Acórdão nº 77/01 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Fevereiro de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 77/01

Procº nº 415/2000.

2ª Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

I

1. Pelo Tribunal Cível da comarca do Porto intentaram o Licº JC e mulher, MC, contra MO acção, seguindo a forma de processo sumário, e por intermédio da qual visavam que fosse decretada a resolução de um contrato de arrendamento celebrado entre os autores e a ré e incidente sobre o rés-do-chão de um prédio urbano sito nos números 230 a 236 da Rua Passos Manuel e 113 a 117 da Rua de Santo Ildefonso, no Porto, contrato esse destinado ao comércio de perfumaria, lingerie, bijuterias e roupas de criança, sendo que a ré teria cedido a outrem a exploração de um estabelecimento comercial instalado no locado sem que tivesse obtido autorização dos locadores ou lhes tivesse efectuado qualquer comunicação.

Por sentença proferida em 13 de Setembro de 1999 pelo Juiz do 5º Juízo daquele Tribunal foi a acção julgada procedente, o que consequenciou que do assim decidido recorresse a ré para o Tribunal da Relação do Porto.

Na alegação que produziram os autores apresentaram, por entre outras, as seguintes «conclusões»:-

"Quanto à questão prévia:

1ª - A decisão proferida nos autos não é susceptível de recurso, em face do disposto no nº 5 do artº 678º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro;

2ª - Com efeito, o nº 1 o artº 57º do RAU foi tacitamente revogado pelo nº 5 do artº 678º referido, de harmonia com o preceituado no nº 2 do artº 7º do Código Civil;

........................................................................................................................................................................................................................................................................................6ª - De qualquer modo, foi intenção inequívoca do legislador, ao editar o citado nº 5 do artº 678º, revogar o nº 1 do artº 57º do RAU;

7ª - Se assim não fosse, o nº 5 do artº 678º referido seria materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, sendo certo que não existe qualquer fundamento material para que o nº 5 do artº 678º abranja apenas a hipótese de decisão proferida em qualquer outra acção que não de despejo, deixando de fora a hipótese de decisão que, em acção de despejo, aprecie a validade ou a subsistência de contrato de arrendamento não para habitação.

8ª - Assim, há que fazer uma interpretação conforme à Constituição a decidir-se que o nº 1 do artº 57º do RAU foi revogado pelo nº 5 do artº 678º do Código de Processo Civil.

Quanto ao fundo:

9ª - A alínea f) do artº 1038º do Código Civil abarca, na sua previsão, todas as possíveis formas de transmissão do gozo da coisa arrendada;

10ª - A letra da citada alínea abrange, pois, a cedência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial instalado em imóvel arrendado;

11ª - A cessão onerosa de estabelecimento comercial ou industrial envolve, necessariamente, uma sublocação, pelo que está contida na proibição de sublocação sem autorização do senhorio;

12ª - O nº 1 do artº 11º do RAU, ao dispor que o contrato referido na conclusão 10ª não é havido como arrendamento, aplica-se tão só nas relações entre o cedente e o cessionário, em nada afectando a relação jurídica de arrendamento, entre o senhorio e o arrendatário-cedente;

.........................................................................................................................................................................................................................................................................................

21ª - A entender-se que a cessão onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial não cabe na citada alínea f) do artº 1038º do Código Civil, seja pela letra e pelo espírito, seja por insusceptibilidade de extensão analógica, então ela é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, sendo certo que aquela hipótese merece o mesmo tratamento que todas as restantes previstas no citado preceito legal;

..........................................................................................................................................................................................................................................................................................

25ª - Quando se interprete o nº 1 do artº 115º do RAU em termos de o estender analogicamente à cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial, tal preceito será materialmente inconstitucional, por violação do princípio d igualdade, sendo certo que os valores em presença não justificam o mesmo tratamento conferido pelo dito artº 115º, nº 1;

26ª - A mesma conclusão de inconstitucionalidade material, por violação do mesmo princípio, é de imputar a qualquer princípio ou regra de interpretação que conduza a aplicar à cessão da exploração o mesmo regime previsto para o trespasse: a desnecessidade de autorização do senhorio para a sua celebração.

