Acórdão nº 260/98 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Março de 1998

Data05 Março 1998
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 260/98

Tem Declarações de Voto

Proc.nº 418/93

Plenário

Relator: Cons.Sousa e Brito

Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:

I

RELATóRIO

1. O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas no artº 4º, nºs 1 e 3 do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, bem como das normas orçamentais que anualmente as concretizaram desde então - a do artº 43º da Lei nº 101/89, de 19 de Dezembro (Lei do orçamento do Estado para 1990), a do artº 45º, nº 1 da Lei nº 65/90 de 28 de Dezembro (Lei do OE para 1991), a do artº 16, nº 1 da Lei nº 2/92 de 9 de Março (Lei do OE para 1992) e ainda a do artº 12º nº 1 da Lei nº 30-E/92 de 28 de Dezembro (Lei do OE para o ano de 1993).

Entende o Provedor de Justiça serem tais normas desconformes com o conteúdo dos artº 243º nº1 da Constituição (quanto à limitação da tutela administrativa sobre as autarquias à mera legalidade) e com o disposto no artº 254º da Constituição (por serem violados os direitos próprios dos municípios sobre certas receitas) em articulação com o artº 240º nº 1 (princípio da autonomia financeira autárquica).

2. Segundo o Provedor de Justiça, "a retenção na fonte de uma parcela das receitas da sisa e das transferências resultantes do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) configura uma verdadeira e clara intervenção tutelar na gestão dos municípios .... Na classificação das espécies fundamentais de tutela administrativa - em tutela de mérito e tutela da legalidade - não restarão dúvidas em concluir ser este um caso de tutela sobre o mérito na variante de tutela substitutiva ou supletiva, a qual consiste [...] 'no poder conferido à autoridade tutelar de suprir as omissões de órgão tutelado, praticando em seu lugar os actos devidos' [Parecer da Procuradoria Geral da República nº 90/85, de 12.01.1989, BMJ nº 342, p.109]. [...] Os actos devidos, na situação em análise, são pura e simplesmente o cumprimento de uma obrigação negocial, não sendo nem podendo ser um acto administrativo do poder central a convertê-lo no cumprimento de uma obrigação legal, cuja fiscalização recaia na órbita tutelar definida pelo artigo 243 nº 1 da Constituição."

3. Por outro lado, ainda segundo o Provedor de Justiça, "as verbas que ficam sujeitas a retenção por parte do Estado constituem, sem dúvida alguma, receitas próprias dos municípios. Tal é o caso da sisa (configurada como imposto local, nos termos do artº 4º, nº 1, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro), como é o caso da participação no FEF (artº 4º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma). [...] se é certo, por um lado, caber à lei definir os termos do direito próprio dos municípios à participação nas receitas de impostos directos, não se afigura, em caso algum consentâneo com o princípio de autonomia financeira municipal, condicionar a resolução de litígios com a EDP-Electricidade de Portugal, S.A.,pela ameaça de diminuição do alcance de uma garantia institucional dos municípios. [...] um município vê a gestão dos seus recursos financeiros, em certo ano, condicionada pela retenção administrativa central a efectuar em anos seguintes". Com efeito, "para ser desencadeado o mecanismo de retenção previsto no nº 3 do artº 4º do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril - cuja inconstitucionalidade ora se sustenta - basta, tão só, a ultrapassagem dos prazos de negociação previstos no artº 2º sem que tenha sido obtido o acordo entre os municípios e a EDP, S.A.. [...] Quanto às restantes normas cuja fiscalização de constitucionalidade ora se pede, constituem uma concretização anual, nas sucessivas leis de orçamento de Estado, habilitando o Poder Central a efectuar as retenções constantes do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril." Ora, "sejam quais forem os

contornos do direito próprio assinalado no artº 254º da Constituição, nunca será admissível que tal garantia possa ser utilizada contra os seus titulares. [...] A autonomia financeira municipal - resultante dos artºs 240º nº 2 e 254º da CRP, no que foca à resolução dos litígios com a EDP, S.A., ficará intoleravelmente diminuída pelo sistema adoptado das normas em apreço".

4. O primeiro ministro pronunciou-se sobre o pedido, dizendo, em conclusão :

"

  1. O mecanismo, previsto nos nºs 1 e 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, de retenção de verbas de receitas municipais provenientes da cobrança da sisa e da participação no FEF para regularização das dívidas dos municípios à EDP não constitui uma medida tutelar destinada a indagar se determinada decisão autárquica é uma decisão conveniente ou inconveniente, correcta ou incorrecta do ponto de vista administrativo ou financeiro;

  2. Na verdade, não está aí em causa um juízo de desvalor sobre o mérito da omissão do cumprimento de uma obrigação contratual assumida pelos municípios perante a EDP, mas sim, como facilmente se compreende, o exercício de um poder destinado a reprimir a ilegalidade desse comportamento;

  3. O mecanismo de retenção previsto no Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, constitui um instrumento regulador da prossecução de um interesse público geral de toda a colectividade e que, por isso, cabe ao Estado assegurar, não podendo ficar à mercê da actuação ilegal de certos municípios;

  4. Esse interesse público consiste em assegurar o normal funcionamento do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, gravemente ameaçado pela ruptura financeira da EDP cuja principal causa reside no não pagamento, por parte de determinados municípios, de vários milhões de contos em dívida;

    e) Ora, o legislador não está impedido de conferir ao Governo poderes para prevenir ou até reprimir a ilegalidade da actuação dos órgãos autárquicos, quando tal seja justificado pela necessidade de realização de um interesse público nacional ou estadual diferente do interesse geral da repressão da ilegalidade, isto é, quando a actuação ilegal das autarquias ponha em causa a realização de interesses públicos que ao Governo caiba salvaguardar ou promover;

    f) Não se pode pois considerar aquelas normas legais como violadoras dos limites da tutela administrativa fixados no nº 1 do artigo 243º da Constituição;

    g) Por outro lado, a retenção de verbas de receitas municipais provenientes da cobrança de sisa e da participação no FEF para regularização das dívidas dos municípios à EDP não constitui violação do direito próprio dos municípios a participarem nas receitas provenientes dos impostos directos, tal como se encontra consagrado no artigo 254º da Constituição;

    h) Seria, com efeito, erróneo considerar que aquele preceito constitucional impõe ao Estado a atribuição aos municípios da totalidade das verbas das receitas provenientes desses impostos;

    i) O legislador goza de uma ampla margem de liberdade de conformação na determinação, não só do montante da parcela dessas receitas, como também do tipo de impostos em que ocorrerá a incidência da mesma;

    j) O essencial é que a participação dos municípios nas receitas provenientes dos impostos directos - quer directamente sobre os impostos cobrados na respectiva circunscrição municipal, quer sobre a receita global nacional inscrita no orçamento de Estado, através do mecanismo do FEF - não se reduza a percentagens tais que ponham em causa a própria autonomia financeira dos municípios;

    k) No caso sub iudice, a retenção prevista, atento o seu quantitativo, é constitucionalmente admissível, uma vez que se encontram respeitados os limites que decorrem da necessidade de deixar intocado o núcleo essencial da autonomia local e da inadmissibilidade de proceder à afectação de receitas, desnecessária ou injustificadamente, ou ainda em termos desproporcionados;

    l) No caso presente, a retenção é fixada, comedidamente, em percentagens que claramente impedem que a gestão de tais meios patrimoniais fique totalmente dependente da Administração Central do Estado, além de que a retenção tem em vista a prossecução de um importante interesse público de relevância nacional;

    m) Impõem-se pois...

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