Acórdão nº 385/98 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Nunes de Almeida
Data da Resolução19 de Maio de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 385/98

Proc.Nº 789/96

Sec. 1ª

Rel. Cons.

Vitor Nunes de

Almeida

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - RELATÓRIO:

1.- M..., SA deduziu perante o Tribunal Tributário do Porto impugnação da liquidação de emolumentos do registo comercial no montante de 1.131.000$00. A petição veio a ser liminarmente indeferida por se ter julgado o tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da causa.

Inconformada com esta decisão, a sociedade recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo (adiante, STA) - Secção de Contencioso Tributário, tendo aí formulado as seguintes conclusões:

  1. - O Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou sobre as questões que deveria apreciar, razão porque o citado despacho está ferido de nulidade, ao abrigo da alínea d), do nº' 1, do artigo 668º do Código de Processo Civil.

    2ª - Na verdade, a sentença em apreciação é exactamente igual à proferida no âmbito do processo nº 1/95, que corre termos no mesmo juízo e tribunal, o qual diz respeito à impugnação, pela mesma M..., da liquidação de emolumentos notariais.

  2. - No entanto, do que se trata nos presentes autos é da impugnação da liquidação de emolumentos de registo comercial cobrados por ocasião da inscrição de diversas alterações dos estatutos, sobre o que o ilustre Juiz a quo não se pronunciou.

  3. - De toda a maneira, admitindo que se tratou de mero lapso, se se quiser transpor para o caso dos emolumentos de registo comercial as considerações apresentadas pelo Juiz a quo quanto à competência dos tribunais tributários, nem por isso a M... se conformaria com o teor do despacho de que ora se recorre.

  4. - Sendo tributo "a prestação patrimonial estabelecido pela lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento", não pode questionar-se a natureza tributária das receitas designadas por emolumentos, cuja qualificação como taxas é, aliás, objecto de um vasto consenso na jurisprudência e doutrina;

  5. - Mesmos os emolumentos que revertem directamente e apenas em benefício dos agentes relacionados com o serviço por que são devidos serão sempre "importâncias de carácter tributário", constituindo, quando muito, um tertium genus, distinto dos impostos e das taxas;

  6. - O ponto, de resto, é irrelevante no que concerne aos emolumentos notariais e registrais, que representam, justamente, uma receita dos serviços (os serviços, e não os funcionários, e que a cobram e dela são titulares), estando afectos a todas as despesas a cargo do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, ou seja, a todas as despesas respeitantes à existência e funcionamento dos referidos serviços (arts 65º e 66º do Dec.-Lei nº 519-F2/79, de 29.12);

  7. - De todas as formas, "preços" ou receitas patrimoniais é que eles não são com certeza, dado que a sua cobrança se dá a propósito da prestação de serviços que são, por essência, da titularidade do Estado, de acordo com a concepção política dominante na sociedade, não se fazendo, por essa razão, objecto de oferta e procura num mercado e não resultando a correspondente obrigação de um acordo de vontades, antes revestindo natureza de uma obrigação legal (de direito público), fixada com independência de critérios de mercado;

    POR OUTRA VIA:

  8. - O entendimento de que impugnação dos erros de conta se faz através de reclamação para o conservador, recurso hierárquico e, obtido o acto definitivo, recurso contencioso para a Iª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, só foi legítimo enquanto o regime, a propósito, resultava da conjugação do art. 69º do Dec.--Lei nº 519-F2/79 e 69º dos arts. 139º e segs. do Decreto Regulamentar nº 55/80, de 8/10, por um lado, com as regras gerais de impugnação dos actos administrativos, por outro lado, designadamente com a regra de que a competência para conhecer dos actos administrativos respeitantes a tributos cuja liquidação não estivesse a cargo da administração fiscal cabia aos tribunais administrativos e com a regra de que o acesso aos mesmos tribunais pressupõe que previamente se esgote a via hierárquica graciosa;

  9. - Nenhum preceito do Dec.-Lei nº 519-F2/79 ou do Decreto Regulamentar nº 55/80, com efeito, atribui competência para conhecer das impugnações de contas aos tribunais administrativos, ou recolhe especificamente para esta matéria o princípio de exaustão dos meios graciosos;

  10. - Ora os dados legais entretanto editados, já pelo significado que revestem em si mesmos, já pela nova luz que deitam sobre preceitos antigos, implicaram o afastamento das sobreditas regras gerais;

  11. - É assim, por um lado, que, à face do ETAF (arts. 32º, als. c) e d) 41º, al. b) e 62º, nº 1, al.a)), "o conceito (subjectivo) de Administração Fiscal, que servia antes de suporte à distinção de competência entre os serviços de justiça fiscal e de justiça administrativa, deu lugar a um conceito (objectivo), de Administração fiscal, abrangendo todos os actos que sejam materialmente fiscais, independentemente do âmbito ou sede em que foram praticados e do estatuto e hierarquia do seu autor;

  12. - Demais disso, com a entrada em vigor do Código do Processo Tributário (vejam-se, entre outros, os arts. 10º, 33º, 37º, al. c), 71º, al. f) e 233º,al. a)) passou a ser inquestionável que, no direito positivo português do contencioso tributário, a matéria "tributária, fiscal", não se restringe aos impostos, estendendo-se a outras receitas que a doutrina mais significativa e representativa considera igualmente tributos - designadamente às taxas, nelas compreendidas os emolumentos;

  13. - É assim apodíctico que, hoje em dia, os emolumentos são "receitas tributárias" e os actos da respectiva liquidação "actos tributários" para efeitos, respectivamente, do art. 62º, nº1, al.a), do ETAF e dos arts. 18º e 118º do C.P.T.;

  14. - Daí, por conseguinte, que sejam os tribunais tributários de 1ª instância os competentes para conhecer dos recursos dos actos de liquidação dos emolumentos e daí, igualmente, que esses actos se tenham de haver como definitivos, enquanto praticados por autoridade competente em razão da matéria, e, por conseguinte, passíveis de uma imediata impugnação contenciosa;

  15. - Os próprios arts. 69º, nºs 4 e 5, do Dec.-Lei nº 519-F2/79 e 138º e 139º do Dec. Regulamentar nº 55/80, de resto, dão suporte literal à ideia de que as reclamações são meios alternativos da imediata impugnação contenciosa dos actos de liquidação dos emolumentos;

  16. - Aliás, se o sentido dos arts. 69º do Dec.-Lei nº 519-F2/79 e 138º e 139º do Dec. Regulamentar nº 55/80 fosse efectivamente o de configurar a exaustão da via administrativa como precedente obrigatório do recurso contencioso, então tais preceitos ou estariam afastados pelo art. 189 do C.P.T., ou seriam inconstitucionais, por violação do art. 268º, nº 4, da Constituição (que, na redacção de 1989, admite o recurso contencioso de anulação de qualquer acto que lese esferas...

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