Acórdão n.º 5/97, de 27 de Março de 1997

Acórdão n.º 5/97 Processo n.º 87 639. - Acordam, em plenário das secções cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça: I - O Ex. Magistrado do Ministério Público interpôs recurso para o tribunal pleno do Acórdão de 4 de Abril de 1995, proferido nos autos de revista n.º 86 244, da 1.' Secção, deste Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrente o Estado Português e recorrida a Companhia de Seguros Império, S. A., invocando oposição do mesmo com o Acórdão de 26 de Maio de 1993, proferido na revista n.º 83 444, também dessa Secção, e publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,ano I, t. II, p. 127.

Por Acórdão de 18 de Janeiro de 1996, do plenário da 2.' Secção, também deste Supremo, foi reconhecida a existência da alegada oposição e, perante isso, o recurso prosseguiu a sua ulterior tramitação.

Nas suas doutas alegações, de fl. 45 a fl. 104, aquele Ex. Magistrado conclui pedindo a revogação do acórdão recorrido, e, com vista à uniformização da jurisprudência, propõe que seja proferido acórdão com a redacção seguinte: 'O Estado, ao pagar vencimentos a seu funcionário, sem contrapartida laboral, ausente de serviço por causa de doença decorrente de acidente de viação e simultaneamente de serviço, tem direito a ser reembolsado, por este terceiro, do que despendeu, por via de sub-rogação legal.' A recorrida Império, em contra-alegações, pugna pela confirmação do decidido e requer se proceda à uniformização da jurisprudência com a prolação de acórdão no sentido de que 'no caso de acidente em serviço que seja simultaneamente acidente de viação, o Estado não tem direito a ser reembolsado pelo responsável nem pela sua seguradora relativamente aos vencimentos e outros abonos que tiver pago a um seu funcionário acidentado'.

II - Após os vistos, cumpre decidir:

  1. Quanto à questão preliminar: Começando por analisar de novo a questão preliminar, queremos salientar que nada temos a dizer em contrário do julgado no Acórdão de 18 de Janeiro de 1996, inserto de fl. 41 a fl. 42, que decidiu no sentido da existência de oposição entre os acórdãos recorrido e fundamento.

    Na verdade, reexaminando as situações fáctico-jurídicas de tais arestos, é bem claro que entre eles se verifica a aludida oposição.

    Os dois acórdão versaram idêntica matéria de facto, incidindo cada um deles sobre acidente de viação e simultaneamente de serviço em que o lesado era funcionário do Estado e, no tocante às despesas tidas com o mesmo no período da convalescença, no acórdão recorrido decidiu-se que o Estado não tinha direito ao seu reembolso, enquanto no acórdão fundamento se decidira precisamente o oposto, ou seja, que o Estado tinha direito a ser reembolsado.

    Resulta do explanado que os dois julgados versaram sobre a mesma questão fundamental de direito, o direito de sub-rogação legal, e, ao decidir, optaram por soluções contrárias.

    Mais se vê dos autos que aqueles arestos foram proferidos em processos diferentes e que se presume o trânsito em julgado do acórdão fundamento.

    Além de que ambas as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação, como se explicitou no Acórdão de 18 de Janeiro de 1996.

    Verificando-se todos os pressupostos - formais e substanciais - da admissibilidade do recurso, mantém-se o seu prosseguimento e passa a conhecer-se do seu objecto, como se segue.

  2. Quanto ao objecto do recurso: 1 - A questão fundamental de direito a que se reporta o conflito de jurisprudência que constitui o objecto dos presentes autos consiste em saber se o Estado tem ou não direito a ser reembolsado do que despendeu em remunerações com o seu funcionário ou agente que, sem contrapartida laboral, se encontra ausente de serviço por causa de doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço da responsabilidade de terceiro.

    E isso com base nos artigos 588.º e 592.º do Código Civil, e 8.º, 9.º, 13.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 19 478, de 18 de Março de 1931, Decreto-Lei n.º 49 031, de 21 de Maio de 1961, artigos 1.º, 8.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, 21.º do Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro, e 18.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, base XXXVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e artigos 27.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro.

    Sobre essa questão fundamental duas teses opostas estão em confronto: a do acórdão recorrido, defendida pela Companhia de Seguros Império, S. A., e a do acórdão fundamento, sustentada pelo Ex. Magistrado recorrente.

    Para tomar posição, vejamos cada uma delas:

    1. O acórdão recorrido, de 4 de Abril de 1995, decidiu que o Estado não tem o direito de ser reembolsado pela recorrida seguradora do que despendeu em vencimentos e subsídios com um seu funcionário, durante o período de tempo em que aquele esteve incapacitado de trabalhar em virtude de acidente de viação e simultaneamente de serviço invocado como causa de pedir, por não se verificarem os pressupostos da sub-rogação legal ou do direito de regresso.

