Acórdão n.º 77/88, de 28 de Abril de 1988

Acórdão n.º 77/88 Processo n.º 24/84 Acordam, em reunião plenária, no Tribunal Constitucional (T. Const.): I - Relatório 1 - O Presidente da Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e no artigo 51.º, n.º 1, da Lei do T.

Const., e dando seguimento a petição que nesse sentido lhe fora apresentada pela Associação Lisbonense de Proprietários, veio requerer a apreciação da constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 436/83, de 19 de Dezembro, e a declaração, com força obrigatória geral, da sua inconstitucionalidade.

Fundamenta o pedido na circunstância de esse diploma, que tem por objecto o regime das actualizações anuais de rendas nos contratos de arrendamento para comércio, indústria e exercício de profissões liberais e ainda em todos os contratos de arrendamento para fins não habitacionais, versar matéria da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República - como é a do 'regime geral do arrendamento urbano', consoante 'determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição' (sic) - e não haver sido emitido ao abrigo da necessária autorização desse órgão de soberania. O diploma em causa estará assim afectado, na sua globalidade, de inconstitucionalidade orgânica.

Ouvido o Governo, através do Primeiro-Ministro, nos termos do artigo 54.º da Lei do T. Const., apresentou este como resposta um parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros que merecera a sua concordância. Em tal parecer conclui-se, em primeiro lugar, que 'o pedido formulado está indevidamente fundamentado quanto à indicação precisa dos preceitos constitucionais violados, omissão ou deficiência que torna admissível o convite ao respectivo suprimento, ou mesmo rejeição do pedido, em conformidade com os artigos 43.º, n.º 2, alínea a), e 474.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil e 51.º, n.os 1, 3 e 4, da Lei n.º 28/82'; e conclui-se, depois, que, a conhecer dele, em todo o caso, não poderá o T. Const. decidir no sentido da inconstitucionalidade orgânica do diploma questionado, porquanto:

  1. Este diploma não versa matéria relativa a direitos, liberdades e garantias, no sentido do artigo 168.º, alínea b), da Constituição; b) 'E mesmo que se admita que verse matéria essencial, integrante do regime geral do arrendamento urbano [artigo 168.º, alínea h)], verdade é que não se trata de um acto de inovação legislativa, limitando-se a reproduzir disciplina validamente estabelecida pelo regime jurídico anterior à data de entrada em vigor da Constituição revista, onde aquela alínea h), que não tem eficácia retroactiva, aparece ex novo'.

    2 - Encontrando-se já pendente neste Tribunal o pedido do Presidente da Assembleia da República acabado de referir, e encontrando-se já distribuído o respectivo processo, veio igualmente o Provedor de Justiças, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e do artigo 51.º, n.º 1, da Lei do T.

    Const., requerer, do mesmo modo, a declaração da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 436/83, 'e, nomeadamente, dos seus artigos 1.º a 12.º' (que tantos são os que integram o diploma).

    Fundamento deste outro pedido é também a já referida circunstância de o diploma dispor, sem autorização legislativa, sobre matéria do 'regime geral do arrendamento urbano', reservada à Assembleia da República pelo artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição. A tal respeito - e em síntese -, argumenta o Provedor que o Decreto-Lei n.º 436/83 'trata exclusivamente de actualizações de rendas, isto é, da retribuição dos contratos de arrendamento', em causa, e que esta (a retribuição) não pode deixar de ser tida como um dos 'elementos essenciais integrativos do [...] regime geral' desses contratos; e adianta, por outro lado, não só que tal decreto-lei é inovatório, mas ainda que, mesmo a entender-se que o não era, esse facto não obstaria à sua inconstitucionalidade orgânica, porquanto, 'a partir do momento em que a Constituição retira ao Governo competência para legislar sobre certa matéria' (como em matéria de arrendamento aconteceu, na revisão de 1982), aquele 'deixa de o poder fazer [...], seja para modificar normas anteriores - muito ou pouco -, seja para as substituir, seja, pura e simplesmente, para as revogar'.

    Ouvido igualmente o Governo sobre este outro pedido, limitou-se o Primeiro-Ministro a oferecer de novo como resposta o parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros atrás referido.

    Entretanto, e porque o objecto do pedido do Provedor de Justiça coincidia inteiramente com o do antes apresentado pelo Presidente da Assembleia da República, foi determinada a sua incorporação, nos termos do artigo 64.º da Lei do T. Const., no processo respeitante a este último pedido (primeiro na ordem de entrada).

    3 - Como emerge do antecedente relato, são de duas ordens as questões que o Tribunal é solicitado a apreciar e decidir no presente processo:

  2. Em primeiro lugar, a questão prévia, suscitada na resposta do Primeiro-Ministro, da admissibilidade do pedido do Presidente da Assembleia da República, a qual tem a ver, no fundo, com a 'ininteligibilidade' da respectiva causa de pedir; b) Em segundo lugar, a questão da constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 436/83 globalmente considerado - e, portanto, de todas as suas normas -, à luz dos princípios constitucionais sobre a competência legislativa reservada da Assembleia da República.

