Acórdão n.º 92/92, de 07 de Abril de 1992

Acórdão n.º 92/92 Processo n.º 76/92 Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional: I - Relatório 1 - O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 2, da Constituição da República e dos artigos 57.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade das 'normas do diploma aprovado pela Assembleia Regional da Madeira em sessão plenária de 11 de Fevereiro de 1992, sob o título 'Alterações ao Estatuto do Deputado', e como decreto legislativo regional emitido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição'.

É que - diz o requerente - tal diploma, 'pelo tratamento que dá a matéria compreendida na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, enfermará de inconstitucionalidade orgânica e formal, por ofensa ao disposto nos artigos 233.º, n.º 5, e 167.º, alínea l), da Constituição da República, bem como aos limites que o n.º 3 do artigo 115.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da lei fundamental traçam ao poder legislativo das Regiões Autónomas'.

Da fundamentação aduzida pelo requerente destaca-se o que segue: a) Conforme sugere o seu título e também decorre do respectivo artigo 22.º, o texto em análise destina-se, basicamente, a alterar o anterior diploma subordinado à mesma epígrafe, que, publicado como Decreto Regional n.º 9/81/M, de 2 de Maio, procedeu à adaptação das normas contidas na Lei n.º 5/76, de 10 de Setembro, por que então se regia o Estatuto dos Deputados à Assembleia da República, conjugadas com as fornecidas pelo Decreto Regional n.º 1/81/A, de 23 de Março, fornecedor do Estatuto dos Deputados da Assembleia Regional dos Açores; b) Pela matéria que tratam, as disposições do diploma em apreço enquadram-se no âmbito normativo próprio dos estatutos dos titulares de cargos políticos, que, nos termos genéricos do n.º 2 do artigo 120.º da Constituição da República, abrange a definição dos respectivos deveres, responsabilidades e incompatibilidades, bem como dos seus direitos, regalias e imunidades, ficando a cargo do órgão legislativo competente a concretização de tais normas; c) E, embora a Constituição da República não o estatua expressamente, o âmbito normativo dos estatutos deve entender-se estreitamente condicionado pela sua natureza de 'leis organizatórias', pelo que cumpre incluir 'na reserva de estatuto as atribuições das Regiões Autónomas (artigo 229.º), a sua definição, relativamente a outras pessoas colectivas territoriais (Estado, autarquias locais), formação, composição e estatuto dos respectivos titulares (artigo 233/5)' (Prof. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, 1991, p.871); d) A invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição da República coloca o diploma em apreço na posição de formalmente emitido a título de legislação regional; e) Para o efeito, porém, não bastará a comprovação da existência de matérias de interesse específico para a Região, como fundamento do exercício da competência legislativa conferida por aquela alínea a), pois 'essa competência define-se, em primeiro lugar, por uma delimitação positiva das fontes de normação autonómica regional, que demanda a 'densificação material' do conceito 'matérias de interesse específico' para a Região', e 'determina-se, em segundo lugar, negativamente, pela dupla incidência dos princípios constitucionais da reserva de lei e da hierarquia normativa' (cf. capítulo IV, n.os 1.1 e 1.2 do parecer n.º 68/87 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2.' série, n.º 221, de 23 de Setembro de 1988); f) Logo, para que o poder legislativo regional se exerça, há que ter em atenção que 'tais matérias não podem estar reservadas à competência própria da Assembleia da República ou do Governo' e que, 'ao tratá-las, os órgãos legislativos regionais - para além de haverem de obedecer à Constituição - não podem estabelecer disciplina que contrarie as 'leis gerais da República'' [cf.

ponto II, n.º 2.1, alíneas b) e c), do Acórdão n.º 164/86, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 1.' série, n.º 130, de 7 de Junho de 1986; v. ainda o n.º 3 do artigo 115.º da Constituição: 'Os decretos legislativos regionais versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra as leis gerais da República']; g) Ou seja, e conforme ficou exposto no ponto II, n.º 1.8, do Acórdão n.º 82/86 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 1.' série, n.º 76, de 2 de Abril de 1986: Se se tratar de matérias incluídas na reserva de competência da Assembleia da República ou do Governo, mas que lhes digam respeito, as Regiões, para além de disporem de poder de iniciativa legislativa [v. artigo 229.º, alínea c)], gozam do direito de se pronunciar sobre elas, seja por sua iniciativa, seja sob consulta daqueles órgãos de soberania [v. artigo 229.º, alínea g)].

