Acórdão nº 2510/09.5TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução28 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pela Vara Mista de Coimbra, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferido acórdão em que se decidiu nos seguintes termos: (…) Nos termos expostos, os Juízes que compõem este Tribunal colectivo deliberam o seguinte: Decidem julgar totalmente procedente por totalmente provada a acusação e, nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidem: a) Condenar o Arguido A... pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a) do Código Penal na pena de três anos e seis meses de prisão; b) Condenar o Arguido A... pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. a) e c) e 3 por referência ao art. 255.º, al. a) e art. 30º, nº 2, do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; c) Efectuar o Cúmulo Jurídico das penas referidas em a) e b), condenando o Arguido A... na pena única de quatro anos e três meses de prisão; d) Suspender a execução da pena referida em c) pelo período de quatro anos e três meses, sujeita ao regime de prova, a estabelecer através de plano de reinserção social adequado, conforme o art. 54º do CP e 494º do CPP; e) Condenar o Arguido nas custas do processo que se fixam em três UC, conforme art. 513.º do CPP e art. 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais com referência à tabela III anexa ao mesmo.

(…) Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: B1. O recorrente pretende que seja realizada audiência, sobre os pontos A 1. e A3. da Motivação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 411°, n.° 5 do CPP.

B2. Foi o recorrente condenado, em cúmulo jurídico, na pena de prisão de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, sujeita ao regime de prova, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de falsificação na forma continuada, p. p. pelos artigos 30°, n. ° 2, 256°, n, ° 1, alíneas a) e c) e n. ° 3, por referência ao disposto no artigo 255°, alínea a) todos do Código Penal (doravante CP) e de um crime de burla qualificada, p. p. pelos artigos 217°, n.º 1 e 218°, nº 2, alínea a) ambos do CP.

B3. Entende o recorrente que mal andou o Tribunal recorrido ao condená-lo pela prática, em concurso real, de um crime de falsificação de documentos, ainda que sob a forma continuada, e de um crime de burla qualificada, incorrendo em manifesto erro de direito, com os inexoráveis reflexos em sede de determinação da pena. Com efeito, B4. Sobre esta problemática, o Tribunal recorrido inicia o seu raciocínio, salvo o devido respeito, com base num pressuposto errado, pois que não considera a alteração legislativa operada pela Lei n. ° 59/2007, de 04 de Setembro ao artigo 256° do CP, relativo ao crime de falsificação de documentos. Assim, B5. Do normativo vigente, nomeadamente, da parte final do seu n.º 1, extrai-se a clara conclusão que o legislador pretendeu, de forma inequívoca, consagrar a existência de concurso aparente ou consumpção do crime de falsificação de documentos pelo crime de burla, quando aquele seja instrumental deste. Ora, B6. Nos termos do disposto no artigo 2°, n. e 1 do CP, as penas são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto; por outro lado, o artigo 2°, n. o 4 do CP consagra o principio da retroactividade in mitius da lei penal, com assento constitucional no artigo 29°, n. o 4 da CRP, ordenando que seja sempre aplicada aquela que for mais favorável ao arguido.

B7. Do supra exposto, resulta manifesto que a redacção conferida ao artigo 256° pela Lei n. o 59/2007 é mais favorável, pelo que mal andou o Tribunal recorrido ao não aplicar tal preceito e ao não considerar a prática, em concurso aparente, dos crimes de falsificação de documentos e de burla, resultando, assim, violados os artigos 2°, n.º 1 e 2 e 256°, n.º 1 do CP e o artigo 290, n.º 4 da CRP. Ademais e caso soçobre o argumento ora invocado, B8. Atenta a factualidade dada como provada nos pontos 6, 7, 11, 12, 13, 14 e 18 da Fundamentação, emerge perspícuo que, através de uma única resolução criminosa, o recorrente forjou os documentos em apreço nos autos a fim de proceder ao registo da propriedade do imóvel a seu favor e, desta feita, na qualidade de dono e legitimo proprietário, poder vender o imóvel, obtendo, assim, prejuízo patrimonial ao qual bem sabia não ter direito, prejudicando, nessa medida, os reais donos do prédio em causa. Destarte, B9. Não pode o recorrente concordar com a Fundamentação de direito constante do Acórdão recorrido e onde se diz: "No caso dos autos, entendemos que existiram duas resoluções criminosas pois que a resolução de falsificar o documento é diferente da de burlar, já que o arguido, atenta a relação de confiança que tinha com todos e a actividade profissional do arguido, poderia não se ter servido de documentos falsificados para efectivar a burla, mas antes de procurações com poderes abrangentes, sendo pois de condenar o arguido pelos dois crimes de que vinho acusado", B10. É que, não se entende, salvo o devido respeito, a menção a procurações com poderes abrangentes, porquanto não foi com recurso a tais meios que o recorrente praticou os ilícitos, nem estes estão aqui em causa.

