Acórdão nº 690/98 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Dezembro de 1998

Data15 Dezembro 1998
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 690/98

Proc. nº 692/96

  1. Secção

    Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I - RELATÓRIO

    1. F. Gr. requereu a sua constituição como assistente nos autos de inquérito para averiguação da prática de um crime de homicídio por negligência, a correrem termos no tribunal de Amarante, em que a vítima mortal foi o seu filho, J. Gr..

    Por despacho de 16 de Novembro de 1995, tal pretensão foi indeferida pelo juiz instrutor do processo por, sendo a vítima casada à data do óbito, embora separada de facto, nos termos do artigo 68º, nº 1, alínea c), do CPP, tal legitimidade caber apenas ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e não aos ascendentes.

    2. Inconformado, recorreu o requerente para a Relação do Porto, suscitando a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 68º, nº 1, alínea c), do CPP, na interpretação do tribunal a quo, segundo a qual, havendo cônjuge sobrevivo, mesmo que separado de facto, só este pode constituir-se assistente em processo penal, no caso de o ofendido morrer sem deixar descendentes. Considerou o recorrente que tal interpretação violava os artigos 67º e 68º da Constituição, bem como os artigos 205º e 207º da mesma.

    Já na Relação, o Ministério Público pronunciou-se pelo provimento do recurso. Por acórdão de 15 de Maio de 1996, a Relação negou-lhe, porém, provimento, pelos fundamentos seguintes:

    Na verdade, da análise daquele normativo [artigo 68º, nº 1, alínea c) do CPP] resulta que ele divide as pessoas com legitimidade para se constituir assistente no caso de morte do ofendido, em dois grupos. Um desses grupos é constituído pelo cônjuge sobrevivo e pelos descendentes e o outro grupo, pelos ascendentes, irmãos, adoptante, adoptado e a pessoa que vivesse com o ofendido em condições análogas às dos cônjuges.

    Esta interpretação resulta desde logo da letra da lei que refere "...o cônjuge... e os descendentes ou, na falta deles, os ascendentes...". Daqui decorre que o termo "deles", usado naquele preceito legal, refere-se, claramente, ao cônjuge e aos descendentes como um todo, isto é, como um grupo. É que, se o legislador quisesse referir-se apenas aos descendentes, não querendo abranger também o cônjuge, não teria utilizado o termo "deles" mas antes "destes", fazendo então, sentido que na falta destes (descendentes), o direito seria atribuído aos ascendentes,.... Porém, o legislador utilizou o termo "deles" e, atento o contexto

    em que se acha inserido, cremos que a interpretação mais correcta e conforme à vontade do legislador é a de que esse termo reporta-se não só aos descendentes mas também ao cônjuge.

    E quanto à possibilidade de admitir aos ascendentes a constituição como assistentes, no caso de o cônjuge sobrevivo não o fazer, como ocorreu nos autos, afirmou-se ainda nesse aresto:

    Só que, a nosso ver, a lei não permite tal interpretação sendo, nesse aspecto o artº 68º-1-c) do CPP, muito claro ao utilizar a expressão "na falta deles". Assim, só se não existirem cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e descendentes é que o direito é deferido às pessoas do segundo grupo, onde se incluem os ascendentes.

    Como acima se disse, citando José da Costa Pimenta, o segundo grupo de pessoas é subsidiário em relação ao primeiro: só é chamado quando o primeiro grupo não tiver nenhum elemento (não exista de todo, nenhum elemento).

    No caso em apreço, porque o falecido ofendido era casado não estando separado judicialmente de pessoas e bens, é o cônjuge quem tem o direito de se constituir assistente neste processo. E é irrelevante que o falecido ofendido e seu cônjuge, estivessem separados de facto, como alega o recorrente, pois relevante, à face da lei é tão só a separação judicial de pessoas e bens.