Estas questões são as que, saindo já fora da competência dos órgãos regionais, todavia, respeitam a interesses predominantemente regionais, ou pelo menos merecem, no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas Regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para esses territórios [v.

parecer da Comissão Constitucional n.º 2/88, que remete, citando-o, para o parecer n.º 20/77 (Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 18, p. 107)].

h) Assim, e nas palavras do Acórdão n.º 160/86 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.' série, n.º 175, de 1 de Agosto de 1986, 'onde esteja uma matéria reservada à 'competência própria dos órgãos de soberania', [...] não há 'interesse específico para as Regiões' que legitime o poder legislativo das Regiões Autónomas' (posição esta confirmada, por exemplo, nos Acórdãos do mesmo Tribunal n.os 37/87 e 91/88, publicados no Diário da República, 1.' série, respectivamente n.os 63, de 17 de Março de 1987, e 110, de 12 de Maio de 1988); i) Ora, na matéria em questão, será de ter em conta que o citado Decreto Regional n.º 9/81/M foi emanado na vigência do texto originário da Constituição da República, o qual, ao mostrar-se omisso no tocante à definição dos estatutos dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, permitiria uma interpretação no sentido de que a competência para tal definição cabia no poder legislativo conferido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da lei fundamental, por tratar-se de matéria de interesse específico para as Regiões e não reservada à competência própria dos órgãos de soberania; j) Posteriormente, porém, com a publicação da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, foi aditado ao artigo 233.º da Constituição da República o n.º 5, por força do qual 'o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos'; l) E a Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, veio reforçar a afirmação da competência da Assembleia da República na matéria, ao ampliar o teor da alínea l) do artigo 167.º, no sentido de incluir na reserva absoluta da sua competência legislativa a definição do estatuto de todos os órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal; m) Por conseguinte, e de acordo com o Prof. Jorge Miranda, 'os estatutos dos titulares dos órgãos (electivos)[...] das Regiões Autónomas [...] constituem matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 167.º, alínea [...] l), e 233.º, n.º 5]' (in Funções, Órgãos e Actos do Estado, pp. 84-85); n) No mesmo sentido, e ainda no domínio da primeira revisão constitucional, consideraram Gomes Canotilho e Vital Moreira que, 'ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para dúvidas que tal matéria não cabe nem na competência legislativa reservada comum da Assembleia da República [v. artigo 167.º, alínea g)] nem na competência legislativa regional, através de decreto legislativo regional' (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.' ed., 2.º vol., Coimbra, 1985, pp. 375-376); o) Mas, com interesse directo para a hipótese em questão, temos a afirmação de que o princípio da fixação da competência legislativa pela Constituição, como 'corolário do princípio geral da competência e do princípio da separação de órgãos constitucionais (artigo 114.º)', implica 'que, ocorrendo modificações das normas constitucionais de competência, os actos praticados à sombra das antigas normas são inteiramente válidos e eficazes, mas, doravante, a sua interpretação, a sua modificação, a sua suspensão ou a sua revogação têm de se fazer de acordo com as normas (assim, se um órgão praticou certo acto legislativo e depois deixou de ter competência na matéria, já não pode interpretar, suspender ou revogar tal acto' (Prof. Jorge Miranda, 'O actual sistema português de actos legislativos', in Legislação - Cadernos de Ciências de Legislação, n.º 2, Outubro-Dezembro de 1991); p) Do que ficou exposto resultará, por conseguinte, demonstrada a incompetência da Assembleia Legislativa Regional da Madeira para, no exercício do poder conferido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição da República, proceder à definição do estatuto dos seus deputados, ainda que isso apenas represente a modificação, ou mesmo tão-somente a interpretação, do anterior Decreto Regional n.º 9/81/M, de 2 de Maio, surgido quando o texto da lei fundamental não lhe retirava expressamente a competência nessa matéria; q) Consideração de incompetência essa que se colocará em relação ao diploma agora aprovado, no conjunto das suas normas, uma vez que a amplitude e a sistemática postas na sua elaboração, com vista a dar corpo ao Estatuto...

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