Acórdão nº 5/10.3F2FIG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2011
Magistrado Responsável | MARIA DO CARMO SILVA DIAS |
Data da Resolução | 26 de Outubro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
(proc. n º 5/10.3F2FIG.P1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO Nos autos de processo comum colectivo (crimes militares) nº 5/10.3F2FIG, a correr termos na 1ª Vara Criminal do Porto, foi proferido acórdão em 27.1.2011 (fls. 249 a 267 do 2º volume), constando do dispositivo o seguinte: Face ao exposto, acordam os da 1.ª Vara Criminal da Comarca do Porto em julgar provada e procedente, nos termos referidos, a douta acusação pública formulada nos autos contra o arguido B… e, consequentemente: 1.º) Condenar o arguido, pela prática, na noite de 13 para 14/03/2010, de um crime de incumprimento de deveres de serviço, p. e p. pelo artigo 67.º, n.ºs 1, alínea d), e 3, do Código de Justiça Militar, na pena (especialmente atenuada) de 4 (quatro) meses de prisão, que se substitui pelo período de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros); 2.º) Condenar o arguido no pagamento das custas e demais encargos deste processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC; 3.º) Julgar extinta, com o trânsito em julgado do presente acórdão, a medida de coacção a que se encontra sujeito o arguido (artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal 4.º) Ordenar a oportuna remessa de boletins ao Registo Criminal.
(…) Oportunamente, proceda-se à comunicação prevista no artigo 20.º, n.º 4, do Código de Justiça Militar (no caso, ao Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana).
(…)*Não se conformando com esse acórdão recorreu o arguido B… (fls. 279 a 286), formulando as seguintes conclusões: 1. Foi o arguido acusado e condenado pela prática de um crime de incumprimento de deveres cívicos, p. p. pelo art. 67º, nºs 1, alínea d) e 3 do Código de Justiça Militar.
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O depoimento do agente de autoridade que prestou depoimento como testemunha (C…) e que aí afirmou que explicou ao arguido a finalidade a que se destinava a recolha do sangue, não teve nem tem nenhum suporte documental sobre a forma como tal recolha teve lugar e desse modo aferir da legalidade e legitimidade de tal recolha.
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A ser correcto que o “estado clínico” do arguido não permitia o teste de despistagem, como o agente refere no auto, não se compreende como veio a permitir que o mesmo tivesse capacidade plena de querer e entender quanto à informação sobre a realização de recolha de sangue.
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Além desta menção no auto de notícia, não foi recolhido nem existe nos autos, qualquer outro documento, seja advindo da PSP, seja advindo do hospital, sobre a recolha de sangue realizada e o cumprimento de todos os procedimentos legais a ela respeitantes.
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Até à presente data o arguido nunca foi ouvido sobre tal matéria em processo adequado, nem nunca teve oportunidade de aí se defender.
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Inexistindo processo adequado, continua pois o arguido a pugnar pela falta de oportunidade para se defender adequadamente sobre a realização ou não da recolha de sangue para análise da sua TAS.
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O meio de prova obtido por essa via de uma recolha de sangue, sem o seu consentimento e sem lhe conceder a possibilidade de a tal se recusar, traduz-se num meio de prova ilegal, inválido ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.
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No que se refere à questão da inconstitucionalidade, suscitada pelo arguido na sua contestação, o acórdão proferido nem sequer se pronunciou sobre a mesma, não cumprindo assim com dois dos seus requisitos, mormente o do art. 374º, nº 1, alínea d), e o do nº 2, do mesmo Código de Processo Penal.
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O que desde logo constitui uma nulidade, conforme previsto no artigo 379º, nº 1, alíneas a) e c) do mesmo CPP.
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O preceito legal que sustenta essa actuação está ferido de inconstitucionalidade orgânica, conforme já foi decidido no Acórdão da Relação do Porto, de 9-12-2009, in www.dgsi.pt.
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No referido acórdão do tribunal da Relação entendeu-se (e transcreve-se por aqui servir de alegação) que “Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise do grau de alcoolemia do condutor, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do nº 1 do artigo 165º da CRP”.
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Também o decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 275/2009, de 27 de Maio, in DR 2ª Serie, nº 129, de 7 de Julho de 2009.
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Esta inconstitucionalidade, já invocada pelo arguido na sua contestação e aqui de novo chamada à colação, deve fazer concluir pela inconstitucionalidade da recolha de sangue que lhe foi realizada e seu resultado, como meio de prova.
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Não é possível chegar a conclusões que permitam uma condenação judicial em matéria criminal com base em simples “aparências”. 15. A lei penal exige certezas e precisamente para isso estabeleceu taxas, com as quais seja possível, quer o acusador, quer o arguido, ter garantias de que o seu tratamento não é aleatório ou diverso de qualquer outro, num rigoroso cumprimento do princípio da legalidade.
