Acórdão nº 293/10.5 JALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução12 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. O arguido A...

, entretanto já mais identificado nos autos, foi submetido a julgamento sob a aludida forma de processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, porquanto acusado pelo Ministério Público da prática indiciária de factualidade que o instituiria na autoria material, sob a forma consumada e em concurso real de infracções, de: - Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal; - Um crime de homicídio qualificado, previsto e punido através das disposições conjugadas dos art.ºs 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas b) e j) do mesmo diploma substantivo; e, - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 86.º, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4 e 3.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

B...

, admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, e também já melhor identificada, deduziu pedido de indemnização civil no qual pediu fosse declarado que o arguido, nele demandado, carece de capacidade sucessória por indignidade relativamente aos bens deixados por morte da falecida (respectivamente sua mãe e esposa), bem como, ademais, fosse o mesmo condenado a pagar-lhe a quantia de € 82.500,00, isto a título de indemnização pelo direito à vida da falecida [€ 70.000,00] e pelo sofrimento da demandante [€ 12.500,00], bem como nas despesas, encargos e perda de rendimentos que tem sofrido devido à morte da falecida sua mãe, isto no montante que se venha a apurar em liquidação de execução de sentença.

Recebida tal acusação e admitido liminarmente o pedido de indemnização civil da assistente, na subsequente e normal tramitação, realizado o contraditório[1], mostra-se proferido Acórdão, por cujo intermédio, e ao demais por ora irrelevante, se decidiu quando à parte crime, condenar o visado arguido, pela prática, enquanto autor material, e em concurso efectivo de infracções, de: - Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo citado art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, na pena de três (3) anos de prisão.

- Um crime de homicídio qualificado, previsto e punido através das disposições conjugadas dos art.ºs 131.º e 132.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal e 86.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de dezanove (19) anos de prisão.

- Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.ºs 86.º, n.º 1, alínea c) e 3.º, n.º 4, alínea a) da mesma Lei n.º 5/2006, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico logo operado relativamente a tais penas parcelares, foi o arguido sentenciado no cumprimento da pena única de vinte e um (21) anos de prisão.

Já no que concerne ao propalado pedido de indemnização foi então decidido: - Absolver da instância o arguido/demandado quanto ao pedido de declaração de falta de capacidade sucessória por indignidade.

- Julgá-lo parcialmente procedente por provado e, em consequência, condenar o arguido a pagar à nele demandante a quantia de € 54 500,00, isto a título de indemnização por danos não patrimoniais.

- No demais, julgá-lo improcedente dele se absolvendo o arguido.

1.2. Arguido/demandado que, porque discordando dos segmentos que assim o condenaram, interpôs recurso extraindo do requerimento com que minutou a discordância a seguinte ordem de conclusões (que reproduzimos quase na íntegra, pese embora por vezes a sua prolixidade): 1.2.1. O acórdão recorrido peca por omissão de fundamentação; não considerou provados os factos alegados pela defesa do arguido, e mostra-se omisso quanto à fundamentação dos factos provados e não provados, o que tudo acarreta a respectiva nulidade, uma vez que por isso afecta as suas garantias de defesa [cfr. art.ºs 374.º, n.º 2; 379.º, n.ºs 1, alínea c) e 2; 380.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal].

1.2.2. Dá-se como provado o que consta no facto n.º 11 da matéria apurada, e, bem assim, se dá como não apurada a mesma matéria (n.º 3, da matéria não apurada); são duas versões opostas e inconciliáveis sobre a mesma matéria, em contradição insanável e com violação do art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. A decisão recorrida não fez o exame crítico da prova em ordem a permitir-nos, racionalmente, perceber como tinha chegado à factualidade que considerou provada e não provada, preterindo pois o art.º 374.º, n.º 2, com a cominação da nulidade, que aqui expressamente se vem arguir [art.º 379.º, tal como aquele, do citado Código de Processo Penal].

1.2.3. A decisão recorrida, em vez de fazer exame crítico da prova em ordem a permitir-nos, racionalmente, perceber como tinha chegado à factualidade que considerou provada, centrou-se em “Convicções” e “Presunções”, mormente quanto ao crime de violência doméstica, que “ficcionou” um “empurrão” (facto provado 12), sem ter sido produzida qualquer prova: o arguido negou os factos; as declarações prestadas em Inquérito pela ofendida (no âmbito do Proc. 832/08.1 PAMGRA), não foram lidas, e, não existia qualquer outra prova.

