Acórdão nº 266/98 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Março de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Alves Correia
Data da Resolução05 de Março de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 266/98

Procº nº 836/96

Rel. Cons. Alves Correia

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório.

1. R... foi, em 22 de Novembro de 1993, acusada pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Criminal da Comarca do Porto da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, com referência aos artigos 313º e 314º, alínea c), do Código Penal.

2. Tendo sido requerida a abertura da instrução, em 13 de Dezembro de 1993, veio o debate instrutório a ter lugar, em primeira marcação, no dia 18 de Janeiro de 1995, no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, sem a presença da arguida - que posteriormente veio a juntar atestado médico comprovativo da

ausência -,nem do seu mandatário - que, por fax de 23 de Janeiro, veio invocar um atraso de trinta minutos (suficiente para, entretanto, se ter dado por concluído o debate), requerer a repetição deste e arguir diversas nulidades da decisão instrutória.

Indeferido o requerido e a arguição de nulidades, por despacho de 21 de Fevereiro do Mmº Juiz do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, a arguida interpôs recurso de tal despacho e da decisão instrutória para o Tribunal da Relação do Porto. No tribunal a quo, foi admitido o recurso do referido despacho, sem efeito suspensivo, para subir com o recurso interposto da decisão que tiver posto fim à causa, mas já não foi admitido o recurso da decisão instrutória, por, face ao disposto no artigo 310º do Código de Processo Penal, tal decisão ser irrecorrível (despacho de 7 de Abril de 1995). Neste despacho, o Mmº Juiz do Tribunal de Instrução Criminal do Porto acrescentou:

"Por outro lado, diga-se ainda que, mesmo que aquela decisão instrutória recorrível fosse, sempre o recurso dela interposto também não seria admitido por extemporâneo, tendo em conta que a arguida foi notificada de tal decisão em 31 de Janeiro de 1995 (cfr. certidão de fls. 166) e o requerimento de interposição deu entrada na Secretaria deste Tribunal em 20 de Março de 1995 (cfr. fls. 175), portanto, já há muito decorrido o prazo do artigo 411º, nº 1 do C.P.P.".

3. Ainda insatisfeita, apresentou a arguida, em 29 de Maio de 1995, reclamação do despacho de 7 de Abril de 1995, que não admitiu o recurso da decisão instrutória, concluindo do seguinte modo:

"C.1- O recurso da decisão instrutória nula pressupõe a arguição da respectiva nulidade no prazo de 5 dias previsto nos artigos 120º, 3, b), e 309º, 2, do C.P.P., e, não sendo atendida tal arguição o recurso do despacho de indeferimento consome e abarca, com fundamento na nulidade da decisão instrutória (nulidade desta mesma e nulidade dos actos que esta perfilhou).

Por isso, enquanto restrito às questões de nulidade (com aquele âmbito) da decisão instrutória, o despacho reclamado não podia admitir o recurso enquanto se diz impugnar o despacho que indeferiu a arguição de nulidades e rejeitar expressamente o mesmo recurso enquanto dirigido à decisão instrutória.

C.2- Também por isso é nos dez dias após a notificação do despacho que indeferiu a arguição de nulidade da decisão instrutória que há-de interpôr-se o recurso pelo qual se impugne não só esse despacho, mas também a decisão instrutória, enquanto nula.

C.3- A decisão instrutória é recorrível sempre que padeça de nulidade insuprível, designadamente por falta de pronúncia, por absoluta falta de fundamentação ou por fundamentação manifestamente contraditória e por desrespeito do princípio do contraditório e do direito à presença do arguido no debate - o que tudo ocorre no caso "sub judice", como acima se demonstrou.

Do disposto no artigo 309º, nº 1, do C.P.P., não resulta a degradação das nulidades da decisão instrutória (ou dos actos nela perfilhados) aplicáveis a todos os despachos - porventura mais graves que a

prevista naquele 309º, nº 1, como seria o caso, por exemplo da absoluta omissão da instrução ou, como no caso presente, da decisão instrutória que faz tábua rasa da instrução -, designadamente as nulidades por violação do disposto nos artigos 119º, c), 300º, nºs. 1 e 3, 97º, 4, 374º, 2, e 379º, a) do C.P.P., e 2º, 32º, nºs. 1 e 5º e 208º, nº 1, da Constituição.

C.4- Interpretados doutro modo e no sentido da irrecorribilidade da decisão instrutória quando enferma doutras nulidades que não a do artigo 309º, nº 1, os ditos normativos dos artigos 309º e 310º do C.P.P. seriam materialmente inconstitucionais, por violação dos preceitos da Lei Fundamental já referidos na conclusão anterior e ainda dos artigos 18º da mesma.

C.5- Pelas mesmas razões e ainda com apelo à recente evolução do sistema constitucional que flui, nomeadamente, da nova redacção do artigo 268º, nº 4, da Lei Fundamental, considerada a alta carga axiológica negativa consequente para o arguido de uma pronúncia ilegal, desde logo lesiva da sua honra e do seu bom nome social e comercial, resulta impor-se a subida imediata do recurso que tem por objecto a arguição de nulidade da decisão instrutória (e da instrução), sob pena ainda, de violação das referidas disposições da Lei Fundamental, mas também do prescrito no artigo 407º, nº 1, al. i) do C.P.P.".

4. Por despacho de 22 de Junho de 1995 do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, foi indeferida tal reclamação - o que motivou, em 15 de Setembro de 1995, nova arguição de nulidade por omissão de pronúncia quanto à subida apenas diferida do recurso, por um lado, e por outro, por insuficiência de fundamentação "também no limiar da falta de pronúncia e enquadrável como tal" quanto à questão de "saber se a arguição

de nulidades da decisão instrutória suspendia (leia-se: interrompia) o prazo de interposição do recurso daquela".

5. Indeferida esta nova arguição de nulidade, por despacho de 1 de Julho de 1996 do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, trouxe a arguida recurso a este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º e dos artigos 75º e 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), quanto ao entendimento restritivo, professado no despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, do artigo 310º do Código de Processo Penal, ao "só admitir recurso (nos termos do seu nº 2), seja contra a pronúncia com base em lei incriminatória inconstitucional, seja contra o indeferimento da arguição de nulidades da decisão instrutória, quando se verifique a pronúncia por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação".

Nas suas alegações produzidas neste Tribunal, a recorrente concluiu assim:

"1ª- O trânsito em julgado da pronúncia ou o despacho equivalente (quando à acusação não se segue a abertura de instrução), afastando o sigilo processual, são susceptíveis, desde logo, de causar lesões irrepa- ráveis na honra e no património do arguido:

-os frequentes anúncios (notícias e comentários) na imprensa das decisões instrutórias de pronúncia condemam-no na opinião pública.

-relativamente aos crimes de cheque sem provisão - como é o caso dos autos -, os sistemas de infor- mações comerciais, a partir da pronúncia, veiculam a informação, prejudicando-se, com isso, o crédito e o nome comercial do arguido.

-A pronúncia é, desde logo, levada ao registo criminal (artigo 3º, a) do Decreto-Lei 39/83, de 25/1), maculando o arguido e prejudicando-o na habilitação em concursos e no acesso a determinados tipos de actividades.

-A partir do trânsito da pronúncia, o arguido já está, pelo menos, sujeito aos constrangimentos do "Termo de Identidade e de Residência" (artigo 196º, nºs. 1 e 2 do CPP), obrigado, no mínimo, a comunicar as ausências da residência por mais de cinco dias e a manter-se à disposição do Tribunal, deixando a sua actividade e o...

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