Acórdão nº 1377/07.2PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução09 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pela 1ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferido acórdão em que se decidiu nos seguintes termos: Pelo exposto, e decidindo, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo em: A) – Julgar procedente, por provada, nos termos referidos, a acusação deduzida contra o arguido, A..., a quem, em consequência: – Condenam, como autor material reincidente de um crime de furto qualificado, p.º e p.º pelos art.ºs 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), 75.º e 76.º, do CPen. actual, na pena de 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; – Condenam, como autor material reincidente de um crime de falsificação agravada de documento, p.º e p.º pelos art.ºs 255.º e 256.º, n.ºs 1, al. d), e 3, 75.º e 76.º, todos do mesmo CPen., na pena de 13 (treze) meses de prisão; e – Condenam, como autor material reincidente de um crime de burla simples, p.º e p.º pelos art.ºs 217.º, n.º 1, 75.º e 76.º, todos do mesmo CPen., na pena de 10 (dez) meses de prisão.

– Em cúmulo jurídico destas penas, condenam tal arguido na pena unitária de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de prisão.

  1. – Pelos fundamentos atrás explanados, não suspender a execução da pena única aplicada.

  2. – Julgar em tudo o mais improcedente a acusação, por não provada, dela absolvendo, nessa parte, o arguido.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: B1. Vem o recorrente condenado, como reincidente, pela prática dos seguintes crimes: crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.°- 1, 204. °-2, alínea e), 75. ° e 76.°, todos do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão; crime de falsificação agravada de documento, p. e p. pelos artigos 255°, 256. °-1, alínea d) e n. ° 3, 75. ° e 76. ° todos do Código Penal, na pena de 13 meses de prisão; crime de burla simples, p. e p. pelos artigos 217.°-1, 75.° e 76.° todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; B2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, foi o recorrente condenado na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão.

B3. As razões de dissídio do recorrente prendem-se com a análise e valoração da prova produzida nos autos, com a incorrecta subsunção jurídica dos factos e, por fim, com a determinação das penas que lhe foram aplicadas. Não obstante, B4. Cabe, primeiramente, referir que o douto acórdão recorrido padece de nulidade insanável porquanto o crime de burla simples, por se tratar de um crime de natureza semi-pública, depende de queixa para que seja instaurado o competente procedimento criminal (artigo 217.°-3, do Código Penal e 48. ° e 49. ° ambos do Código de Processo Penal); B5. Ora, em obediência ao disposto no artigo 113. o do Código Penal entende o recorrente que o ofendido pela prática deste ilícito é a testemunha C...Pinto porquanto foi ela que sofreu o real e efectivo prejuízo, vendo-se privada da quantia titulada pelos cheques, e, compulsados os autos logo se constata que não apresentou queixa.

