Acórdão nº 2435/09.4TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução20 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- F..., Construção Civil, Ldª, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra O... - Representações, Ldª, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 76 954,78.

Tendo sido junta aos autos certidão da qual constava ter a R. sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado 21-09-2009, proferida no processo n.º 659/09.3TYLSB, do 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa[1], o Mº Juiz considerou que a acção não podia prosseguir os seus termos, por entender que o meio processual próprio para o reconhecimento e verificação de créditos era o previsto no art.º 128º do CIRE e que, mesmo a proceder a acção, a A. nenhum efeito daí poderia retirar contra a massa falida, uma vez que a mesma seria inoperante contra os demais credores, atendo o disposto no art. 173º do CIRE.

Concluiu, por isso, que existia inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, julgou extinta a instância.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 25-11-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, pedindo a revista excepcional, recurso que foi admitido na Relação como revista e com efeito devolutivo.

Remetido o processo à formação de Juízes deste STJ a que alude o art. 721º A. nº 3 do C.P.Civil, foi aí decidido admitir a revista excepcional, por oposição de julgados.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Cumprindo o ónus do art. 721°-A, nº 2, alínea c), do CPC, indica-se como acórdão-fundamento o do Tribunal da Relação do Porto, de 1 de Junho de 2010, proferido no processo nº 651 6/07.0TBVNG.P 1.

2ª- São razões de identidade: 2.1 Em ambos os acórdãos, recorrido e fundamento, corria uma acção declarativa de condenação tendente a estabelecer, pela via judicial, a existência, validade e procedência de um direito de crédito sobre o réu (sociedade comercial), na pendência da qual foi proferida sentença de insolvência do réu, com trânsito em julgado.

2.2 Em ambos os acórdãos o que está em causa é a aplicação do art. 287°, alínea e), do CPC, tendo por horizonte os efeitos processuais da declaração de insolvência nos termos configurados pelo CIRE: artigos 85°, 88°, 128°, 129°, 173° e 234°.

2.3 Em ambos os casos o que está em causa é saber se a declaração da insolvência implica para a acção declarativa pendente a sua extinção por inutilidade superveniente da lide, designadamente porque o autor não pode dar à execução a sentença condenatória, como julgou o acórdão recorrido, ou se a acção deve prosseguir, como se considerou no acórdão-fundamento.

2.4 Estamos no domínio da mesma legislação: 287° CPC e artigos 85°, 90°, 128°, 129° e 234° do CIRE, interpretados e aplicados em sentido diferente, como se verá melhor infra.

3ª- São razões da contradição: 3.1 No acórdão recorrido, que confirmou a sentença que declarou a extinção da instância por impossibilidade/inutilidade e considerou-se que dos artigos 128°, 3 e 173° do CIRE, e do art. 287°, alínea e), do CPC, decorria necessariamente a extinção da instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide.

3.2 No acórdão-fundamento, julgou-se que a declaração de insolvência não determina nem a impossibilidade de a acção prosseguir, porquanto tal declaração não conduz à imediata extinção da sociedade, a qual só se dá com o registo de encerramento do processo após rateio final (234°, nº 3, CIRE), nem a inutilidade porquanto a obrigatoriedade de reclamar o crédito no processo de insolvência não assegura que o mesmo venha finalmente a ser reconhecido (129° CIRE) nem dispensa o credor de o provar (128° CIRE).

4ª- Como bem se refere no douto acórdão recorrido, a questão a apreciar é se "a declaração da insolvência implica para a acção declarativa pendente a sua extinção por inutilidade superveniente da lide ( ... ) ou se a acção deve prosseguir" .

5ª- É porém a jurisprudência do acórdão-fundamento aquela que deve prevalecer, por ser a que, face aos interesses em presença e à justa concatenação das normas do CIRE com as do processo civil, melhor interpreta, na perspectiva da Recorrente, o direito aplicável.

6ª- O intérprete deve estrita obediência à lei positivada. Deste ponto de vista, há desde logo um argumento decisivo: o não constar do CIRE - cfr. art. 85º - e não é por acaso!, nenhuma norma legal expressa no sentido da impossibilidade/inutilidade das acções declarativas pendentes.