B11. A construção intelectual produzida pelo Tribunal a quo para defender a falta de unicidade da resolução criminosa não tem, salvo o devido respeito, âncora em qualquer facto constante dos autos mas apenas em meras conjecturas.

B12. Quod non est in actis, non est in mundo.

B13. Por conseguinte, tendo em consideração os factos dados como provados e supra referidos, deve concluir-se que entre os crimes de burla e de falsificação de documentos praticados pelo recorrente, verifica-se um concurso aparente de normas, pelo facto da falsificação constituir o meio, instrumento necessário para a prática do crime de burla.

B14. O crime de falsificação cometido pelo recorrente consiste num acto preparatório e executório do crime de burla: o recorrente praticou tal crime para que, desta forma, os terceiros em causa - Conservadores, Notários e adquirentes - acreditassem na veracidade dos documentos forjados. Tal actividade consubstancia o conceito de astúcia em provocar engano sobre factos, elemento essencial e ti pico do crime de burla.

B15. Nesta confluência, punir o recorrente, também, pelo crime de falsificação de documentos será puni-lo duplamente pela mesma actuação, violando-se assim o princípio ne bis in idem, com assento constitucional no artigo 29°, n. ° 5 da Constituição da República Portuguesa.

B16. Ao decidir como decidiu, isto é, ao condenar o recorrente em concurso real e efectivo pela prática do crime de falsificação e do crime de burla qualificada, violou o tribunal recorrido o disposto nos artigos 30°, 77°, 217º, 218° e 256° do CP.

B17. A interpretação conferida pelo Tribunal a quo às normas contidas nos artigos 30°, 77°, 217°, 218° e 256° do CP, no sentido de entre o crime de burla e de falsificação de documentos existir pluralidade de resolução criminosa, incorrendo o agente e aqui recorrente, na prática de ambos os ilícitos em concurso real, é manifestamente inconstitucional por violadora do disposto no artigo 29°, n. ° 5 da CRP.

B18. Em consequência, deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o recorrente pela prática de um crime de burla qualificada, em concurso aparente com a prática de um crime de falsificação de documentos.

B19. Na procedência do esforço recursivo supra ensaiado, deverão ser extraídas as corolárias consequências em sede de determinação da pena.

B20. Nesta confluência, conclui-se que o recorrente deve ser punido pelo concurso aparente dos crimes de burla qualificada e de falsificação, dentro da moldura penal correspondente, no caso dos autos, ao crime com a moldura penal mais grave, tomando o outro crime como factor agravante da medida da pena. Contudo, B21. Pugna-se aqui pela manutenção da opção tomada no Acórdão recorrido na escolha de pena de prisão em medida inferior a cinco anos, suspensa na sua execução por idêntico período, atentas as doutas considerações nesta sede aí expendidas, relativamente ao cabal preenchimento das finalidades de prevenção geral e especial.

Termos em que, na procedência do presente recurso, deverá ser revogada a decisão recorrida, condenando-se o arguido recorrente pela prática, em concurso aparente, de um crime de falsificação, p. p. pelos artigos 256°, nº 1, alíneas a) e c) e nº 3, por referência ao disposto no artigo 255°, alínea a) todos do Código Penal (doravante CP) e de um crime de burla qualificada, p. p. pelos artigos 217°, n.º 1 e 218°, n.º 2, alínea a) ambos do CP, com as corolárias consequências em sede de medida da pena, assim se fazendo a Costumada Justiça!!!!! O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância, a Exmº Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se audiência, por assim ter sido validamente requerido pelo recorrente.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões: - A relação que intercede entre os crimes de falsificação e de...

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