Acórdão nº 95/01 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Março de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução13 de Março de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 95/01

Processo n.º 626/2000

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. O MINISTÉRIO PÚBLICO na comarca de Seia interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma constante da última parte do § único do artigo 67º do Decreto n.º 44.623, de 10 de Outubro de 1962.

      Fá-lo, porque, na referida comarca, o Juiz, na sentença de 3 de Julho de 2000, que proferiu na sequência do julgamento a que foi submetido, em processo sumário, LR, acusado, além do mais, da prática de um crime de pesca em época de defeso e em zona de pesca reservada (previsto e punível pelos artigos 5º, 64º e 67º do referido Decreto n.º 44.623, de 10 de Outubro de 1962), recusou aplicação, por o julgar inconstitucional, à parte final do dito § único do mencionado artigo 67º, absolvendo o arguido da acusação.

      Neste Tribunal, o PROCURADOR-GERAL ADJUNTO aqui em funções concluiu como segue a sua alegação:

    2. Uma norma penal que estabeleça uma pena fixa é inconstitucional, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição), da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da Constituição) e da igualdade (artigo 13º da Constituição).

    3. Podendo o juiz recorrer aos institutos de natureza geral existentes no Código Penal (designadamente, o da atenuação especial da pena e o de dispensa de pena), a pena prevista na parte final do parágrafo único do artigo 67º do Decreto n.º 44.623, de 10 de Outubro de 1962, apenas tendencialmente será fixa.

    4. Dessa forma, e situando-se a norma no âmbito do direito penal da defesa do ambiente e de ecologia, ela não é inconstitucional, dado não violar qualquer dos princípios constitucionais mencionados na conclusão 1ª.

    5. Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade da norma desaplicada.

      O RECORRIDO não alegou.

    6. Cumpre decidir.

  2. Fundamentos:

    1. O caso dos autos:

      O arguido – recorda-se – foi acusado (entre o mais) da prática de um crime de pesca em época de defeso e em zona de pesca reservada (previsto e punível pelos artigos 5º, 64º e 67º do Decreto n.º 44.623, de 10 de Outubro de 1962).

      Importa, então, reter o seguinte:

      (a). o arguido LR, no dia 1 de Julho de 2000, foi surpreendido a pescar na Lagoa Comprida (serra da Estrela, concelho de Seia), tendo já pescado 15 trutas arco-íris e 2 bordalos, na altura em que foi encontrado;

      (b). a Lagoa Comprida é zona de pesca reservada, criada como tal pela Portaria n.º 1.081/99, de 16 de Dezembro, ao abrigo do preceituado nas bases XXIX e XXXIII da Lei n.º 2.097, de 6 de Junho, e no artigo 5º do citado Decreto n.º 44.623;

      (c). o arguido apenas possuía licença de pesca desportiva de âmbito nacional, e não licença de pesca desportiva válida para o concelho de Seia e licença especial diária para a zona de pesca reservada das lagoas da serra de Estrela, como exige o n.º 1 do Regulamento da Zona de Pesca Reservada das Lagoas da Serra da Estrela, anexo à citada Portaria n.º 1.081/99, de 16 de Dezembro;

      (d). por força do que dispõe o n.º 3 do mencionado Regulamento, a pesca só pode ser praticada na Lagoa Comprida, em período situado entre 1 de Maio e 30 de Setembro, "sendo estabelecidos por edital da Direcção-Geral das Florestas, dentro do referido período, os períodos de pesca para as diferentes espécies aquícolas";

      (e). esse edital – prescreve o n.º 4 do mesmo Regulamento – deve definir, entre o mais, as espécies aquícolas que podem ser capturadas e os respectivos períodos de pesca;

      (f). na data em que ocorreram os factos dos autos (1 de Julho de 2000), ainda não tinha sido afixado o edital a permitir a pesca na Lagoa Comprida.

      Como ainda não tinha aberto a pesca na Lagoa Comprida, onde o arguido foi apanhado a pescar na data e condições indicadas, pois que ainda não tinha sido afixado o necessário edital, a sentença concluiu que ele se dedicava ao exercício da pesca em época de defeso e que o fazia numa zona de pesca reservada, por isso que concorria esta circunstância agravante: a de a pesca ter lugar em águas onde ela é reservada.

      Entendeu, assim, a sentença que, com a sua conduta, o arguido cometeu o crime de pesca em época de defeso, tipificado no artigo 64º do referido Decreto n.º 44.623, de 10 de Outubro de 1962 (alterado pelos Decretos nºs 312/70, de 6 de Julho, 315/71, de 13 de Fevereiro, Decreto Regulamentar n.º 18/86, de 20 de Maio, e Decreto Regulamentar n.º 11/89, de 27 de Abril) – diploma que foi editado para dar execução à mencionada Lei n.º 2.097, de 6 de Junho de 1959, que contém as Bases do Fomento Piscícola nas Águas Interiores –, uma vez que, nas zonas de pesca reservada, que são criadas por portaria (cf. artigo 5º do referido Decreto n.º 44.623), a pesca desportiva só é permitida nos termos dos respectivos regulamentos (cf. o parágrafo 2º do artigo 4º do mesmo Decreto n.º 44.623) – o que significa que, no caso, o arguido só podia pescar na Lagoa Comprida, depois de afixado o edital a abrir o período de pesca e possuindo as licenças atrás indicadas.

      Ora – dispõe o artigo 64º do mesmo Decreto n.º 44.623 –, a pesca nas épocas de defeso constitui crime punível com pena de prisão de dez a quarenta dias e multa de 100$00 a 5.000$00.

      Abre-se aqui um parêntesis para deixar nota de que – por força do que dispõe o assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/83, de 21 de Outubro (publicado no Diário da República, I série, de14 de Novembro de 1983) – o montante da multa foi, entretanto, actualizado pelos Decretos-Leis nºs 667/76, de 5 de Agosto e 131/82, de 23 de Abril.

      O crime de pesca em época de defeso (previsto e punível pelo mencionado artigo 64º) – que, segundo a sentença, foi o que o arguido cometeu – é agravado, sendo-lhe, então, aplicável o máximo da pena prevista no artigo 64º, quando praticado, como no caso aconteceu, numa zona de pesca reservada: é o que preceitua o artigo 67º e seu parágrafo único do dito Decreto n.º 44.623.

      De facto, o artigo 67º e seu parágrafo único dispõem:

      Constitui circunstância agravante das infracções previstas e punidas pelos artigos 61º, 63º, 64º e 65º o facto de terem sido praticadas de noite ou em águas onde a pesca for proibida, reservada ou objecto de concessão.

      Parágrafo único. Quando concorra qualquer destas agravantes, as penas previstas no artigo 61º nunca poderão ser inferiores a seis meses de prisão e a 5.000$00 de multa. Nos casos dos artigos 63º, 64º e 65º, serão aplicados os máximos das penas.

    2. A norma sub iudicio:

      Foi, justamente, a parte final do parágrafo único do artigo 67º, acabado de transcrever – ou seja: o segmento dele que manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64º para o crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada - que a sentença recorrida desaplicou, com fundamento em que nela se comina uma pena fixa, o que – sublinha a mesma sentença – viola o princípio da culpa, por isso que é inconstitucional.

      É, pois, a norma que consta da parte final do parágrafo único do mencionado artigo 67º que constitui objecto do presente recurso.

    3. A questão de constitucionalidade:

      5.1. Como este Tribunal...

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