Acórdão nº 421/14.1TAFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: Na Comarca de Coimbra - Secção Criminal da Instância Local da Figueira da Foz -, o Ministério Público submeteu a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, os arguidos: - A...

, Lda., pessoa colectiva n.º (...) , NISS (...) , com sede na Rua (...) , Figueira da Foz; - B...

, divorciada, empresária, filha de (...) e de (...) , nascida a 02/02/1969, natural da freguesia de (...) , concelho de Ourém, residente na Rua (...) Marinha das Ondas; e - C...

, solteira, desempregada, filha de (...) e de (...) , nascida a 26/07/1983, natural da freguesia de (...) , concelho da Figueira da Foz, residente na Rua (...) Marinha das Ondas, sob imputação da prática, em autoria material, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 6.º, 7.º, n.ºs 1 e 3, 107.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao artigo 105.º, n.ºs 1 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (doravante R.G.I.T.) e artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, do Código Penal.

* 2.

O Instituto da Segurança Social - IP/Centro Distrital de Coimbra, deduziu, em 13-02-2015, pedido civil contra os arguidos, impetrando a condenação, solidária, destes no pagamento ao demandante da quantia de € 33.801,37, acrescida de juros de mora que, naquela data, atingiam o montante de € 5.206,71, e dos vincendos até integral pagamento.

*3.

Efectuado o julgamento, por sentença de 18-10-2011, o tribunal proferiu decisão do seguinte teor: 1. Em sede de questão prévia, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, julgou extinta a instância cível, por inutilidade superveniente da lide; 2. No dispositivo: A) Condenou a arguida A... , LDA., pela prática, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelo artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, com referência aos artigos 105.º, n.ºs 1 e 4 e 7.º, n.º 1, do R.G.I.T., em conjugação com os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 270 (duzentos e setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros); B) Condenou cada uma das arguidas B... e C... , pela prática, em autoria material, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelo artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, com referência aos artigos 105.º, n.ºs 1 e 4 e 6.º, do R.G.I.T., em conjugação com o artigo 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos).

*4.

Inconformado, o demandante recorreu da sentença, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - A discordância do ora recorrente prende-se, em concreto, e somente, com a extinção do pedido de indemnização civil por inutilidade superveniente da lide ancorado no pressuposto de que o “pedido de indemnização civil não é mais do que uma acção civil enxertada no processo penal, através do qual se pretende o reconhecimento de um direito de crédito…”.

  1. - Com a acção penal, o demandante não pretende o reconhecimento de um “direito de crédito indemnizatório”, mas antes que lhe seja fixada uma indemnização pela prática de um facto ilícito criminal (sendo que esta não pode nunca ser inferior ao valor da prestação em falta, podendo até ser superior), pelo que não faz sentido que o demandante reclame o seu crédito no processo de insolvência ao abrigo do art. 128.º do CIRE, pois o que o demandante pretende não é reclamar um crédito, mas ser indemnizado pela prática de um crime.

  2. - O pedido cível enxertado no processo penal tem, necessariamente, como causa de pedir a prática de um crime - no caso, concretamente, o de abuso de confiança em relação à Segurança Social, ou seja, o facto ilícito criminal tão só de responsabilidade extra-contratual, nos termos dos arts. 483.º do C. Civil e 129.º do C. Penal.

  3. - Sendo os gerentes demandados subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das prestações tributárias indevidamente retidas, nos termos dos artigos 23.º e 24.º da LGT.

  4. - No caso dos autos, não está em causa o pagamento das dívidas tributárias, mas a prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social.

  5. - Está, assim, em causa no processo de insolvência o incumprimento das obrigações tributárias, e no caso destes autos a prática de um facto que a lei considera como ilícito criminal imputável à Sociedade e a ambos os gerentes, radicando-se a responsabilidade em cada um desses processos em normas distintas - de natureza tributária no processo de insolvência e de natureza penal no crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social -, em que a conduta omissiva é a mesma, sendo as suas responsabilidades diferentes - solidária no âmbito do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, nos termos do art. 497.º do C. Civil, e subsidiária no âmbito contratual.

