Acórdão nº 320/01 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Nunes de Almeida
Data da Resolução04 de Julho de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. 641/00 ACÓRDÃO Nº320/01 1ª Secção

Cons.º Vítor Nunes de Almeida

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

I - RELATÓRIO

  1. - J..., constituiu-se assistente no processo crime pela prática de um crime de ofensas corporais, por negligência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 148º, n.ºs 1 e 3, e 143º, al. b), ambos do Código Penal e artigo 58º, n.º 4, do Código da Estrada, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sendo arguido M.... O assistente deduziu, nesse processo, um pedido de indemnização cível contra o arguido e contra a COMPANHIA DE SEGUROS..., S.A pedindo a sua condenação solidária no montante de 27.461.185$00, acrescida de juros de mora legais.

    Nos termos da lei de amnistia entretanto publicada - Lei nº 15/94, de 11 de Maio - o procedimento criminal foi declarado extinto, prosseguindo o processo para apreciação do pedido de indemnização cível deduzido pelo assistente, nos termos dos artigos 71º e seguintes do Código Penal. Por sentença deste tribunal, o pedido foi julgado parcialmente procedente.

    Os demandados recorreram desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 2 de Dezembro de 1998, concedeu parcial provimento ao recurso, decidindo absolver o requerido M... do pedido contra ele formulado e condenar a requerida Companhia de Seguros... a pagar ao demandante cível J... a quantia de Esc: 4.000.000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

    Inconformado, J... recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando que o Código de Processo Penal (CPC) passou a permitir, de novo, duas instâncias de recurso. Para tanto, havia que conjugar o preceituado no artigo 400º, nº1, alínea d), com o disposto na alínea b) do artigo 432º , ambos do CPC, sendo certo que este código se aplica aos processos pendentes, nos termos do que se dispõe no artigo 6º, nºs 1 e 10, da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto.

    O relator, na Relação, por despacho de 26 de Janeiro de 1999, decidiu não admitir o recurso.

    Apresentada reclamação deste despacho de inadmissão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), veio tal reclamação a ser deferida por decisão de 20 de Abril de 1999.

    Admitido o recurso para o STJ, a recorrida seguradora suscitou nas suas alegações a questão prévia da sua inadmissibilidade.

    Por acórdão de 27 de Setembro de 2000, o STJ decidiu rejeitar o recurso interposto, por o considerar inadmissível, de acordo com o preceituado no nº4 do artigo 405º do CPP.

    Considerou para tanto aquele tribunal, que o novo regime de recursos em processo penal, emergente das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, que poderia ser aplicável ao caso dos autos na sequência do disposto na norma transitória do nº1 do artigo 6º, é todavia afastado pela excepção do nº2 do mesmo preceito. De qualquer modo, mesmo a admitir-se tal aplicação, o certo é que não se verificaria qualquer alargamento das possibilidades de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, considerando o recurso da decisão proferida no enxerto cível (mesmo que o valor do pedido ou da sucumbência ultrapassem a alçada da 2ª instância), relativamente ao previsto quanto aos aspectos estritamente penais.

    O STJ fundamentou a decisão pela forma seguinte:

    “Afigura-se porém que essa alteração não implica alargamento da possibilidade de recurso para o S.T.J. da parte da decisão relativa à indemnização civil independentemente do recurso da parte referente ao aspecto estritamente penal, nada de decisivo apontando para a aplicabilidade do nº 2 do art. 400º mesmo nos casos em que o recurso não é admissível por força do que dispõem o nº 1 do mesmo artigo e a norma do art. 432º, al. b), do C.P.P..

