Acórdão nº 0401/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução12 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…, Ldª, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação por si deduzida contra o acto de liquidação de taxas de publicidade efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa com referência à renovação, em 2005, da licença para colocação de anúncios luminosos no estabelecimento comercial (restaurante) sito na Avenida …, em Lisboa, no montante de € 5.771,05.

1.1.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: I. O Tribunal ad quo, na douta sentença, decide pela legalidade da cobrança das taxas de publicidade impugnadas pela Recorrente, por entender que as mesmas representam uma contrapartida cobrada pelo Município de Lisboa pela utilização de um bem do domínio público.

II. Na sequência do concurso público para a concessão do direito de ocupação, por um prazo de vinte anos, de três parcelas de terreno em Lisboa destinadas à construção e exploração de instalações de venda de carburantes líquidos e sua alienação, a Câmara Municipal de Lisboa e a B… Lda. - celebraram um contrato de concessão, facto que sucedeu em 16 de Outubro de 1995 - cfr. doc. 1 junto aos autos com a P.l.; III. No âmbito desse contrato, a B…foi autorizada, por um período de vinte anos, a ocupar as referidas parcelas de terreno, tendo como finalidade a construção e exploração de instalações de venda de carburantes líquidos sitas na Av. … (2ª Circular) e bem assim de serviços complementares.

IV.

O referido contrato, através da remissão para o Caderno de Encargos e Programa de Concurso Público em referência, prevê a instalação na Parcela de uma zona de restauração complementar ao serviço de abastecimento de combustível, estando a mesma incluída no objecto da concessão.

V. Como contrapartida pela utilização das referidas Parcelas, a B… entregou ao Município de Lisboa as quantias mencionadas na cláusula terceira do referido contrato de concessão - cfr. o mesmo Doc 1.

VI.

Integrando o objecto da referida concessão, foi também concedida à B…a possibilidade de ceder a exploração dos locais concessionados a uma ou mais empresas - cfr. Cláusula 7ª, n.º 4 do Contrato de Concessão.

VII.

Nesse contexto contratual, em 25 de Março de 1996, respeitando os poderes conferidos pela Câmara Municipal de Lisboa, a B… celebrou com a ora Recorrente um contrato de cessão de exploração - cfr. doc. 3 junto com a PI.

VIII.

Desta forma, a utilização da Parcela objecto dos autos, que juridicamente é qualificada como bem do domínio público, foi concedida à B…, com a possibilidade desta ceder a exploração a terceiros, cobrando a Câmara Municipal de Lisboa, como contrapartida dessa cedência, as quantias descritas na cláusula terceira do contrato.

IX.

Pelo que, estando em causa o mesmo facto tributário - a mesma utilização de um mesmo bem do domínio público - não pode o Município cobrar duas ou mais taxas, atendo os Princípios da Proporcionalidade, da Equivalência e ainda da Proibição da Dupla Tributação.

X. O Decreto-Lei n.° 280/2007 de 07/08, que aprovou o regime jurídico da gestão dos bens imóveis do domínio público do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais e dos bens imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos, estabelece no seu artigo 28.° que, através de acto ou contrato administrativos podem ser conferidos a particulares, durante um período determinado de tempo, poderes exclusivos de fruição de bens do domínio público, mediante o pagamento de taxas.

XI.

Verifica-se assim que pela referida utilização o Ente Público, neste caso a Recorrida, pode cobrar uma taxa, o que está de resto se adequa à previsão legal constante do artigo 4.°, n.° 2 da Lei Geral Tributária.

XII.

Ora, pela mesma utilização, do mesmo bem do domínio público municipal (que compreende um feixe alargado de direitos e deveres previsto no respectivo contrato), não pode o Município cobrar uma outra taxa, desta feita pela afixação de suportes publicitários, nos termos do previsto no artigo 3.°, n.° 1 do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa.

XIII.

A situação em apreço, a ser admitida, significaria assim um flagrante caso de enriquecimento sem causa das câmaras municipais beneficiárias desta cobrança e a manifesta violação de um princípio primordial da política tributária - a proibição de dupla-tributação do mesmo facto tributável.