  6. - A reclamação de créditos, no processo de insolvência, emerge da violação de uma relação contratual de pagamento das contribuições à Segurança Social, enquanto o pedido de indemnização civil emerge do prejuízo patrimonial pela prática do facto ilícito extra-contratual, assumindo a Segurança Social no processo de insolvência a posição de credora e no pedido de indemnização civil a qualidade de lesada.

  7. - Neste, verificados os pressupostos do art. 483.º do C.C. - facto, dano, nexo de causalidade, ilicitude e culpa -, todos os seus agentes são solidariamente responsáveis nos termos do art. 497.º, n.º 1, do C. Civil, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos do n.º 2, não podendo o credor exigir a totalidade da prestação de todos ou parcial ou totalmente a qualquer um dos devedores.

  8. - O facto de o Instituto de Segurança Social, IP, ter apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade aqui arguida, não é impeditivo da procedência do pedido de indemnização civil contra ela deduzido no processo criminal nem da condenação dos restantes demandados civis - sócios gerentes.

  9. - A lei não prevê a dedução do pedido de indemnização civil em separado, no caso de insolvência.

  10. - Sendo incompreensível o decidido pela Juiz a quo de que a demandante “terá de lançar mão da reclamação de créditos (como de resto já o fez em relação à sociedade demandada) ou eventualmente socorrer-se da acção prevista no art. 146.º do CIRE (verificação ulterior)”.

  11. - A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em matéria de insolvência, além de convocar o princípio da adesão, afirma o princípio da suficiência penal, nos termos do art. 7.º do CPP.

  12. - A dedução do pedido de indemnização civil em processo penal não depende do “aval” de outros ordenamentos jurídicos; estes não determinam, quer a legitimidade, quer a viabilidade daquele.

  13. - A reclamação de créditos, no processo de insolvência, foi deduzida apenas contra o sujeito da insolvência - a sociedade aqui arguida e demandada civil -, enquanto no peticionado cível são requeridos, além da sociedade, os arguidos pelo que não há identidade de sujeitos.

  14. - Não há identidade de pedido, pois no processo de insolvência as contribuições (tributos) em dívida correspondem à soma das parcelas da responsabilidade da entidade empregadora e da responsabilidade do trabalhador (contribuições e cotizações), já os valores em dívida que consubstanciam o crime são unicamente os referentes aos trabalhadores (cotizações).

  15. - Não há identidade de causa de pedir, pois enquanto o que titula a reclamação de créditos num processo de insolvência é a relação obrigacional existente entre a entidade empregadora e a dívida nela titulada, no pedido de indemnização civil formulado, a causa de pedir é o facto ilícito consubstanciador de um crime e o prejuízo por ele produzido.

  16. - A sua responsabilidade criminal e a responsabilidade civil extra-contratual dela decorrente não se confundem com a responsabilidade tributária.

  17. - No processo penal, o devedor é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual - artigo 6.º do RGIT- sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos factos causados pela prática de facto ilícito e culposo - artigo 483.º do Código Civil.

  18. - O art. 6.º do RGIT (Actuação em nome de outrem) prevê a punição daquele que agir como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva ou sociedade, e o art. 7.º, n.º 3, do mesmo diploma, esclarece que a responsabilidade criminal das pessoas colectivas e sociedades “não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes”.

  19. - A extinção do pedido de indemnização civil, por inutilidade superveniente da lide, esquece o instituto da “exoneração do passivo restante” que pode ser concedido às pessoas singulares insolventes, que após o encerramento do seu processo de insolvência, por rateio final, ou por insuficiência da massa, possam vir a adquirir um novo património, susceptível de ressarcir a demandante do prejuízo causado pela prática do crime.

  20. - No ratio do art. 85.º do CIRE não cabe o pedido de indemnização civil deduzido em processo crime, pois que se trata de uma unidade incindível, atento o princípio da adesão, e o processo crime não tem subjacente a apreciação de questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente.

  21. - Foram assim violados os artigos 71.º, 77.º, do CPP, 6.º, 7.º, n.º 2, 105.º e 107.º do RGIT, 23.º e 24.º da LGT, 483.º e 487.º do CC.

Pelo que, com o douto suprimento, na procedência do recurso, deve ser revogada a douta sentença, na parte em que extinguiu o pedido de indemnização civil por inutilidade superveniente da lide, devendo ser substituída, nessa parte, por douta decisão que conheça do pedido de indemnização...

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