    Diga-se, por outro lado, que a interpretação dada ao citado artº 68º-1-c) do CPP, não colide com as regras da sucessão nem retira quaisquer direitos deste tipo ou de natureza civil ao recorrente, enquanto ascendente do falecido ofendido.

    É que o recorrente, enquanto lesado, pode deduzir pedido de indemnização civil - pelos danos ocasionados com o crime - ainda que se não tenha ou não possa constituir-se assistente no processo - cfr. artº 74º do CPP.

    Só que, lesado não é sinónimo de ofendido. Ofendido, para efeitos penais, é o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime - Maia Gonçalves in CPP Anotado, 1987, pág. 118; ou o titular do interesse que a lei visa proteger com a incriminação - mesmo autor, in CPP Anotado, 1996, pág. 164.

    O ofendido não é sujeito processual, salvo se se constituir assistente. Enquanto se não constituir assistente é simples participante processual e, como tal, não é titular de direitos de intervenção no processo.

    O lesado é aquele que sofreu danos com o crime. Pode coincidir e coincide muitas vezes, com o ofendido e, por isso, pode também, constituir-se assistente, mas não pelo facto de ser lesado, mas por ser ofendido. Em razão da sua qualidade de lesado pode apenas intervir no processo como parte civil, no pedido de indemnização civil - cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, I, 301.

    Para que possa haver lesado, é necessário que seja titular de um direito de indemnização; que haja danos na esfera jurídica dessa pessoa; que tais danos sejam consequência de uma conduta criminosa; e que exista nexo de causalidade entre a prática do crime e os danos.

    Refira-se também que não vemos que o citado artº 68º-1-c) do CPP, interpretado da forma referida viole qualquer preceito constitucional, designadamente os arts. 67º e 68º ou 205º, da CRP.

    3. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 68º, nº 1, alínea c), do CPP, interpretada como o foi na decisão recorrida, no sentido de não admitir a constituição como assistentes, em processo penal, aos ascendentes do ofendido falecido, quando lhe haja sobrevivido cônjuge separado de facto, embora não separado judicialmente de pessoas e bens, e não tenha descendentes, por violação dos artigos 67º, 68º, 205º, nº 1, e 207º da Constituição.

    Admitido o recurso, e já neste Tribunal, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

  2. A Lei Fundamental portuguesa defende e protege a família, não só enquanto célula social baseada no contrato matrimonial, mas também e sobretudo enquanto unidade moral fundada na indestrutível perenidade consanguínea.

  3. A norma do art. 68º, nº 1, al. c) do CPP interpretada e aplicada no sentido de não permitir ao recorrente a sua intervenção como assistente nos presentes autos, é materialmente inconstitucional por ofensa ao estatuído nos arts. 67º, 68º, 205º, nº 1 e 207º da CRP.

  4. A norma do art. 68º, nº 1, al. c) do CPP, interpretada e aplicada nos termos em que fez o douto acórdão recorrido, está também ferida de inconstitucionalidade orgânica por desrespeitar as injunções estabelecidas nos pontos 1, 3, 4 e 52 do nº 2 do artigo 2º da Lei nº 43/86, de 26 de Setembro.

    Nas suas contra-alegações, o Ministério Público, manifestando-se pela improcedência do recurso, formulou as seguintes conclusões:

    1. A figura do assistente em processo penal não goza de directa consagração na Lei Fundamental, não representando a sua actividade de coadjuvação do Ministério Público uma forma de acesso aos tribunais para efectivação de direitos e interesses legítimos do ofendido e seus familiares, enquadrável no artigo 20º da Constituição.

    2. Não padece de inconstitucionalidade a interpretação "restritiva" da norma constante do artigo 68º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, entendida em termos de apenas ser lícita a constituição de assistente pelos ascendentes do ofendido falecido quando inexistirem cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, e descendentes da vítima.

    Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    II - FUNDAMENTOS

    4. A norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada é, pois, a constante do artigo 68º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal (redacção anterior à Lei nº 59/98, de 25 de Agosto), cujo teor é o seguinte:

    1. Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das...

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