Acórdão nº 795/20.5T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA FERNANDES
Data da Resolução20 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório.

  1. C. instaurou acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra A. J., no Juízo de Família e Menores de Barcelos, Juiz 1, Comarca de Braga.

Para tanto, e em síntese, alegou que casou com o réu no dia - de Janeiro de 1992.

No entanto, há mais de um ano que são recorrentes as discussões entre autora e réu, sentindo-se a autora humilhada.

Autora e réu não dialogam, não sentem afecto um pelo outro e não confiam um no outro.

A autora já não vê o casamento com o réu como uma união estável e saudável.

Autora e réu continuam a habitar a mesma casa mas não fazem vida em comum há mais de um ano.

Pede que, na procedência da acção, seja decretado o divórcio.

Foi designada data para realização da conferência a que alude o art.º 931º do CPC.

Não tendo sido possível a conciliação das partes ou a conversão em divórcio por mútuo consentimento, foi o réu notificado para contestar.

O réu contestou.

Alegou que é mal tratado pela autora, qualificou como doentia a relação que tem com a mesma, que a ré lhe falta ao respeito, que não demonstra por si qualquer afecto e reconhece que não existe entre ambos um diálogo saudável ou um ambiente harmonioso entre o casal.

Não obstante, pugna pela improcedência da acção, por não ver na alegação da autora factos que consubstanciem justa causa para não cumprir o compromisso de plena comunhão de vida, até à morte de um deles, invocando ainda a inconstitucionalidade dos arts. 1781º, al. d) e 1785º do Código Civil.

Foi proferido despacho saneador.

Julgada inadmissível e improcedente a reconvenção, foi determinado o prosseguimento do processo para apreciação da pretensão deduzida pela autora.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decido: - julgar procedente a presente ação e, em consequência, - declarar dissolvido, por divórcio, o casamento que A. e R. contraíram em - de janeiro de 1992, a que alude o Assento de Casamento n.º …, de 2016, da CRCivil de ….

*Custas pela A-. (art.º 535º, n.º 2, al. a) do CPC).

*Registe e notifique.

Oportunamente, cumpra o disposto no art.º 78º do CRCivil, ex vi do art.º 69º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma.”*Inconformado com esta decisão, o réu, dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “Conclusões: 1.ª Os factos julgados provados não se compaginam com a prova documental e testemunhal, que está gravada.

  1. Por força do disposto no art.º 662.º, 1 do C.P.C., devem ser fixadas os factos seguintes: a) A.A e R. casaram, um com o outro, segundo o rito da Igreja Católica, e sem convenção antenupcial.

    1. Do casamento de ambos há uma filha menor, V. C., que nasceu no dia ..-05-2006.

    2. A A. R. são os sócios de uma sociedade comercial que se dedica à confecção de vestuário da qual o R. é o seu gerente, conhecida por X.

    3. O A. e R. trabalhavam ambos na empresa dessa sociedade, sendo a A. coordenadora das linhas de produção.

    4. Essa sociedade mudou para novas instalações, há cerca de 2 anos.

    5. Desde há cerca de 2 anos a A. e o R. discutiam sobre questões do trabalho.

    6. O R. substituiu a A. das funções de “coordenadora” por outra “coordenadora”.

    7. Em consequência dessa substituição, as discussões continuaram após a referida substituição.

    8. A A. chorava algumas vezes.

    9. O R. não fazia ameaças nem insultos à A.

    10. O R. pratica a religião cristã, no rito da Igreja Católica.

    11. O R. considera o casamento como sagrado e indissolúvel.

  2. Se assim se não entender, o julgamento deve ser anulado e repetido (art.º 662.º, 2, a) do C.P.C.).

  3. Dos factos julgados provados, e no quer tange à prova de factos que integrem o disposto no art.º 1781.º, d) e 1785.º, 1, 1.ª parte do C.C., a prova de que a Recorrida e o Recorrente discutiam no trabalho, não pode integrar causa subsumível à al. d) do art.º 1781.º referido.

  4. Acresce que, como se procurou demonstrar, as disposições que dão corpo a essas normas, mormente a alínea d) do art.º 1781.º, ao fomentarem o divórcio, mesmo com base em futilidades, violam o disposto nos art.ºs 36.º e 67.º da Constituição e os art.ºs 13.º e 15.º, ex vi art.º 8.º, 2 da Constituição, da Concordata entre Portugal e a Santa Sé.

    A sentença recorrida viola as disposições constitucionais e legais invocadas nestas conclusões, pelo que deverá ser revogada.

    Justiça!”*A autora não contra-alegou.

    *O recurso foi admitido, por despacho de 27 de Abril de 2021, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

    *Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *II. Questões a decidir.

    Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber: 1 – da impugnação da matéria de facto; 2 – se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação do réu/apelante - decidindo-se pela improcedência da acção.

    3 - da inconstitucionalidade da alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil, por violação do disposto nos art.ºs 36.º e 67.º da Constituição e da violação dos art.ºs 13.º e 15.º, ex vi art.º 8.º, 2 da Constituição, da Concordata entre Portugal e a Santa Sé.

    *III. Fundamentação de facto.

    Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: “Com interesse para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:

    1. A. e R. casaram no dia -.01.1992, sem convenção antenupcial; b) V. C. nasceu no dia -.05.2006 e é filha de A. e R.; c) Há mais de um ano que eram recorrentes as discussões entre A. e R.; d) As discussões entre A. e R. tinham lugar, sobretudo, no local de trabalho; e) A A., por causa disso, sentia-se humilhada; f) A. e R. não dialogam, não sentem afeto um pelo outro e não confiam um no outro; g) A A. já não vê o casamento com o R. como uma união estável e saudável; h) A. e R. continuam a habitar a mesma casa mas não fazem vida em comum.”.

      *E foram dados como não provados os seguintes factos: "Não se provaram outros factos, em contradição com estes ou para além deles, designadamente, que: - A. e R. não fazem vida em comum, há mais de um ano (tendo por referência a data da propositura da ação).”.

      *IV. Do objecto do recurso.

      1. Da impugnação da matéria de facto.

      1.1 Em sede de recurso, o réu/apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

      Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no art. 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objecto do recurso.

      Preceitua o artigo 640º do CPC: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

      2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

      Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, disponível in www.dgsi.pt: “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

      Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”. (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual).

      Diz-se também no acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015, acessível em www.dgsi.pt, que: “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem...

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