomeadamente de violência doméstica, pois inclusive continua a viver na mesma casa da vítima.

    14. - Só o internamento efectivo, permitirá alcançar a finalidade que o mesmo visa, ou seja: a de que o recorrente se trate e evite cometer factos ilícitos da mesma espécie.

      Nestes termos, improcedendo totalmente o recurso, será feita JUSTIÇA”.

      *6.

      Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, no douto parecer que emitiu, manifestou-se no sentido da improcedência do recurso do arguido.

      Foram colhidos os vistos legais.

      Realizou-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

      ***II. Fundamentação: 1.

      Delimitação do objecto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem: Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no artº 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

      Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, o recurso pode versar simultaneamente matéria de facto e de direito, o que decorre das disposições conjugadas dos arts. 364.º, 412.º, 428.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal.

      No caso sub judice, as questões postas à consideração deste tribunal ad quem pelo recorrente, são:

  5. Da nulidade do acórdão, porquanto, ao afirmar que não foi apresentada contestação, não conheceu da matéria da mesma, em violação do disposto no artigo 379 – nº1 - al. c) CPP.

  6. Da contradição insanável entre a matéria de facto julgada como provada nos pontos 26 e 28 e a provada sob os nº22 e 25.

  7. Saber se a medida de segurança de internamento aplicada ao arguido deve se suspensa, ou não.

    ***2. Na sentença recorrida foram dados como provados e não os seguintes factos, com base na fundamentação referida (transcrição): “

    1. FACTOS PROVADOS Produzidas as provas e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1) O arguido A... e a ofendida B... contraíram casamento em … e, pouco tempo após essa data, passaram a residir no lugar de … , área deste Concelho e Comarca.

      2) Com o casal residem … , mãe da ofendida B..., e os dois filhos de ambos, … , já maiores de idade.

      3) Desde o início do casamento, o arguido começou a usar de violência psicológica e a proferir expressões injuriosas e expressões ameaçadoras...

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