7ª- Poderia argumentar-se que a tese contrária, apesar da omissão legal, decorre da interpretação sistemática do regime jurídico da insolvência e do regime processual da impossibilidade/inutilidade da lide. Mas a jurisprudência, menos representativa, que segue esta via não é convincente no sentido de que a inutilidade superveniente decorra necessariamente daquele regime falimentar, condição única para - contra um princípio pro actione - se declarar extinta a instância declarativa.

8ª- Ao contrário, a omissão de norma expressa no sentido de uma necessária e automática impossibilidade/inutilidade justifica-se porque o legislador, de sobreaviso, não quis afirmar esse princípio geral, o que fez em vista das múltiplas situações em que tal impossibilidade/inutilidade não pode ser afirmada, exigindo-se uma análise casuística (aliás na linha do que defende Artur Dionísio, no seu artigo publicado na revista Julgar, nº 9, citado no acórdão recorrido).

Já que o douto acórdão recorrido se louvou no artigo publicado por Artur Dionísio, vale a pena atentar um pouco mais no que diz este Autor: 9ª- A posição do acórdão recorrido, como a da jurisprudência que segue a mesma rota, assenta na inutilidade que decorre da fragilidade da sentença declaratória enquanto título executivo. Ou seja, a sentença declarativa não aproveita ao autor porque este não a pode dar à execução.

10ª- Ora grande parte do trabalho de Artur Dionísio destina-se a demonstrar em que circunstâncias é que a acção executiva pode e deve prosseguir, daí que, nesta perspectiva, conserve utilidade a acção declarativa conexa: 10.1 Atente-se, por exemplo, no que ele diz a fls. 177 da revista Julgar (nº 9): "Não obstante a lei continuar a afirmar que a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, não fica definitivamente comprometida a possibilidade das execuções pendentes poderem prosseguir no futuro. Tal prosseguimento será, por vezes, viável, designadamente (1) quando o processo venha a ser encerrado antes do rateio final a pedido do devedor ou por insuficiência da massa insolvente e (2) quando for homologado um plano de insolvência que não obste ao prosseguimento das execuções ".

Prossegue o mesmo Autor, a págs. 179: "Se o processo for encerrado antes do rateio final, a pedido do próprio devedor, nos termos previstos nos artigos 230º nº 1, al. c), e 231°, ou por insuficiência da massa insolvente, nos termos previstos nos arts. 230º nº 1, al. d), e 232º a execução deverá prosseguir, independentemente de se tratar de sociedade comercial ou pessoa singular, como decorre do disposto no art. 233º nº 1, alíneas a) e c)" 10.2 Referindo-se já, explicitamente, às acções declarativas, Artur Dionísio sustenta, no mesmo estudo (pág. 185), que o prosseguimento destas acções (declarativas) só se revela inútil quando há lugar a liquidação do património do insolvente (sendo este suficiente: cfr. art. 232° nº 4). Isto porque a liquidação desemboca na extinção da sociedade. Como alerta o Autor, a extinção segue sempre, fora da instância falimentar, por via administrativa, nos termos do art. 234°, nº 4, de acordo com o preceituado no Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29.03. Só que neste procedimento administrativo não há norma legal semelhante à do art. 88° do CIRE e as acções executivas prosseguem o curso normal.

10.3 O Autor lembra ainda, embora sem aprofundar, o interesse que pode haver no prosseguimento das acções declarativas por razões de ordem fiscal (parece-nos que se quererá referir a aceitação como custo fiscal de perdas por imparidade em créditos).

11ª- Esta argumentação é imediatamente transponível para a acção declarativa e para a respectiva utilidade (possibilidade de instauração/prosseguimento [ainda que futuro] da acção executiva = utilidade da acção declarativa).

12ª- Conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência - cfr. Acs. da RP, proc. 0714018, de 29-10-2007, proc. n° 0836085, de 17-12-2008, proc. 413/08.0TBSTS-F.P1, de 22.09.2009, in www.dgsi.pt- não havendo notícia, no processo, de que já foi proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, a acção declarativa conserva a sua...

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