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Retirado dos autos o exame da TAS, sobre o qual o arguido nunca foi autonomamente julgado ou condenado, ou sequer ouvido, não ficam nos mesmos quaisquer factos que permitam a completa integração do tipo legal de crime pelo qual o arguido veio acusado e condenado.
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Os presentes autos não podem tomar em consideração a realização do exame de toxicologia forense e o seu resultado.
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E, faltando nestes autos este elemento, advindo externamente mas de crucial importância para o tipo legal de crime em causa, deixa de existir matéria de facto integradora desse mesmo tipo legal de crime pelo qual vem o arguido acusado.
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A decisão em análise violou o disposto no artigo 67º, nºs 1, alínea d) e 3 do Código de Justiça Militar e nos artigos 374º, nº 1, alínea d) e nº 2 e 379º, nº 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.
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Devendo ser revogada e em sua substituição absolver-se o arguido, nos termos expostos.
*O Ministério Público respondeu ao recurso (fls. 294 a 299), pugnando pelo seu não provimento.
*Quando admitiu o recurso, o Sr. Juiz também se pronunciou sobre a nulidade arguida pelo recorrente, concluindo que a mesma não se verificava (fls. 306 a 311).
*Nesta Relação, o Sr. Procurador da República emitiu parecer (fls. 316 a 319), concluindo pelo não provimento do recurso.
*Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*No acórdão sob recurso foram considerados provados os seguintes factos: 7.1) O arguido é militar da Guarda Nacional Republicana (G.N.R.) desde 02 de Dezembro de 2004, prestando, à data em que ocorreram os factos em apreço nos presentes autos, serviço no Sub-Destacamento de Controlo Costeiro de Aveiro da Unidade de Controlo Costeiro da mesma Corporação; 7.2.) Nos dias 11 a 14 de Março de 2010, o arguido encontrava-se escalado para o serviço de guarnição às lanchas LFA [Lancha de Fiscalização de Águas Interiores] Câncer e LFA Epicentro, atracadas no Porto de Pesca Costeiro de Aveiro; 7.3) Este serviço decorria no período compreendido entre as 09 horas do dia 11 de Março de 2010 e as 09 horas do dia 14 de Março de 2010; 7.4) O arguido fazia parte da equipe «…», conjuntamente com os Cabos D… e E… e os Guardas F…, G…, H… e I…; 7.5) Por via de regra, as aludidas lanchas permanecem atracadas no Porto, desenvolvendo-se o serviço de guarnição às mesmas em dois períodos distintos: um de actividade normal, entre as 08 e as 18 horas e outro de actividade reduzida, entre as 18 horas e as 8 horas do dia seguinte; 7.6) As lanchas têm de manter a prontidão operacional de acordo com os períodos pré-determinados, devendo os militares da guarnição estar presentes durante o período de actividade normal; 7.7) Já no período de actividade reduzida os militares podem ausentar-se do quartel, em situações pontuais, designadamente para tomarem as suas refeições, desde que informem o chefe da equipa e obtenham a sua autorização para o efeito, devendo neste caso manter-se permanentemente contactáveis e num local de acessibilidade tal que lhes permita embarcar dentro do período de prontidão estabelecido; 7.8) Em concreto, e desde o dia 4 de Março de 2010, o nível de prontidão relevante para o caso vertente era de grau 5, ou seja, de 15 minutos; 7.9) No dia 13 de Março de 2010, o serviço de guarnição às referidas lanchas teve início de actividade normal às 09 horas e, a partir das 18 horas, passou para serviço de actividade reduzida; 7.10) Nesse dia, pelas 21 horas e 15 minutos, o arguido informou o Cabo D…, Comandante em exercício, de que pretendia jantar fora, tendo obtido deste a necessária autorização para o efeito; 7.11) Contudo, não regressou ao quartel durante essa noite, tendo mesmo sido interveniente em acidente de viação; 7.12) Com efeito, pelas 07 horas e 20 minutos do dia 14 de Março de 2010, quando conduzia o veículo automóvel com a matrícula ..-..-TB pela Rua …, em Aveiro, o arguido despistou-se, embatendo numa árvore, pelo que teve necessidade de receber tratamento médico hospitalar às lesões corporais sofridas em virtude de tal sinistro; 7.13) Realizado exame de toxicologia forense, o arguido acusou a Taxa de Álcool no Sangue (T.A.S.) de 2,28 g/l; 7.14) Assim, não obstante saber que se encontrava de serviço (embora sem obrigação de presença), sujeito à obrigação de responder a qualquer emergência no nível de prontidão previsto (que, no caso, era de 15 minutos, como referido), o arguido, durante o jantar e a noite, ingeriu bebidas alcoólicas de qualidades e em quantidades não concretamente apuradas, que lhe potenciaram a T.A.S. acima indicada, com o que se colocou na impossibilidade de cumprir cabalmente os deveres inerentes à sua função; 7.15) O arguido bem sabia que se encontrava ao serviço e que ingeria bebidas alcoólicas em excesso, circunstância que igualmente sabia colocá-lo na impossibilidade de...
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