    É dessas questões, pois, que passa, sucessivamente, a conhecer-se.

    II - Fundamentos

    1. A questão da admissibilidade do pedido do Presidente da Assembleia da República 4 - A 'reserva processual' - assim se exprime o parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, oportunamente mencionado - relativa à admissibilidade do pedido em apreço reporta-se à circunstância de o Presidente da Assembleia da República indicar como normas constitucionais violadas o artigo 168.º, alínea b), e o artigo 271.º, n.º 1: ora, a citação do primeiro não se harmoniza com a invocada reserva parlamentar em matéria de arrendamento, estabelecida antes no artigo 168.º, alínea h), e permite que se suscite a dúvida de saber se não se quererá aludir, em vez disso, ou também, à reserva definida na dita alínea b), que é a respeitante a 'direitos, liberdades e garantias'; por outro lado, o artigo 271.º, n.º 1, nada tem a ver com o problema em apreço, podendo intuir-se, quando muito, que se quis referir, em lugar dele, o artigo 201.º, n.º 1. Seria, assim, questionável que o requerente tivesse satisfeito cabalmente a exigência do artigo 51.º, n.º 1, da Lei do T. Const., o qual lhe impunha a 'especificação' das normas ou princípios constitucionais violados; e, muito embora tal questão não tenha sido liminarmente levantada, não estaria o Tribunal impedido, em vista do que se dispõe no n.º 4 do mesmo artigo 51.º, de apreciá-la agora.

      A verdade, porém, é que uma tal questão prévia tem, desde logo, de haver-se por prejudicada, atento o subsequente pedido do Provedor de Justiça, incorporado nos presentes autos. Com efeito, este outro pedido apresenta-se com um objecto precisamente idêntico ao do Presidente da Assembleia da República e nenhuma dúvida levanta, por sua vez, quanto à respectiva admissibilidade, no que concerne ao cumprimento da mencionada exigência.

      Daí que, em qualquer caso, sempre este Tribunal devesse conhecer in meritis da questão de constitucionalidade que lhe é posta.

      5 - Todavia, e para além disso, não deve deixar de acrescentar-se que a questão suscitada na resposta do Primeiro-Ministro se revela, de todo o modo, comoinfundada.

      É que o requerimento do Presidente da Assembleia da República, analisado globalmente, mostra com toda a clareza que o vício assacado ao Decreto-Lei n.º 436/83 é o da invasão da reserva legislativa parlamentar em matéria de 'regime geral do arrendamento rural e urbano', estabelecida na alínea h) do artigo 168.º, n.º 1, e o da consequente infracção da regra de competência do artigo 201.º, n.º 1, alínea a), ambos da Constituição. De tal modo que, se nesse requerimento se citam antes a alínea b) do primeiro desses preceitos e o artigo 271.º, n.º 1, da lei fundamental, tais menções hão-de levar-se necessariamente à conta de meros lapsi calami - sem relevo, pois, sobre a admissibilidade do correspondentepedido.

    2. A questão da constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 436/83 6 - Passa-se, assim, à apreciação da questão de fundo, a qual, como resulta do que vem de dizer-se, consiste em saber se, atento o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição, o Governo dispunha de competência para, sem autorização legislativa, emitir o Decreto-Lei n.º 436/83. Impõe-se, pois, que se comece por fixar o sentido e alcance da reserva de legislação parlamentar estabelecida naquele preceito.

      Refere-se ele ao 'regime geral do arrendamento rural e urbano' - numa fórmula que encontra paralelo na das alíneas d) e e) do mesmo artigo (ambas tratando igualmente de regime geral), e é diferente da das alíneas f), g) ou n), por exemplo, as quais incluem na reserva apenas as 'bases' dos correspondentes regimes. Ora, logo este ponto de partida textual mostra que a reserva em causa não se limita à definição dos 'princípios', 'directivas' ou standards fundamentais em matéria de arrendamento (é dizer, das 'bases' respectivas), mas desce ao nível das próprias 'normas' integradoras do regime desse contrato e modeladoras do seu perfil. Circunscrito o âmbito da reserva pela noção de 'arrendamento rural e urbano', nela se incluirão, pois, as regras relativas à celebração de tais contratos e às suas condições de validade, definidoras (imperativa ou supletivamente) das relações (direitos e deveres) dos contraentes durante a sua vigência e definidoras, bem assim, das condições e causas da sua extinção - pois tudo isso é 'regime jurídico' dessa figura negocial. Por outras palavras, e em suma: cabe reservadamente ao legislador parlamentar definir os pressupostos, as condições e os limites do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT