Acórdão nº 49/99 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Janeiro de 1999

Data19 Janeiro 1999
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 49/99

Proc. nº 346/98

  1. Secção

Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional:

I – RELATÓRIO

1. J... foi condenado no 1º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, por sentença de 14 de Janeiro de 1998, na pena de três meses de prisão, pela prática de um crime de furto previsto e punido pelo artigo 201º, nº 1, alínea d), do Código de Justiça Militar.

Dessa decisão recorreu para o Supremo Tribunal Militar, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O Tribunal a quo não fez a aplicação subsidiária do disposto no Código Penal, nomeadamente quanto às atenuantes e quanto à própria pena a aplicar, pelo que violou o art. 5º do Código de Justiça Militar;

2 – A decisão do Tribunal a quo violou o art. 215º.1 da Constituição, fez interpretação errada dos arts. 1º.2 e do art. 201º, ambos do CJM, sendo que este último artigo é inconstitucional por tipificar como crime essencialmente militar o furto de "quaisquer objectos (...) pertencentes a militares", o que é violador não só do referido artigo constitucional, como ainda do art. 213º do mesmo diploma, pois usurpou as competências dos tribunais comuns;

3 – O Tribunal a quo violou os arts. 205º e 213º da Constituição da República Portuguesa, ao usurpar as atribuições e violar a separação de competências jurisdicionais.

4 – O art. 202º e 5º do CJM são inconstitucionais, por chocarem directamente com o estabelecido na Constituição, relativamente ao tratamento mais favorável a dar a um arguido, no seu art. 29º 1.

5 – Finalmente, o art. 201º, 1, d) viola o Princípio da Igualdade – art. 13º da CRP – e o Princípio da Proporcionalidade – art. 18º 2 e 3 da C.R.P. – pois tal situação além de não ser justa, não é equitativa e proporcionada, proporcionando que o arguido seja alvo de tratamento injustificadamente discriminatório.

No seu parecer, o Ministério Público entendeu que o recurso não merecia atendimento, não se verificando as apontadas inconstitucionalidades, apoiando-se para o efeito, nomeadamente, no Acórdão nº 271/97, do Tribunal Constitucional, relativamente à definição de crimes essencialmente militares.

2. Por acórdão de 12 de Março de 1998, o Supremo Tribunal Militar negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

No tocante à questão de inconstitucionalidade do artigo 201º, nº 1, alínea d), do CJM, entendeu-se nesse aresto:

Aos tribunais militares compete, segundo o disposto no artº 215º, nº 1 da C.R.P. (versão de 1982 transitoriamente ainda em vigor) o julgamento dos crimes essencialmente militares, crimes estes que, de harmonia com o artº 1º, nº 2 do Código de Justiça Militar, são os factos que violem algum dever militar ou ofendam a segurança e a disciplina da Forças Armadas, bem como os interesses militares da Defesa Nacional, e que como tal sejam qualificados pela lei militar.

[...]

É, pois, para garantir a existência das Forças Armadas e da missão que constitucionalmente lhes é atribuída, que existem os bens jurídicos militares preservadores dos valores que as enformam: a hierarquia, a coesão, a missão e a segurança.

A violação daqueles bens jurídicos ou destes valores integra um ilícito que pode ser disciplinar ou criminal consoante a sua gravidade e a extensão da ofensa.

É evidente que os crimes essencialmente militares não são todos exclusivos do direito penal militar. Em muitos casos existem semelhanças entre o delito militar e o crime comum, com elementos constitutivos iguais.

Simplesmente, aquele ofende os bens jurídicos que protegem a instituição castrense e este fere a Sociedade no seu todo. Assemelham-se, mas não são iguais.

O furto, subtracção ilícita de coisa alheia é um crime previsto pelo Código Penal.

Porém, quando a subtracção for feita por pessoa integrada ou ao serviço das Forças Armadas ou militares, e a coisa furtada pertencer a estas ou a militares, configura-se um crime essencialmente militar.

Na verdade, nesta hipótese em que o lesado é a instituição militar ou é um militar, são directamente violados os deveres militares de lealdade, fidelidade e camaradagem, violação atentatória dos valores da coesão e da segurança. Atinge-se, por esta forma, directa e primacialmente a disciplina e a segurança das Forças Armadas e os bens jurídicos que as tutelam.

E, consequentemente, aí se concluiu que «o foro militar é o competente para apreciar e julgar a conduta imputada, na acusação, ao recorrente».

Por outro lado, afastou-se a pretendida aplicação de lei mais favorável – a jurisdição penal comum, e que, no entender do recorrente, decorreria forçosamente do disposto no artigo 29º, nº 4, da Constituição, bem como do artigo 5º do CJM -, nos termos seguintes:

Efectivamente, estas normas dispõem sobre a aplicação das leis penais no tempo e mandam que ao caso concreto se aplique a lei mais favorável ao arguido, de entre as que, sucedendo no tempo, incidem no caso sub judicio.

Ora, in casu não existe sucessão de leis, mas sim concorrência de leis vigentes ambas no momento da prática do crime, sendo que a aplicável é obviamente a prevista no C.J.M. dado se tratar de um delito essencialmente militar julgado no foro castrense.

Por fim, quanto à suscitada desproporcionalidade entre as penas previstas na alínea d), do nº 1, do artigo 201º do CJM e as penas previstas na jurisdição comum para o crime de furto, afastou também aquele Supremo Tribunal tal fundamento.

3. É desta decisão que vem interposto...

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