      O raciocínio subjacente a tal decisão assentou nos pontos seguintes: a

    2. O direito de regresso e a sub-rogação (artigos 524.º, 589.º e seguintes do Código Civil), diferenciado-se na sua estrutura e disciplina, têm idêntica função recuperatória, restabelecendo o equilíbrio de interesses nas relações internas, relacionam-se em concurso alternativo e, quando a solidariedade passiva (imperfeita) é estabelecida com escopo de garantia, o direito de regresso existe entre o co-obrigado garante e o devedor principal, mas não inversamente; ab) Fundamentando inicialmente na sub-rogação a acção recuperatória da entidade patronal, o legislador passou a fundamentá-la no direito de regresso a partir da Lei n.º 2127; ac) A base XXXVII da Lei n.º 2127 prevê que a vítima de acidente de trabalho causado por terceiro tem direito de acção contra o terceiro ou contra a entidade patronal, que responde assim objectivamente, mas, pagando esta a indemnização devida pelo acidente, tem direito de regresso contra terceiro; ad) Pagando a indemnização, a entidade patronal não o faz como terceiro, como sucede no caso da sub-rogação, mas sim porque está obrigada ao pagamento com aquele terceiro, sendo ambos sujeitos da obrigação de satisfazer o interesse do credor; é, assim, um direito de regresso que exercita depois na acção recuperatória contra o terceiro causador do acidente; ae) Seja quanto às despesas com os tratamentos seja quanto aos salários, a entidade patronal paga ao trabalhador acidentado uma indemnização (cf., v. g., as bases IX, XVI e XVII da Lei n.º 2127); af) Quando a lei do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel pretendeu aplicar aos acidentes de serviço o disposto para os acidentes de trabalho, ressalvou sempre que tal se fazia na medida em que a legislação destes acidentes se pudesse adaptar ao disposto para os acidentes de serviço; ag) Ora, se o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 38 523 constituiu o Estado na obrigação de pagar as despesas com os tratamentos dos acidentados de serviço, que assim ficam indemnes desse prejuízo, o artigo 10.º do mesmo diploma estabelecia, como posteriormente o n.º 3 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 497/88 (ou o artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 151/85), que as faltas ao serviço em consequência de acidentes no exercício do mesmo, causados ou não por terceiros, não suspendiam o direito ao vencimento; ah) Quer isto dizer que tais faltas se consideram justificadas, mantendo-se a relação sinalagmática entre o exercício de funções e a retribuição, pagando o Estado vencimentos e não indemnizações como devedor em garantia de um verdadeiro lesado; ai) E, se o funcionário ou agente da Administração Pública continua a receber os vencimentos durante a sua incapacidade para o serviço, o que sucede é que não sofreu qualquer dano; sendo assim, está excluída a possibilidade de cúmulo de indemnizações com dupla reparação do dano, ponto de partida dos que sustentam poder o Estado reaver do lesante os vencimentos que pagou ao lesado.

    3. O acórdão fundamento, de 26 de Maio de 1993, decidiu que o Estado tem direito a ser reembolsado pela recorrida do que despendeu em vencimentos e demais abonos com dois funcionários, durante o período em que os mesmos não prestaram serviço por incapacidade de trabalhar em consequência do acidente de viação e simultaneamente de serviço invocado como causa de pedir.

      As razões que deram lugar a essa decisão foram, em suma, as seguintes: b

    4. O Estado despendeu as referidas quantias, em tal período, com os seus funcionários por força do disposto nos preceitos do Decreto-Lei n.º 38 523; bb) Se tal acidente fosse apenas de serviço, o Estado seria o directo responsável pelos pagamentos que efectuou; bc) Porém, sendo o acidente simultaneamente de viação e de serviço, a responsabilidade do Estado pelos pagamentos que efectuou não pode levar a isentar a recorrida seguradora da respectiva responsabilidade por virtude do evento danoso causado pelo condutor da viatura abrangida por contrato de seguro nela efectuado; bd) Ao pagar, o Estado tem o direito de ser reembolsado pela mesma recorrida para a qual se transferiu a responsabilidade essencial derivada do acidente; be) Se o acidente não fosse em serviço, o Estado nada seria obrigado a pagar; bf) O direito de o Estado ser reembolsado decorre do estabelecido no artigo 18.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 522/85; bg) Tal como uma entidade patronal de direito privado detém o direito de receber do segurador do responsável por acidente de viação aquilo que pagou ao seu empregado lesado, sendo o acidente simultaneamente de trabalho, o Estado tem o direito de receber aquilo que pagou aos seus servidores lesados nesse acidente da seguradora do veículo causador do evento danoso; bh) Sendo o acidente de serviço simultaneamente de viação, a responsabilidade do Estado não é solidária com a do causador daquele, ou da respectiva seguradora, mas antes uma responsabilidade secundária; a responsabilidade primeira e...

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