Acórdão nº 287/05.2JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução07 de Novembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrente: A....

Recorrido: Ministério Público.

Acorda, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: I. – Relatório.

Em discrepância com o julgado no acórdão prolatado no tribunal de Circulo da Figueira da Foz que, na procedência parcial da acusação, decidiu condenar o arguido A..., com os sinais constantes de fls. 676, o arguido como autor de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, na forma continuada, p. e p. no art. 165º/1/2 CP, na pena de cinco anos de prisão, recorre o apenado, tendo rematado a motivação com o acervo conclusivo que a seguir se deixa transcrito.

  1. O Principio da livre apreciação da prova não é arbitrário e, como se referiu acima, tem que ter por base deduções concretas emanadas de factos concretos, caldeados pelas regras da experiência.

  2. O tribunal “a quo” foi longe demais na apreciação da prova visto que a mesma não foi nenhuma.

  3. O ora recorrente reclama que o grau de ilicitude e de culpa estão fortemente atenuados, a tal ponto, que pede a sua absolvição.

  4. Se isso assim não se entender deveria ter sido aplicada uma pena suspensa na sua execução”.

    Reagindo á impugnação apresentada pelo arguido, o Ministério Público junto do tribunal a quo, pede a confirmação do julgado para o que desenvolve a argumentação que enxugou no quadro conclusivo sequente: “I) O Recurso do arguido não respeita os requisitos formais do artigo 412-nº1 Código de Processo Penal, já que menciona alguns dos artigos reportados como violados que não são referendados concretamente no texto da motivação e as conclusões não se encontram explanadas como um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do Recurso (tendo como finalidade a mais fácil e rápida apreensão do Tribunal a que se recorre) mas a mera invocação de princípios e através deles da absolvição do arguido ou a mera afirmação de medida de pena a aplicar diversa.

    II) As contradições insanáveis alegadas têm de constar do texto da decisão recorrida como posições antagónicas e inconciliáveis e o erro de apreciação da prova tem de ser de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média e são demonstrados a partir do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, o que não resulta evidenciado.

    III) Partindo da tipificação do crime, é óbvio que dando-se como provada a oligofrenia profunda com atraso mental de que a B... padece, é irrelevante o consentimento da mesma para a prática de cópula ou quaisquer outros actos sexuais, não tendo o Tribunal recorrido que plasmar se o arguido também actuava ou não contra a vontade dela, sendo certo que no artigo 12 foi fixado que o arguido estava plenamente consciente do atraso mental daquela e dele se aproveitou e no artigo 13 se acrescentou que aquele estava plenamente consciente que ao actuar dessa forma ofendia gravemente a saúde moral e sexual da B....

    IV) Não foi fixado que o arguido ofendia a saúde moral ou sexual da mãe da B..., como parece insinuar-se, mas sim dela própria e o facto de se referir no artigo 14 da matéria dada como provada a falta de consentimento e contra a vontade da mãe daquela significa apenas que sendo a B... representada de facto pela mãe por força da sua deficiência intelectual, também esta nunca autorizou qualquer relacionamento intimo do arguido com a filha.

    V) É verdade que na matéria de facto não provada se refere, entre outros aspectos, não ter ficado demonstrado que o arguido tenha praticado os actos de cariz sexual descritos sem o consentimento e contra a vontade da B..., o que representou e conseguiu, mas é preciso ter em conta, que o arguido estava acusado de um crime de violação (em concurso aparente com o de abuso sexual de pessoa incapaz) e por isso se impunha analisar também a questão do ponto de vista desse consentimento a fim de avaliar se os factos integravam um ou outro crime. Se assim não fosse, estaríamos perante uma insuficiência para a decisão da matéria de facto, uma vez que o Tribunal não teria matéria bastante para absolver o arguido pelo crime de violação e condená-lo pelo ilícito do artigo 165º Código Penal, que é um “minus” relativamente àquela primeira incriminação.

    VI) Da leitura global da decisão recorrida não se extrai a existência dos vícios referenciados no artigo 41º-nº 2-alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, nem o Recorrente o demonstrou com um mínimo de objectividade e clareza.

    VII) Pretendendo trazer à liça a falta de credibilidade dada pelo Tribunal às declarações para memória futura da B..., como reforço dos vícios mencionados, o Recorrente conclui erroneamente que e por isso a mãe terá manipulado e instrumentalizado a B..., quando é certo que o que o Julgador nada mais fez do que socorrer-se de outros depoimentos que não o daquela ou da mãe (que considerou inaproveitável pela falta de objectividade e animosidade com o arguido), das declarações do arguido e das demais provas periciais e documentais para concluir que o mesmo praticou o crime descrito, VIII) Não há qualquer violação do principio da livre apreciação da prova, Já que o Tribunal formou a sua convicção de forma racionalmente objectivada, motivada e logicamente fundamentada, alicerçada em provas e factos concretos e também nos parece que o Recorrente não fundamentou devidamente a sua discordância nesta parte, como lhe competia nos termos do artigo.412-nº 3-alínea

  5. Código de Processo Penal, uma vez que se trata de matéria de facto (tal como o principio in dúbio pró reo, por se tratarem de princípios relativos à prova).

