Acórdão nº 35/00 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução18 de Janeiro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 35/00

Proc. nº 673/99

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

1. N. L., cidadão alemão, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1999 (de fls. 248 e segs.), que confirmou a concessão de extradição para a Alemanha decretada pelo Tribunal da Relação do Porto.

2. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi tirado na sequência de pedido formulado pelas competentes autoridades alemãs (fls. 6 e segs.), de autorização dada pelo Ministro da Justiça para o prosseguimento do processo de extradição (fls. 5), e de requerimento apresentado pelo Procurador-Geral Adjunto em funções naquele Tribunal da Relação (fls. 2 e segs.).

N. L. deduziu oposição à extradição (fls. 55 e segs.), nos termos do artigo 57º do Decreto Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro (cooperação judiciária internacional em matéria penal), mas o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Julho de 1999 (fls. 191 e segs.), não julgou procedentes os fundamentos invocados pelo extraditando. O acórdão, na parte que aqui mais releva, transcreve o teor do nº 3 do artigo 49º e o nº 2 do artigo 57º do Decreto-lei nº 43/91, afirmando que "nem o extraditando nem ninguém põe em causa que aquele é a pessoa reclamada, pelo que dúvidas não existem quanto a tal facto". A propósito da afirmação do extraditando de que no pedido de extradição não se faz prova de ser "sócio ou director de várias sociedades na área da construção civil com sede quer em Portugal quer na Alemanha", o Tribunal da Relação do Porto afirmou não lhe assistir razão, porque, entre outros argumentos (fls.198-199), "se trata de um facto imputado ao extraditando sobre o qual, nos termos do art. 49º, nº 3 do mesmo diploma legal, não é admitida prova alguma, o que bem se compreende, uma vez que constitui um facto constante da acusação cuja prova só em sede de julgamento é que deve ser feita".

No recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o extraditando concluiu, para o que agora interessa, o seguinte:

"1.Verifica-se inconstitucionalidade orgânica e formal do Decreto-Lei nº 43/91, por violação do artigo 165º nº 2 da Constituição, porquanto o presente Decreto-Lei extravasa da lei de autorização 17/90.

  1. Também existe inconstitucionalidade material do artigo 49º do Decreto-Lei em mérito por violação do art. 165º, nº 1, alíneas b) e c), do art. 32º, 13º, 15º e 18º da Constituição da República Portuguesa.

  2. De igual forma, há inconstitucionalidade do art. 57º do Decreto-Lei, por violação do art. 165º, nº 1, alínea p), do art. 32º, 13º, 15º e 18º da Constituição.

  3. Ao arguido não foi permitido usar todos os direitos de defesa, não lhe sendo dada possibilidade de nomear um perito da sua confiança, para a realização da perícia,

  4. Não existindo assim possibilidade de contraditório eficaz, o que constitui violação do art. 32º da C.R.P. (...)"

    Nas contra-alegações apresentadas, o Ministério Público refutou a tese da inconstitucionalidade orgânica e negou a existência de inconstitucionalidade material. Quanto a esta última, afirmou, nomeadamente, que "o processo de extradição é um processo formal, com particularidades que o afastam do processo penal", acrescentando o seguinte:

    "Para o recorrente, porém, quer o art. 49º nº 3, quer o art. 57º nº 2 do Decreto-Lei nº 43/91 violam o art. 32º nº 1 da Constituição, segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

    Defende que não estão asseguradas todas as garantias de defessa porque não é possível no processo de extradição ‘ contraditar os factos que são imputados’, só podendo a oposição ‘fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição’.

    Tais asserções desprezam a essência do instituto da extradição. Esta, nas palavras dos constitucionalistas que vimos citando, é a transferência de um indivíduo que se encontra no território de um Estado para as autoridades de outro Estado, a solicitação deste, por aí se encontrar arguido ou condenado pela prática dum crime.

    Ou seja, o extraditado é transferido para o Estado requerente ou para cumprir uma pena ou para ser julgado pela prática dum crime. Será, pois, perante o Estado requerente que ele há-de apresentar a sua defesa, sendo essa a razão por que, no Estado requerido, não é admitida prova alguma sobre os factos que lhe são imputados".

  5. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 248 e segs.) veio, como já se disse, confirmar a concessão de extradição.

