Acórdão nº 683/99 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução21 de Dezembro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 683/99

Processo n.º 42/98

  1. Secção

Relator – Cons. Paulo Mota Pinto (Cons. Bravo Serra)

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    M... intentou no Tribunal do Trabalho de Almada contra o Estado Português – Ministério da Educação, acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando, por entre o mais, que fosse declarado nulo o despedimento de que foi alvo das funções de auxiliar de acção educativa que desempenhava na Escola Secundária da Amora, funções para as quais fora admitida ao abrigo de um contrato a termo com início em 2 de Fevereiro de 1991, contrato esse que fora prorrogado por duas vezes.

    Após a contestação, apresentada pelo Ministério Público como representante do Estado, foi, em 16 de Outubro de 1996, proferida sentença, a qual, julgando improcedente a acção, absolveu o réu dos pedidos contra ele deduzidos.

    Do assim decidido recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Ministério Público dito na alegação que então produziu, em determinados passos:

    " (...)

    A relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (art.ºs 5º do DL 184/89 e 3º do DL 427/89).

    O contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo, regendo-se este último pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do DL 427/89 (art.º 7º do DL 184/89 e 14º do DL 427/89).

    Resulta destes normativos que a Administração Pública não pode admitir pessoal por outras formas que não as indicadas.

    (...)

    Sendo assim, o Estado não tinha, nem tem competência para celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado (...).

    (...)

    Por tudo isto, não se poderá admitir a aplicação a estes contratos do disposto no art.ºs 41º do DL 64-A/89.

    Mas também não lhes serão aplicáveis as disposições dos art.ºs 44º e 46º do mesmo diploma legal.

    (...)

    Além disto, a proceder a tese da A. seria violado o disposto no art.º 47º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

    Este artigo explicita 'um direito de carácter pessoal, associado à liberdade de escolha de profissão, de acesso à função pública', compreendendo o direito a que este se opere em condições de igualdade e liberdade, mediante um procedimento justo de recrutamento. Trata-se aqui de um domínio pautado por uma acentuada vinculação da Administração.

    (...)

    De facto, a admitir-se como válida esta reintegração, o que não se pode conceber, passariam a coexistir dois regimes de prestação de trabalho:

    - Um regime de direito privado, através do contrato individual de trabalho e do contrato de prestação de serviços;

    - Um regime de direito público, pela via da nomeação (funcionário) ou de contrato administrativo de provimento (caso em que a pessoa adquiria o estatuto de agente administrativo).

    Coexistência esta que surgiria à revelia de uma opção de política administrativa da Assembleia da República, que possui reserva relativa de competência em matéria de bases gerais do regime e âmbito da função pública. (...).

    Por acórdão de 19 de Novembro de 1997, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento ao recurso, condenando o Estado Português a "reintegrar a A. ao seu serviço com efeitos desde a data do despedimento".

    Deste acórdão vem interposto pelo Ministério Público, fundado na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o vertente recurso de constitucionalidade, visando a apreciação da:

    "inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 14º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7-12, por violação dos art.ºs 13º e 47º da Constituição da República, quando interpretado (...) no sentido de que os contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado, ou outras pessoas colectivas de direito público, são passíveis de conversão em contratos de trabalho sem termo".

    Na sua alegação, o representante do Ministério Público em funções junto deste Tribunal concluiu do seguinte modo:

    "1º – A interpretação normativa do n.º 3 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 427/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu ‘posto de trabalho’ – admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos 3º e 14º do citado diploma legal – viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo 47º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

    1. – Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via ‘sucedânea’ de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública – permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da ‘convertibilidade’ de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura – propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.

    2. – Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo n.º 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.

    3. – Termos em que deverá julgar-se procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em consonância com o atrás exposto."

    Por seu lado, a recorrida não apresentou alegação.

    Corridos os vistos, e após mudança do relator por vencimento, cumpre decidir.

  2. Fundamentos

    1. Objecto do recurso

      O presente recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, visa a apreciação da conformidade com a Constituição da norma do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de permitir a conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado em contratos de trabalho por tempo indeterminado.

      Este Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, define o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública. E o artigo 14º deste diploma regula as modalidades e efeitos do contrato de pessoal, que pode revestir, nos termos do seu n.º 1, as modalidades de contrato administrativo de provimento (que confere ao particular outorgante a qualidade de agente administrativo) ou de contrato de trabalho a termo certo.

      Segundo o n.º 3 do artigo 14º do diploma referido:

      "O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma."

      Tal regime foi aprovado em desenvolvimento do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (por sua vez aprovado no uso da autorização legislativa conferida, no que ora interessa, pela alínea c) do n.º 1 do artigo 15º da Lei n.º 114/88, de 30 de Dezembro), em particular, do previsto no seu artigo 9º, n.º 2, segundo o qual:

      "O contrato referido no número anterior [contrato de trabalho a termo certo] obedece ao disposto na lei geral do trabalho sobre contratos de trabalho a termo, salvo no que respeita à renovação, a qual deve ser expressa e não pode ultrapassar os prazos estabelecidos na lei geral quanto à duração máxima dos contratos a termo."

      A uma primeira leitura dos diplomas em causa nota-se logo que, entre as formas de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública, se não prevê a que repouse na celebração de contratos laborais sem termo. Apenas se prevê a nomeação com vista ao preenchimento de um lugar do quadro, (assegurando, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência – cfr. artigo 4º, n.º 1), o contrato administrativo de provimento (que visa assegurar que uma pessoa não integrada nos quadros exerça, a título transitório e com carácter de subordinação, funções próprias do serviço público, com sujeição ao regime jurídico da função pública – cfr. artigo 15º, n.º 1) e o contrato a termo certo.

      Por outro lado, existem condições específicas para a admissibilidade da celebração destes contratos a termo certo pela Administração Pública: pode ser celebrado em caso de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas através de contratos de provimento (artigo 18º, n.º 1), ou (n.º 2) nos casos de substituição temporária de funcionário ou agente, de actividades sazonais, de desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços, e de aumento excepcional da actividade do serviço – sendo que a celebração de contratos de trabalho a termo certo carece sempre de ser comunicada ao Ministério das Finanças, e nos dois últimos casos referidos, ainda de autorização por este Ministério (artigo 21º, n.ºs 1 e 2 do citado Decreto-Lei).

      No aresto ora sob sindicância entendeu-se que, não contendo o Decreto-Lei n.º 427/89 disposição idêntica à que se consagrava no n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 184/86, de 27 de Maio – segundo a qual os contratos a termo certo previstos nesse diploma, qualquer que fosse a sua duração, nunca se converteriam em contratos sem prazo (no...

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