Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro de 1991

Decreto-Lei n.º 43/91 de 22 de Janeiro A mobilidade crescente de pessoas entre os territórios dos diferentes Estados, facilitada pelos modernos meios de transporte e pela intensificação das relações de troca comerciais ou mesmo pelo turismo de massas, obriga a repensar, em novos moldes, a problemática da cooperação internacional em matériapenal.

Os fenómenos referidos conduziram a uma constante presença de estrangeiros em processos penais, com os inerentes problemas de comparência em juízo, de adequada defesa e de reinserção social em caso de condenação.

Sendo, em princípio, desejável como factor de progresso nas relações entre os povos, a mobilidade de pessoas que constantemente se deslocam entre os diversos Estados tem sido acompanhada de alguns efeitos indesejáveis, na medida em que dela emergiu uma delinquência de carácter internacional, aproveitando conhecidas limitações dos regimes jurídicos existentes em matéria de competência extraterritorial e assim iludindo ou, pelo menos, dificultando, a aplicação da lei penal, não raro praticando actos criminosos de asseguradaimpunidade.

Este estado de coisas não pode ser contrariado exclusivamente através do clássico recurso à extradição, exigindo formas de cooperação internacional diversificadas que, a um tempo, permitam a efectiva aplicação da lei e os fins ressocializadores das penas e medidas de segurança.

Pelas razões indicadas, desenvolveram-se novos mecanismos de cooperação no domínio das relações bilaterais entre os Estados ou com carácter multilateral, neste caso impulsionados no âmbito de instâncias internacionais como o Conselho da Europa e a Organização das Nações Unidas e, mais recentemente, as Comunidades Europeias.

Abriram-se, deste modo, caminhos para uma cooperação internacional acrescida em matéria penal, entre Estados que defendem os mesmos valores fundamentais e seguem políticas criminais semelhantes.

Essa cooperação tem-se traduzido, nomeadamente, na proliferação de novos instrumentos que possibilitam a transmissão de processos penais entre Estados, a execução de sentenças penais estrangeiras, a transferência de pessoas condenadas para cumprimento de penas e medidas de segurança, a vigilância de pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente e um reforço das formas de auxílio mútuo judiciário em geral.

O decisivo empenho de muitos Estados, particularmente os que são membros do Conselho da Europa, na intensificação de novas formas de cooperação internacional em matéria penal, tem obrigado à introdução nas respectivas ordens jurídicas, de legislação destinada a conferir-lhes a desejada eficácia e a regular as condições em que aquela cooperação pode efectivar-se.

Exemplo relevante desta prática é a Loi fédérale sur l'entraide judiciaire en matière pénale, de 20 de Março de 1981, da Confederação Helvética, que tem servido de modelo para outros Estados, a qual se propõe regular, num único texto, as diferentes formas de cooperação, todas subordinadas a um conjunto de princípios e disposições gerais comuns.

Mais recentemente, o novo Código de Processo Penal italiano dedicou o seu livro XI às relações jurisdicionais com autoridades estrangeiras, nele regulando as extradições, as rogatórias internacionais, a execução das sentenças penais estrangeiras, a execução, no estrangeiro, das sentenças penais italianas e outras relações em matéria de administração da justiça penal.

Outros Estados preparam activamente legislação com os mesmos objectivos, como é o caso da vizinha Espanha; e sabe-se que os novos países democráticos da Europa de Leste manifestam grande interesse pelos trabalhos do Conselho da Europa na matéria. Mais recentemente o Criminal Justice (International Co-operation) Act 1990, do Reino Unido, regula, no seu capítulo 5, algumas das referidas formas de cooperação.

Também o vigente Código de Processo Penal português curou de estabelecer uns tantos princípios e normas nestes domínios (artigos 229.º e seguintes), com especial incidência na disciplina das rogatórias internacionais e na revisão e confirmação de sentenças penais estrangeiras.

Entretanto o nosso país já afirmou tratados sobre transferência de pessoas condenadas com o Reino da Tailândia e com a República da Hungria, bem como um Acordo com a República da Guiné-Bissau, este contemplando, além de outras, diversas formas de cooperação em matéria penal e de contra-ordenações, designadamente a extradição e a execução de sentenças penais.

Enfim, no seio das Comunidades Europeias trabalha-se actualmente na elaboração de projectos de Convenção sobre transmissão de processos penais e sobre execução de sentenças penais estrangeiras.

Aliás, a maior parte dos Estados membros assinou um Acordo relativo à aplicação da Convenção do Conselho da Europa em matéria de transferência de pessoas condenadas.