    Pelo contrário, põem acentuadamente em causa esse entendimento, nomeadamente:

    - os fundamentos, lógica e regulação do princípio de adesão (cf., nomeadamente, arts. 71º, 72º, 74º, nºs 2 e 3, do C.P.P.), de que resulta a natural predominância da influência dos aspectos penais na regulação do processo, sem prejuízo das garantias necessárias ao exercício dos direitos relativos aos importantes aspectos referentes à indemnização civil;

    - o propósito legislativo de, retomando a «ideia de diferenciação orgânica» nas regras de competência para os recursos penais, condicioná-la ao «princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça», limitando a sua intervenção «a casos de maior gravidade» (cf., v.g., als. c) e e) do citado nº 16 da Exposição de Motivos), «gravidade» esta que deve entender-se como reportando-se à vertente criminal, tendo em conta os objectivos fundamentais do processo penal;

    - o ter sido mantida na norma do nº2 do citado art. 400º a expressão «Sem prejuízo do disposto nos arts. 427º e 432º ...», cuja interpretação mais adequada no contexto da norma e do sistema de recursos penais se afigura ser no sentido do entendimento natural de que a admissibilidade do recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil nos termos do citado nº 2 depende dos termos em que nos arts. 427º e 432º se estabelece a competência da Relação e do S.T.J..

    - Ora resulta da conjugação do art. 432º, al. b), com o disposto no nº1 do art. 400º que não é admissível recurso para o S.T.J. de acórdãos proferidos pelas Relações nos casos integráveis na previsão de cada uma das als. c), d) e) e f) desse nº1 do art. 400º.

    Pelo que se afigura de concluir que a admissibilidade de recurso para o S.T.J. da parte da sentença relativa a indemnização civil, a que se alude o nº2 do art. 400º, está condicionada à competência deste Tribunal tal como essa competência é estabelecida no art. 432º”

  2. - É deste Acórdão que vem interposto o recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tendo como objecto a apreciação da constitucionalidade das normas constantes do artigo 400º, nº 1, alínea d), e n.º 2º, do artigo 432º, ambos do Código de Processo Penal (CPP), e ainda da norma constante do artigo 6º, n.º 2, da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretadas no sentido de “impedir o recorrente de poder ver apreciada num duplo grau de jurisdição a questão versada no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça”.

    Com efeito, considera o recorrente que “o acórdão recorrido, ao interpretar aquelas normas no sentido de impedir o recorrente de ter direito a um duplo grau de jurisdição, está a violar o princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da Constituição da República), na medida em que, sem motivo substancialmente relevante, prejudica – discriminação negativa – o recorrente quer em face daqueles cidadãos que deduziram o pedido de indemnização civil em processo civil, quer relativamente aos cidadãos que, tendo deduzido o pedido de indemnização civil em processo penal, têm a sorte – questão puramente aleatória – de ver o seu pedido julgado posteriormente à entrada em vigor das últimas alterações do Código de Processo Penal

    Produzidas as competentes alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

    “1- As normas contidas nos nºs 1, d) e nº2 do artigo 400º e do artigo 432º do Código de Processo Penal, e ainda as normas do artigo 6º nº 2 da Lei nº 59/98 de 25 de Agosto, quando interpretadas no sentido de impedir o Recorrente de ter direito a um duplo grau de jurisdição violam o princípio constitucional da igualdade definido no artigo 13º da Constituição da República na medida em que, sem motivo relevante prejudica o recorrente quer em face dos cidadãos que deduziram o pedido de indemnização em processo civil quer relativamente aos cidadãos que, tendo deduzido tal pedido em processo penal têm a sorte, - questão puramente aleatória – de ver o seu pedido julgado posteriormente à entrada em vigor das últimas alterações ao Código de Processo Penal.

    2- a questão que vem agora à apreciação de V. Exas., Senhores Conselheiros, é precisamente a de, a nosso ver, tanto o despacho do senhor Desembargador Relator da Relação do Porto, que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como o acórdão proferido por este último Tribunal – de resto, ao contrário do que havia sido decidido pelo Exmo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – terem ofendido:

    · por um lado, o princípio da proporcionalidade;

    · e, por outro, o princípio constitucional da igualdade.

    3- Conforme o que vem sendo decidido pelo Tribunal Constitucional, o princípio constitucional da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se nesta ideia central:

    · o que se proíbe ao legislador não é estabelecer distinções;

    · porque o que na verdade o legislador não pode fazer é estabelecer na sua ordem jurídica distinções de tratamento materialmente infundadas, irrazoáveis ou sem justificação objectiva e razoável.

    4- no caso em apreço, a interpretação que o acórdão do Supremo Tribunal de...

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