XIV.

Nas palavras de José Casalta Nabais, na sua dissertação de doutoramento sobre O Dever Fundamental de Pagar Impostos, a dupla tributação qua tale não está constitucionalmente proibida [acrescentado em nota: num certo paralelismo com o que acontece no domínio da dupla tributação internacional, já que também o direito internacional público não conhece nenhum princípio geral que a interdite], sendo a mesma contestável se e na medida em que envolva a violação de princípios jurídico-constitucionais ou específicas disposições constitucionais, que possam ser interpretadas nesse sentido.

XV.

O princípio da equivalência compõe-se de uma vertente jurídica - de acordo com a qual se assinala a natureza de contraprestação específica dos tributos que designamos por «Taxas» - e de uma vertente económica, que impõe a consideração do valor/custo real da prestação efectuada pelo ente público para determinação do valor da taxa e encontra-se especialmente consagrado, em particular quanto à sua vertente económica, no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro.

XVI.

Ao lado daquele Princípio, surge o Princípio da Proporcionalidade que, diga-se, vincula toda a actividade administrativa, conforme previsto no artigo 266.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e determina a necessidade de ponderação entre os meios empregues e o fim visado, impedindo que ao particular seja exigida uma contrapartida desproporcionada face à correspondente intervenção administrativa.

XVII.

Assim se considerando, querendo o Município de Lisboa cobrar duas taxas pela mesma utilização do mesmo bem, viola claramente o supra referidos princípios, uma vez que promove uma situação de dupla cobrança.

XVIII.

Termos em que forçosamente se deverá conclui que a cobrança à Recorrente da taxa de publicidade fixada no artigo 3.° n.º 1 do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, constante do edital n.º 35/92 da Tabela de Taxas, é ilegal, por violação dos princípios da equivalência (que decorre do princípio da Igualdade Tributária e da proporcionalidade, previstos, respectivamente, nos artigos 13.° e 266.° n.º 2. da Constituição da República Portuguesa) e bem assim nos artigos 4.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e 55.° da Lei Geral Tributária, pelo deverá ser considerado ilegal.

XIX.

Acresce que, dando acolhimento ao raciocino supra referido, i.e., a ilegalidade da cobrança de duas taxas para o mesmo facto jurídico tributário, veio o Município, ora Recorrente, fixar o seguinte conteúdo no Alvará de Ocupação de Domínio Público: “Para além do pagamento do preço, não são devidas, enquanto durar a concessão e por motivo dela, quaisquer outras taxas, designadamente as que se refiram à construção, utilização, publicidade e ocupação do domínio público ou privado do Município”.

XX.

O teor da referida previsão inicia os seus termos com a expressão “para além de”, o que significa que, como contrapartida da utilização do domínio público em referência, já estaria a ser paga uma importância a título de taxa, o que claramente evidência a certeza e a justeza do raciocínio supra exposto.

XXI.

A propósito desta previsão inserida no clausulado do referido alvará, vem a Recorrida e na sua senda, a douta sentença, referir que a mesma se trata de um benefício fiscal que, nos termos do previsto no artigo 13.° n.º 1 da Lei Geral Tributaria (na versão aplicável à data da cobrança do tributo) é intransmissível a terceiros.

XXII.

Cumpre referir, desde já, que não cremos que a previsão inserta no reportado Alvará se possa qualificar como um verdadeiro benefício fiscal, mas antes como uma manifestação do princípio legal da proibição de dupla tributação, não lhe sendo assim aplicável o regime previsto no citado artigo.

XXIII.

Isto porque, nos termos do previsto no artigo 4.° n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as situações de não tributação não configuram uma situação de isenção ou de atribuição de um benefício fiscal.

XXIV.

No entanto, sempre nos deveremos pronunciar, por mero dever de patrocínio, sobre essa questão, que de resto foi tratada na sentença, embora, com o devido respeito, sem o alcance que merece...

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