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2. O Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 18 de Janeiro de 2000, entendeu que nada obstaria ao conhecimento do recurso, pois que o artº 57º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321- -B/90, de 15 de Outubro, continuava em vigor, mesmo após a alteração do Código de Processo Civil (reportadamente ao seu artº 678º) emergente dos Decretos-Leis números 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro.

Desse despacho reclamaram os autores para a conferência.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 4 de Maio de 2000, indeferiu a reclamação para a conferência e julgou procedente a apelação, em consequência absolvendo a ré do pedido.

Para tanto, e no que ora releva, entendeu-se, por um lado, que não era de censurar o despacho lavrado em 18 de Janeiro de 2000 pelo Desembargador Relator e, por outro, que a cessão de exploração de estabelecimento comercial não tinha de ser precedida de autorização do senhorio nem de ser comunicada a este, sendo que as normas constantes das alíneas f) e g) do artº 1038 do Código Civil não padeciam de inconstitucionalidade.

É deste aresto que, pelos autores e com fundamento na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem interposto o vertente recurso, por intermédio do qual pretendem ver apreciada a desconformidade constitucional das normas ínsitas no vigente nº 5 do artº 678º do Código de Processo Civil, "na interpretação segundo a qual esse preceito não revogou o nº 1 do artº 57º do Regime de Arrendamento Urbano" e nas alíneas f) e g) do artº 1038º do Código Civil "na interpretação segundo a qual a cessação da exploração (ou locação) de estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado não se encontra abrangida na hipótese das referidas alíneas, em termos de a sua validade não estar condicionada à prévia autorização do senhorio e de o arrendatário não estar sujeito ao dever de comunicação ao senhorio após a sua realização, pelo que nenhuma dessas faltas constitui o fundamento de despejo previsto na alínea f) do nº 1 do artº 64º do RAU", interpretações essas que, na óptica dos recorrentes, serão violadoras do princípio da igualdade.

3. Determinada a feitura alegações, os recorrentes remataram as por si produzidas do jeito seguinte:-

"1ª - A decisão proferida nos autos em 1ª instância não é susceptível de recurso, em face do disposto no nº 5 do artº 678º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro;

2ª - Com efeito, o nº 1 do artº 57º do RAU foi tacitamente revogado pelo nº 5 do artº 678º referido, de harmonia com o preceituado no nº 2 do artº 7º do Código Civil;

3ª - Tal revogação resulta da incompatibilidade entre os dois preceitos referidos, sendo certo que foi propósito da nova redacção da processual alterar a admissibilidade dos recursos independente do valor da causa e da sucumbência previsto no artº 57º do RAU, nos termos definidos no nº 5 do artº 678º do Código de Processo Civil;

4ª - O nº 5 do artº 678º citado consagra um regime especial de admissibilidade de recursos de decisões judiciais e constitui excepção ao regime regra estabelecido no nº 1 do mesmo artº 678º;

5ª - Em consequência, não pode dizer-se que ocorre a situação prevista no nº 3 do artº 7º do Código Civil, uma vez que a revogação não foi operada por uma lei geral mas antes por uma lei especial; na realidade, o nº 5 do artº 678º do Código de Processo Civil é norma tão especial quanto o é a norma do artº 57º, nº 1, do RAU;

6ª - De qualquer modo, foi intenção inequívoca do legislador, ao editar o citado nº 5 do artº 678º, revogar o nº 1 do artº 57º do RAU;

7ª - O entendimento contrário subscrito no acórdão ora recorrido implica a inconstitucionalidade material do nº 5 do artº 678º referido, conjugação com o nº 1 do artº 57º do RAU, por violação do princípio constitucional da igualdade, sendo certo que não existe qualquer fundamento material para que o nº 5 do artº 678º abranja apenas a hipótese de decisão proferida em qualquer outra acção que não de despejo, deixando de fora a hipótese de decisão que, em acção de despejo, aprecie a validade ou a subsistência de contrato de arrendamento não para habitação;

8ª - A alínea f) do artº 1038º do Código Civil abarca, na sua previsão, todas as possíveis formas de transmissão do gozo da coisa arrendada;

9ª - A letra da citada alínea abrange, pois, a cessão onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial instalado em prédio arrendado;

10ª - A cessão onerosa de exploração de estabelecimento comercial ou industrial envolve...

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