B6. Destarte, ao decidir-se pela condenação do recorrente pelo crime de burla resultaram violados os artigos 48.° e 49. ° do Código de Processo Penal e 113.° e 215.°, ambos do Código Penal, padecendo o mesmo de nulidade insanável, que desde já se invoca para os legais e devidos efeitos, pelo que deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que absolva o recorrente da prática do crime de burla simples. Sem prescindir, B7. Em cumprimento do disposto no art. 412°-3, alínea a) do C.P.P., vem o recorrente enumerar os factos que reputa incorrectamente julgados, por manifesta ausência de prova de prova e erro na apreciação da prova produzida ou não apreciação da prova produzida: 9.° a 21.° dos "A) - Factos provados":9.0 - Em data e hora não concretamente apurada, mas entre as 15 horas de 09 de Junho de 2007 e as 9,30 de 10 de Junho de 2007, o arguido decidiu entrar no armazém da sociedade "XXX..., Lda" , sito na Rua …, a fim de dali retirar dinheiro ou outros valores que encontrasse. 10.0- Em execução de tal propósito, de forma que se desconhece forçou a fechadura da porta que acabou por abrir. 11.º - Já no interior das instalações, remexeu no material existente, forçou a fechadura de uma pasta "tipo executivo", acabando por encontrar e levar consigo, para o exterior, € 50,00 em dinheiro e os cheques nº … do Banco Espírito Santo, cada' um no valor de € 75,00, que haviam sido emitidos e entregues, por C..., à sociedade "XXX..., Lda.", para pagamento de bens e que se encontravam em branco quanto ao tomador. 12.º - O arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, querendo fazer seus os € 50,00 bem como os cheques no valor global de € 300,00, sabendo que não lhe pertenciam e qua actuava contra vontade dos donos. 13.º - Entrou no referido armazém forçando a porta respectiva, sem autorização e contra a vontade da dona e dos seus representantes legais. 14.º - Bem sabia o arguido que tal conduta era proibida e criminalmente punida. 15.º - Entre os dias 09 e 11 de Junho, o arguido decidiu apôr o seu nome nos quatro cheques subtraídos, no lugar destinado ao tomador, que não se encontrava preenchido, e depositar tais cheques numa conta em seu nome. 16.0 - Então, em execução de tal propósito, em local e data não totalmente apurada, mas entre 09 de Junho e 11 de Junho de 2007, o arguido, pelo seu próprio punho, apôs nos cheques nº …, no lugar destinado ao tomador (que C... deixara em branco e devia ser preenchido com o nome "XXX..., Lda".) o seu nome (A...). 17.0 - Em 11 de Junho de 2007, munido dos quatro cheques dirigiu-se à Agência da Caixa Geral de Depósitos, da Pedrulha, nesta cidade de Coimbra, e procedeu ao seu depósito na conta da Caixa Geral de Depósitos de que era titular. 18.º - Em tudo actuou o arguido como se de uma regular operação de depósito se tratasse, com o intuito de induzir em erro os funcionários do banco que, assim convencidos, no dia seguinte descontaram o montante de € 300,00 respeitante aos quatro cheques, da conta de C..., creditando-os na conta do arguido. 19.º - O arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, com o propósito de obter, como obteve, benefícios injustificados. 20.º - Ao preencher os cheques na parte respeitante ao tomador, sem para tal estar autorizado pela legítima portadora e ao apresentá-los para depósito como se fosse o legítimo detentor, sabia estar a violar a segurança daquele meio de pagamento e a fé pública depositada em tais títulos de crédito e que mediante tal estratagema lograva induzir em erro os funcionários bancários. 21.º- Sabia, ainda, o arguido que desse modo causava prejuízo à dita portadora dos cheques, bem como podia causar prejuízo à titular da conta C... e que aquelas condutas lhe estavam vedadas por lei e eram criminalmente punidas. (. . .)." B8. O douto acórdão recorrido, reconhecendo que não há prova directa e imediata da autoria dos já referidos ilícitos, nomeadamente, recolha de vestígios lofoscópicos ou exame pericial à assinatura aposta nos cheques, condenou o recorrente, unicamente, com base nas regras da experiência comum e da razoabilidade. Ora, B9. Pese embora seja manifesto que, aparentemente, o arguido é o único beneficiado com a prática dos crimes em apreço, é perfeitamente plausível, não chocando com as regras da experiência, que possa ter sido um terceiro a cometer o furto e a assinar os cheques.

B10. Ao decidir desta sorte o areópago violou o princípio da presunção de inocência - art. 32°.2 da CRP. Ademais, B11. Cabia ao Tribunal a quo, com base no pensamento que subjaz à chamada "estrutura acusatória"(artigo 32°.5, primeira parte, da CRP), a descoberta da verdade pois que, como consabido, em processo penal não se pode invocar o "ónus da prova".

B12. Destarte, na procedência do argumentário expendido deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que absolva o recorrente dos crimes pelo qual vem condenado.

B13. No que tange à livre convicção que terá norteado a decisão tomada do douto colectivo recorrido, sempre cabe dizer que a mesma não é sinónimo de arbítrio nem significa um convite a uma desenfreada e insindicável discricionariedade, sendo antes algo informado por um momento crítico e racional, iluminado por critérios lógicos, empíricos e científicos que tornem objectiva a decisão.

B14. Nesta sede, são ainda relevantes os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções, ou seja, as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.oCC)". Ora, B15. A presunção intervém quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros. Contudo, não poderão ser descuradas as exigências de segurança que o processo penal exige em sede de comprovação dos factos, tendo em conta, nomeadamente, o princípio in dubio pro reo.

B16. Consequentemente, assume grande relevo a inteligibilidade do íter cognoscitivo tomado pelo julgador nesta sede, incluindo o percurso lógico seguido na fundamentação, nomeadamente tendo em vista a sindicância do erro notório na apreciação da prova (artigo 410°, n. ° 2., alínea c) do CPP).

B17. Ora, é exactamente nessa capacidade de se impor externamente que a decisão em causa emerge insuficiente pois que, a bem dizer, nesta sede, a fundamentação ensaiada pelo Tribunal recorrido resume-se à invocação de presunções naturais, estribadas na circunstância de o arguido aparentemente ser o único beneficiado com a prática dos ilícitos pelos quais vem condenado, alheadas de qualquer outra prova.

B18. o certo é que, não havendo qualquer prova da prática dos factos por banda do recorrente, é inaceitável a conclusão formada pelo factos por banda do tribunal...

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