Por outro lado, a recente Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, de 1988, já assinada por Portugal, suscita novas modalidades de cooperação, designadamente em matéria de auxílio judiciário, extradição e execução de decisões de perda de produtos de crime.

Impõe-se, pelas razões indicadas, que Portugal, a exemplo de outros Estados estrangeiros, passe a dispor de uma lei interna que, como aconteceu com a lei de extradição de 1975, permita regular as restantes formas de cooperação internacional em matéria penal, já que as disposições do Código de Processo Penal constituem um reduzido núcleo de regras de aplicação subsidiária relativamente aos tratados e convenções.

Este o objectivo do presente diploma.

Como não podia deixar de ser, ele inspira-se nos princípios e normas das Convenções Europeias, em ordem a possibilitar a aplicação dos instrumentos internacionais ratificados ou a ratificar por Portugal, sem embargo de servir para mais ampla cooperação internacional, especialmente baseada em relações de carácter bilateral.

Convém notar, a propósito, que Portugal aprovou e ratificou recentemente a Convenção Europeia de Extradição e seus protocolos adicionais e assinou as seguintes Convenções Europeias relativas a outras formas de cooperação: Convenção de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal e respectivo Protocolo Adicional, respectivamente em 10 de Maio de 1979 e 12 de Agosto de 1980; Convenção para a Vigilância de Pessoas Condenadas ou Libertadas Condicionalmente, em 23 de Fevereiro de 1979; Convenção sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais, em 10 de Maio de1979; Convenção para a Transmissão de Processos Penais, também em 10 de Maio de1979; Convenção para a Transferência de Pessoas Condenadas, em 1983.

A aprovação e a ratificação destes instrumentos, excepção feita da Convenção de Extradição e respectivos protocolos, tem sido essencialmente retardada pelo facto de inexistir lei interna que permita adequada aplicação das correspondentes disposições, quer no que respeita à competência das autoridades judiciárias intervenientes quer no que respeita ao próprio processo decooperação.

A necessidade de legislação interna faz-se igualmente sentir, como se disse, no caso dos instrumentos internacionais de carácter bilateral.

O presente decreto-lei abrange, assim, diversas formas de cooperação, partindo dos postulados da moderna política criminal, que se dirige tanto a uma eficaz aplicação da lei penal como a facilitar a reinserção social do delinquente.

Estrutura-se em sete títulos que reúnem, sucessivamente, as disposições gerais e as comuns a todas as formas de cooperação, a extradição, a transmissão de processos penais, a execução de sentenças, a vigilância de pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente e o auxílio judiciário geral.

A finalidade do título respeitante às disposições gerais e comuns consiste na definição do objecto e do âmbito de aplicação do diploma e dos princípios que o enformam, pondo especial ênfase no seu carácter subsidiário relativamente aos tratados e convenções e no princípio da reciprocidade. Esta é concebida como um acto político unilateral do Governo, enquanto instrumento de cooperação jurídica internacional. Sendo condição de aplicação de qualquer tratado, a reciprocidade aqui regulada vale especialmente para os casos de ausência do mesmo; e, uma vez que reflecte o princípio da igualdade entre os Estados, justificado está que se atribua a sua ponderação ao Governo, como responsável pela condução da política geral do País e pela negociação e ajuste das convenções internacionais.

Os requisitos comuns a todas as formas de cooperação internacional relevam do direito internacional público, correspondendo, salvo casos muito limitados, a sua apreciação ao Governo, como sujeito de relações internacionais e, por isso, sem recurso das respectivas decisões.

Este princípio está presente na actual lei interna de extradição, cujo artigo 24.º prevê a fase administrativa e a fase judicial, dispondo que a primeira é destinada à apreciação do pedido, para efeito de o Governo decidir se ele pode ter seguimento ou se deve ser liminarmente indeferido por razões de ordem política ou de oportunidade ou conveniência.

Corolário do princípio é o de que a lei não confere um direito a exigir qualquer forma de cooperação.

Ainda no âmbito dos princípios da cooperação, determinam-se as condições gerais de admissibilidade para todas as formas previstas no diploma, a que hão-de acrescer as condições especiais relativas a cada uma delas em concreto.

Outro princípio relevante consiste na aplicação da lei penal do Estado a quem é atribuída a competência para o procedimento penal ou para a execução das sentenças.

É igualmente estabelecido o princípio da audiência do interessado, exigindo-se mesmo o seu consentimento nos casos de transferência para execução de sentenças que imponham reacções privativas da liberdade.

O título II disciplina a extradição.

Considerou-se, a propósito, não fazer sentido que a matéria continuasse a ser objecto de legislação separada, em primeiro lugar por se tratar de uma forma de cooperação...

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