1.2.4. Os factos constantes dos Relatórios Periciais, nomeadamente Relatório Social e Relatório de Exame Médico – Legal Psiquiátrico –, não foram considerados pelo Tribunal recorrido, não tendo o mesmo procedido à atenuação da imputabilidade, como se impunha, havendo igualmente por isso omissão de pronúncia consubstanciadora de idêntica nulidade [art.º 379.º, n.º 1, alínea a), por referência ao art.º 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, o que implica também a nulidade nos termos dos art.ºs 374.º e 379.º, n.º 1, alínea c)].

1.2.5. Pois, como é consabido, o juízo técnico – científico ou artístico inerente à prova pericial, presume-se subtraído à livre apreciação da prova [art.ºs 163.º e 127.º, ambos do Código de Processo Penal], no caso concreto, o Tribunal a quo não deu como provados os factos constantes dos Relatórios Periciais, não tendo aplicado uma atenuação da imputabilidade, como se impunha, não considerou os distúrbios psiquiátricos de que o recorrente padece, que lhe obscureceram a vontade e a livre determinação.

1.2.6. Por falta de fundamentação, ausência dos factos alegados pela defesa, ausência dos factos constantes dos Relatórios Periciais, erros e omissões, contradições entre os factos provados e não provados, deve o acórdão ser declarado nulo [art.ºs 120.º e 122.º, ambos do Código de Processo Penal], já que viola o disposto nos art.ºs 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º, da Constituição da República, e art.º 97.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

1.2.7. Salvo o devido respeito, uma fundamentação como a exarada na decisão recorrida não cumpre a mencionada norma do art.º 374.º, n.º 2, a qual exige, não só a indicação dos meios de prova utilizados concretamente, mas também a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.

1.2.8. No decurso da audiência (sessão de 12 de Maio de 2011), foram comunicadas alterações à acusação, sufragando o tribunal a quo que a incriminação do crime de homicídio qualificado devia ainda incluir a expressa referência ao disposto no art.º 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n. 5/2006, referência que deve ser reportada ao crime de homicídio e não ao de detenção ilegal de arma.

1.2.9. Entende o recorrente ao invés desse tribunal, que tal alteração é substancial dos factos, logo a coberto da previsão do art.º 359.º, do Código de Processo Penal, tendo-se oposto a defesa à continuação do julgamento pelos novos factos porquanto ela agrava a moldura penal abstracta do crime de homicídio já qualificado.

1.2.10. A comunicação, após a produção de toda a prova e as alegações finais, é violadora das garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

A interpretação do art.º 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acolhida no tribunal recorrido é, portanto, inconstitucional, por violação do art.º 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República, inconstitucionalidade[2] que ora se argúi.

1.2.11. A admissibilidade da convolação deve estar confinada às situações em que seja favorável ao arguido, o que não acontece no caso dos autos, pois vem agravar a moldura legal abstracta do crime de homicídio já agravado.

1.2.12. Sem prescindir, também se entende, ao contrário da decisão recorrida, que a intenção do legislador nas referências ao disposto no art.º 86.º, n.ºs 3 e nº 4, da Lei n.º 5/2006, são referências reportadas ao crime de detenção ilegal de arma (como consta da acusação), e não ao crime de homicídio qualificado. Veja-se, a título de “desabafo” que se vai agravar, o já agravado homicídio, em função do objecto utilizado, quando, quanto a nós, mostra maior perversidade e censurabilidade, aqueles homicídios cometidos com “arma branca” e “muitos golpes”.

1.2.13. Como é consabido, o art.º 127.º do Código de Processo Penal estabelece o princípio da livre apreciação da prova, que tem como limite normativo o princípio in dúbio pro reo. O aludido art.º 163.º afirma que o juízo técnico e científico ou artístico se presume subtraído à livre apreciação do julgador. Em violação de tais preceitos legais, o tribunal recorrido, não considerou, nem valorou o Relatório Social e o Relatório de Perícia Médico – Legal Psiquiátrica, que apontam para distúrbios psiquiátricos do arguido, que diminuem a sua imputabilidade, pelo que também por esta via a decisão padece de nulidade.

1.2.14. Assim parece, pois, salvo melhor entendimento, que não poderemos deixar de afirmar, que o tribunal a quo aceitou, sem qualquer outra prova, a versão dos factos apresentada pelos Inspectores da Polícia Judiciária e assistente, estes sem conhecimento directo dos mesmos, tendo sido com base naquela que formou a sua convicção relativamente ao facto de o recorrente ter praticado esses crimes.

1.2.15. Não existe nos autos qualquer prova da voluntariedade dos disparos, com intenção e o propósito de matar, o que só não foi reconhecido por erro notório na apreciação da prova – art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal –.

1.2.16. No Relatório Pericial Médico – Legal Psiquiátrico...

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