    Pelo que toca às inconstitucionalidades invocadas, o acórdão ora recorrido remeteu, no essencial, para as alegações e contra-alegações do Ministério Público e negou a existência de qualquer violação da Constituição.

    Pode ler-se na parte final do acórdão, após a verificação das condições legalmente estabelecidas para a extradição:

    "Importa concluir com a reafirmação de que, como resulta do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, nada impõe que, para se decidir positivamente uma extradição requerida, se deva obter prova conducente a apurar da existência ou suficiência de indícios ou da ocorrência de crime; para a lei portuguesa basta, para desencadear a cooperação internacional, a indicação da factualidade delituosa, com dispensa de juízo sobre a força indiciária ou de comprovação dos factos descritos, o que decorre dos artigos 21º e 30º., n.º 1, do aludido Decreto-Lei.

    Nada se visiona então, no caso em apreço, a interferir na perfectibilidade da tramitação processual desenvolvida, dos fundamentos apresentados em suporte do pedido de extradição formulado e da decisão proferida.

    Donde que e em síntese de tudo quanto foi expendido, tem de improceder o recurso interposto em qualquer das vertentes que nele doutamente se focaram.

    Deixar-se-á ainda assinalado em apontamento terminal que "ex vi" do n.º 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro não perde o Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado apreciar estas hipóteses, a sua natureza de tribunal de revista, nem se esbate ou elimina o princípio geral consagrado no artigo 434º, do Código de Processo Penal, no sentido de que o recurso que para ele, Supremo, se interponha, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

    Por isso, na aludida apreciação, sindicada a justeza na aplicação das normas e as existência ou inexistência de obstáculos juridicos a essa aplicação, não se lhe pode pedir intromissão nos segmentos de facto que tenham sido definidos e cuja relevância aliás, pela índole do instituto da extradição e perante a finalidade que visa, se confina, como se disse, a um "fumus boni juris".

    Desta sorte e pelas expostos fundamentos:

    Nega-se provimento no recurso e confirma-se o douto acórdão recorrido".

  6. Interposto o recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (através do requerimento de fls. 272), visando "a declaração de inconstitucionalidade orgânica do D.L. 43/91 de 22 de Janeiro por violação do art. 165º nº 1 e 2 da Constituição; inconstitucionalidade material do art. 49º e 57 do mesmo Decreto-Lei por violação do art. 165º, 32º, 13º, 15º, e 18º da Constituição; violação do art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; violação do art. 5 nº 2 da Convenção Europeia para evitar a dupla tributação", foi o recorrente notificado para apresentar alegações, o que fez nos termos seguintes:

    "O Decreto-Lei n° 43/91 de 22 de Janeiro, enferma de diversas inconstitucionalidades .

    Vícios que foram suscitados atempadamente na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e com os quais não pode concordar atentas as manifestas e graves consequências que daí resultam para o ora recorrente,

    VEJAMOS:

    DA INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA

    O Decreto-Lei n° 43/91 foi aprovado pelo Governo ao abrigo da Lei de autorização legislativa n° 17/90 de 20 de Julho.

    Diz o art. 1º da Lei de autorização: "Fica o governo autorizado a aprovar um diploma relativo à cooperação judiciária internacional sobre matéria Penal."

    Ora, do art. 165° n° 2 da Constituição, decorre que as leis de autorização legislativa devem sempre indicar a matéria sobre a qual o governo fica autorizado a legislar, a amplitude e o alcance com que o deve fazer e os princípios base, as directrizes ou orientações que devem reger à elaboração do diploma a editar.

    (…)

    Na verdade, a autorização legislativa tal como está configurada, foi sem dúvida um ‘cheque em branco’ ao Governo, que a utilizou para regulamentar matérias que extravasam das suas competências, legislando sobre matérias para as quais necessitava de autorização expressa da Assembleia da República

    De facto, salvo o devido respeito e melhor opinião, a Lei de autorização legislativa deveria concretizar as matérias em que o Governo ficou autorizado a legislar.

    Senão vejamos:

    No presente Decreto-Lei são reguladas matérias sobre direitos, liberdades e garantias do cidadão, nomeadamente, os art. 37°, 38°, 49º, 54°.

    Ora, estas matérias, e salvo melhor opinião, deveriam ser objecto de uma autorização expressa da Assembleia da...

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