Acórdão nº 478/98 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Julho de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução01 de Julho de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 478/98

Processo n.º 292/97

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 2º Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório:

1. W. G., tendo-lhe sido indeferido pelo MINISTRO DA ECONOMIA (despacho de 2 de Agosto de 1988) o recurso hierárquico necessário, que apresentou contra o acto que homologou a lista de classificação final do concurso para o preenchimento de quatro vagas de técnico superior principal do quadro da Direcção-Geral da Indústria, aberto pelo Aviso publicado no Diário da República, n.º 278, II série, de 3 de Dezembro de 1987, a que se apresentou, interpôs recurso contencioso de anulação desse despacho, no Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou a recorrente, entre o mais, que a Lei n.º 14/83, de 25 de Agosto, na parte em que conferiu autorização ao Governo para legislar sobre o recrutamento e selecção de pessoal, está ferida de inconstitucionalidade formal, por isso que tenha ficado "afectado, de modo constitucionalmente irremissível, o procedimento legislativo que produziu o Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de Fevereiro".

A 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 31 de Janeiro de 1995, negou provimento ao recurso, por julgar improcedentes os fundamentos invocados, designadamente o que radicava na invocada inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 44/84, decorrente de idêntico vício que, segundo a recorrente, afectava a Lei n.º 14/83.

Desse acórdão da 1ª Secção interpôs ela recurso para o Pleno da Secção, insistindo na inconstitucionalidade antes suscitada.

O Pleno da 1ª Secção, por acórdão de 20 de Março de 1997, julgou inverificada a inconstitucionalidade e negou provimento ao recurso.

2. É deste acórdão (de 20 de Março de 1997) que vem o presente recurso, interposto pela mesma recorrente ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da Lei n.º 14/83, de 25 de Agosto, e do Decreto-lei n.º 44/84, de Fevereiro.

Neste Tribunal, alegou a recorrente que, para o que aqui importa, formulou as seguintes conclusões:

  1. A Lei n.º 14/83, de 25 de Agosto, pelo seu conteúdo, é subsumível no conceito de "legislação do trabalho".

    1.1. As leis de autorização legislativa não são leis em sentido meramente formal, porquanto têm obrigatoriamente, de ser providas de uma materialidade, maior ou menor, mas sempre em grau suficiente para cumprir todos os requisitos do artigo 168º, n.º 2, da Constituição, pelo que com a lei de autorização há já uma decisão legislativa relevante na conformação do resultado normativo final a aplicar aos particulares, qual seja o "decreto-lei autorizado" a editar pelo Governo através do Conselho de Ministros.

    1.2. Assim, sendo o "decreto-lei autorizado" determinado pela "lei de autorização", com facilidade (...) se vê, face à Constituição e aos princípios nela consagrados, a utilidade e a necessidade da participação das associações sindicais no "procedimento legislativo especial", que é a feitura das leis de autorização legislativa.

    1.3. Destarte, à luz da Constituição e dos princípios nela consignados, toda a decisão legislativa (que, no caso, passa por um procedimento complexo, desdobrável em dois graus) tem de ser activamente participada pelas associações sindicais: a cada passo da concretização da norma haverá que corresponder um momento participativo.

    1.4. Ora, as associações sindicais não participaram na elaboração da Lei n.º 14/83, de 25 de Agosto (o que, aliás, logo resulta do seu preâmbulo, onde nenhuma referência se faz a tal participação, tal como, aliás, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de Fevereiro), pelo que a mesma, por ofensa aos artigos 3º, nºs 2 e 3, 57º, n.º 2, a), e 277º, n.º 1, enferma de inconstitucionalidade formal (ou "in procedendo", se assim melhor se preferir), daí tendo resultado afectado, de modo constitucionalmente irremissível, o procedimento legislativo que produziu o Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de Fevereiro, o qual, pois, padece de inconstitucionalidade consequente (derivada ou reflexa).

  2. 5. Assim (...), tendo decidido deferentemente, o acórdão recorrido não fez boa interpretação e aplicação do direito, e, pois, não fez bom julgamento (...).

  3. Entre a gama dos requisitos exigidos a uma lei de autorização legislativa encontra-se a indicação do "sentido" (...).

    2.1. Porém, a Lei n.º 14/83, de 25 de Agosto, no segmento sob observação, apresenta carácter extremamente vago, impreciso, genérico e indeterminado. Pelo que,

    2.2. À luz do artigo 168º, n.º 2, da Constituição, iluminado pela jurisprudência constitucional, não dispõe de "sentido" constitucionalmente adequado: não permite "a determinação das linhas de força, no plano substantivo, que nortearão o exercício dos poderes delegados", ou não permite a "determinação das linhas gerais das alterações a introduzir" ou, ainda, não permite "a descoberta do programa de legislação estabelecido pelo Parlamento de modo que oriente o legislador delegado" e torne "reconhecível e até previsível pelo cidadão qual o sentido da legislação que vai ser emanada ao abrigo dos poderes delegados.

    2.3. Assim (...), a Lei n.º 14/83, de 25 de Agosto, no segmento sob observação, por ofensa ao artigo 168º, n.º 2, da Constituição, enferma, originariamente, de inconstitucionalidade, o que, derivada ou reflexamente, inquina o Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de Fevereiro, editado ao seu abrigo (de forma, aliás, global e globalizante, de tal sorte que já não é possível cindi-lo nos normativos editados ao abrigo da lei de autorização daqueles outros que serão, eventualmente, reedição de normação anterior).

    2.4. Não tendo considerado verificada a inconstitucionalidade acabada de citar o douto acórdão recorrido (...) não fez boa interpretação e aplicação do direito, e, pois, não fez bom julgamento.

    O Ministro da Economia, nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

    a). A Lei de autorização legislativa n.º 14/83, de 25 de Agosto, limitou-se a delegar no Governo a competência para proceder à reformulação das bases do regime previsto em diversos diplomas respeitantes ao recrutamento e selecção do pessoal da função pública;

    b). A Lei n.º 14/83, de 25 de Agosto, não contém normas que regulem directamente a relação de emprego na função pública ou que directamente procedam à regulamentação do estatuto de pessoal da função pública ou à efectivação dos seus direitos fundamentais, constitucionalmente reconhecidos;

    c). A referida Lei não se configura, assim, como legislação do trabalho, pelo que a não participação das associações sindicais não violou o artigo 57º, n.º 2, da Lei Fundamental;

    d). A Lei em causa não apresenta carácter impreciso, genérico ou indeterminado;

    e). O sentido de uma autorização legislativa constitui o seu limite interno essencial para a determinação...

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