    IX) Não se percebendo de que modo o Tribunal a quo violou os artigo 164º e 165º do Código Penal invocados no final do Recurso, porque tal não é abordado quer na motivação quer nas conclusões do mesmo, tão pouco se encontram alegadas quaisquer circunstâncias que no caso que possam justificar eventualmente os pressupostos enunciados no artigo 50º do Código Penal para a suspensão de pena, limitando-se o Recorrente a concluir nesse sentido”.

    Nesta instância, o preclaro Procurador-geral Adjunto é de que o recurso não merece ser provido, de acordo com a argumentação expendida pelo Ministério Público na 1ª instância e ainda porque tendo sido três questões, a primeira – no corpo da motivação – tem a ver com o que considera ser uma contradição a que se refere o artigo 410º, nº2 b) do Código de Processo Penal; a segunda refere-se á matéria de facto, chegando a pedir a sua absolvição – pontos a) a c) das conclusões; a terceira prende-se com a medida da pena – conclusão c): “No que tange á matéria de facto, também nós entendemos não ter o arguido sequer esboçado algum dos requisitos estipulados pelo artigo 412º para que a reapreciação dessa matéria pudesse ocorrer em sede de recurso. Terá partido, quiçá, do princípio errado de que bastará discordar do juízo feito nesse ponto pela 1 a instância e pedir a transcrição da prova gravada para que a Relação proceda a nova indagação.

    Quanto á medida da pena imposta, e como muito bem diz o nosso colega em 1ª instância, o arguido limitou-se a afirmar, em abstracto, que o grau de ilicitude e de culpa estão atenuados, devendo ser absolvido ou, assim se não entendendo, ver suspensa na soa execução a pena – pontos c) e d) das conclusões”.

    Para a decisão do pedido que é formulado a este tribunal reputa-se pertinente submeter à apreciação as seguintes questões: a) – Impugnação da decisão de facto – Rejeição do recurso por inobservância absoluta do formalismo contido nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal; b) – Individualização judicial da pena – Suspensão da Pena de Prisão aplicada – Aplicação do regime penal concretamente mais favorável – cfr. artigo 2º, nº4 do Código Penal.

    1. – Fundamentação.

      II.A. – De facto.

      Para a decisão que ditou, estribou-se o tribunal na decisão de facto que a seguir se deixa transcrita.

      Com interesse para a decisão da causa, da prova produzida e examinada na audiência de julgamento, nela se incluindo a documental e pericial que dos autos constam e que naquela foram devidamente examinadas, resultaram provados, apenas, os seguintes factos: 1º) Em dia concretamente não apurado da primeira quinzena de Agosto de 2005, de manhã, no café Dominó, em Buarcos, área desta comarca, o arguido abordou a ofendida B... e com ela entabulou conversa de teor concreto que não foi possível determinar; 2º) Instantes depois, o arguido e a ofendida B... abandonaram o café Dominó e dirigiram-se para uma casa abandonada sita nas cercanias do Centro de Saúde de Buarcos; 3º) Uma vez no interior dessa casa abandonada, o arguido despiu-se, despiu totalmente a ofendida B..., após o que ela e o arguido se deitaram em cima de um colchão; 4º) Acto contínuo, o arguido introduziu o seu pénis na vagina da ofendida B..., acto que repetiu diversas vezes; 5º) Mais tarde, o arguido introduziu o seu pénis na boca da ofendida; 6º) A seguir, o arguido vestiu-se, vestiu a ofendida B... e dirigiu-se na companhia dela para um jardim onde se encontravam os carrosséis das crianças, também em Buarcos, onde a beijou e onde combinaram encontrar-se, no dia seguinte, pela manhã, nesse mesmo jardim; 7º) Após esse dia, durante cerca de três semanas, a ofendida B... dirigiu-se diariamente ao referido jardim de Buarcos, pela manhã, onde se encontrava com o arguido, que a esperava num banco, após o que se dirigiam ambos para a casa abandonada acima referida; 8º) Em todos esses encontros, uma vez na referida casa abandonada, o arguido despia-se, despia a ofendida B... e introduzia o seu pénis na vagina dela e, esporadicamente, na boca dela; 9º) A ofendida B... nasceu em 18/9/1966, não sabe ler, escrever, diferenciar o dinheiro ou mesmo as horas, sofre de oligofrenia, no grau de debilidade profunda, apresentando-se moderadamente orientada temporo-espacialmente, com discurso lentificado, sendo portadora de atraso mental moderado; 10º) Em consequência desse atraso de desenvolvimento mental, a ofendida B... goza de condição de pensionista da segurança...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT