Acórdão nº 1574/10.3PHMTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução12 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo Nº 1574/10.3 phmts-A.P1 Relator: Melo Lima Acordam em Conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1.

Nos autos acima identificados, o Exmo. Juiz titular do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto proferiu a seguinte decisão: «A B… escusou-se a prestar as informações que lhe foram solicitadas, invocando o sigilo bancário.

A Lei n.° 36/2010, de 2 de Setembro, que entrou em vigor no passado dia 3 de Março, alterou o artigo 79.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que, sob a epígrafe “Excepções ao dever de segredo”, tem agora a seguinte redacção: “1. Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.

  1. Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores no âmbito das respectivas atribuições; d) Às autoridades judiciárias no âmbito de um processo penal; e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições; f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.” Assim, em face do novo regime legal das excepções ao sigilo bancário, concretamente do citado artigo 79.°, n.° 2, ai. d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, consideramos ilegítima a escusa apresentada.

    Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 135.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, ordenamos que a B… preste, em dez dias, as informações que lhe foram solicitadas, porque de grande interesse para a investigação em curso relativa a crime de furto. Notifique e devolva.» 2. Inconformada, recorre a B…, retirando da respetiva motivação as seguintes conclusões: 2.1 Andou mal o Tribunal a quo ao determinar á B…, S.A. que prestasse a informação solicitada pelo Ministério Público de fls..

    2.2 Tal informação encontra-se sujeita a segredo, nos termos do disposto no artigo 78,° do RGICSF; 2.3 O Tribunal a quo não interpretou correctamente a alínea d) do n.° 2 do artigo 79.° do RGICSF que dispõe que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados ás autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; 2.4 E aplicou indevidamente ao caso o disposto rio artigo 135.°, n,° 2 do CPP, pretendendo não ter a B…, S.A. legitimidade para se escusar à prestação da informação em causa, o que equivale a dizer que entendeu não existir in casu dever de guardar segredo profissional; 2.5 Nos termos do disposto no artigo 9.° do Código Civil, a norma contida na alínea d) do n.° 2 do artigo 79,° do RGICSF não pode ser Interpretada fora do contexto sistémico em que se integra; 2.6 E devem antes de mais aplicar-se, no âmbito de um processo penal, as normas da CRP, designadamente a disposição contida no seu artigo 26.°, que dispõe que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar; 2.7 Atendendo à forma como é actualmente utilizado o sistema bancário, o acesso à informação bancária dos cidadãos permite determinar os exactos contornos da respectiva vida privada; 2.8 Nos termos do disposto no artigo 18º n.° 2, da CRP, a lei apenas pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 2.9 A ponderação exigida pela CRP para que ocorram as restrições referidas em 8 antecedente apenas poderá resultar da intervenção de um tribunal superior, nos termos do disposto no artigo 135.°, n° 3, do CPP; 2.10 A interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida na alínea d) do n.° 2 do artigo 79.° do RQICSF não respeita o disposto nos artigos 18.° e 26° da CRP, facto que aqui se argui para todos os efeitos; 2.11 A alteração legislativa que esteve na origem da actual redacção da alínea d) do n.° 2 do artigo 79.° do RGICSF visou apenas clarificar o regime anteriormente vigente, procedendo designadamente à harmonização da expressão com a que consta da alínea f) da mesma disposição legal; 2.12 O nº 2, do artigo 79.° do CPP pretende apenas determinar as entidades às quais a informação sujeita a sigilo pode ser revelada, contendo regras de apuramento de legitimidade passiva para recepção da informação em causa, tal não significando contudo que não devam ser respeitadas as normas casuisticamente aplicáveis para que a informação possa ser prestada às entidades aí referidas; 2.13 Ao contrário do que pretende o Tribunal a quo, não veio o legislador introduzir na alínea d) do n.º 2 do artigo em causa qualquer excepção ao padrão constante das restantes alíneas do mencionado preceito, que devem ser complementadas com as regras procedimentais aplicáveis que possibilitem a prestação da informação coberta pelo dever de segredo; 2.14 Assim, quando se refere que a Informação bancária pode ser revelada nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 79.° do RGÍCSF, às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, deverá entender-se que tal informação deve ser prestada nos termos das disposições aplicáveis do processo penal, que se mantiveram inalteradas; 2.15 A introdução do actual n° 3 do artigo 79.° do RGICSF em nada interfere com as conclusões supra expendidas, antes evidenciando incongruência na interpretação que o Tribunal a quo faz da alinea. 4) do n.° 2 do artigo 79.° do RQICSF; 2.16 Atendendo ao que antecede é legitima a escusa por parte da B…, S,A. na prestação da informação solicitada, ao abrigo do disposto nos artigos 78° do RGICSF e 135.° e 182 ambos do CPP; 2.17 A quebra de sigilo pela B…, SA. fá-Ia-ia aliás incorrer na violação do dever de segredo, nos termos e com as consequências previstos nos artigos 84.° do RGICSF e no artigo l95° do Código Penal; 2.18 É assim ilícita a aplicação feita in casu pelo tribunal a quo do disposto no artigo 135.°, nº2, do CPP. violando o disposto nos artigos referidos em 16 antecedente; 2.19 Acresce que, ao usar da competência atribuída ao Tribunal da Relação pelo nº 3 do artigo 135.° e pelo artigo 12º, ambos do CPP, verifica-se a nulidade insanável a que se refere a alínea e) do artigo 119º do CPP, que aqui expressamente se argui, com as consequências estatuídas no n.º 1 do artigo 122.° do CPP; 2.20 O despacho referido deverá assim ser revogado e substituído por outro que permita à B…, S.A. que guarde segredo acerca da informação em causa, a menos que ‘venha a ser determinada a quebra de tal segredo, nos termos legais 2.21 Assiste à B…, S.A legitimidade para interposição do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 401., nº 1, alinea d), do CPP.

    2.22 Termos em que deve o despacho ora recorrido ser revogado e substituído por outro que considere legítima a escusa pela B…, S.A na prestação da informação bancária solicitada e, sendo caso disso, desencadeie a aplicação do disposto no artigo 135., nº 3, do CPP.

  2. Respondeu, no tribunal recorrido, o Exmo. Procurador da República, rematando com as seguintes Conclusões: 3.1 O M.° Juiz de Instrução proferiu despacho em inquérito, no qual se investiga a prática de um crime de furto de telemóvel, eventualmente praticado pelo utilizador do cartão de crédito utilizado para carregamento do aludido telemóvel em datas posteriores à prática do furto, ordenando à B…, SA, que preste, em dez dias, as informações que lhe foram solicitadas — relativas à identificação do titular da referida conta/cartão de crédito - porque de grande interesse para a investigação em curso relativa a crime de furto, ao abrigo do disposto no art.° 135.°, n.° 2, do CPP e no art.° 79.°, n.° 2, ai. d), do DL 298/92, de 31/12, na redacção da Lei 36/2010, de 02/09.

    3.2 Não se conformando com tal decisão, interpõe recurso a B…, referindo, em síntese, que: - a informação solicitada encontra-se sujeita a segredo nos termos do disposto no art.° 78.° do RGICSF; - o Tribunal interpretou incorrectamente a ai. d) do n.° 2, do art.° 79.° do DL 298/92, de 3 1/12, e aplicou indevidamente o art.° 135.°, n.° 2, do CPP, violando, o despacho ora recorrido, com a interpretação que fez das citadas normas, o disposto nos art.°s 1 8.° e 26.° da Constituição; - ser legítima a escusa da B…, na prestação da informação solicitada, ao abrigo do disposto nos art.°s 78.° do RGICSF e 135.°...

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