Acórdão nº 458/02 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução05 de Novembro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 458/02

Pcº. nº 299/99

Plenário

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

I

O pedido e os seus fundamentos

1. O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira pede a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 1º e 2º do Decreto Legislativo Regional nº 10/99/M, de 11 de Março, por entender que colidem, por vício de procedimento, com um princípio fundamental das leis gerais da República, constante das disposições conjugadas do artigo 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 53-A/98, de 11 de Março, e do artigo 3º, alínea h), do Decreto-Lei nº 83/98, de 3 de Abril. Requer ainda que essa ilegalidade atinja, consequencialmente, as restantes normas do diploma sob sindicância.

2. Alega, em síntese, o requerente:

– o quadro normativo que estabelece e disciplina, no âmbito regional, o estatuto remuneratório dos profissionais de saúde, designadamente do pessoal da carreira médica e do pessoal da carreira de enfermagem, não prevê que a estes seja aplicado um regime específico quanto à concessão de subsídios de risco e penosidade, achando-se, portanto, os mesmos submetidos, neste particular domínio, ao regime geral da função pública;

– extrai-se esta inferência não só da Lei nº 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), segundo a qual os profissionais de saúde «estão submetidos às regras próprias da administração pública» (Base XXXI, nº 1), como também do Decreto Legislativo Regional nº 21/91/M, de 7 de Agosto, que aprovou o Estatuto do Sistema de Saúde da Região Autónoma da Madeira, cujo artigo 16º, nº 1, estabelece que «o pessoal do Serviço Regional de Saúde tem estatuto da função pública, com as modificações impostas pela legislação especial, tendo em vista a natureza própria das actividades de saúde e a responsabilidade dos seus profissionais» e ainda do Decreto Regulamentar Regional nº 27/92/M, de 24 de Agosto (com as alterações introduzidas pelos Decretos Regulamentares Regionais nºs. 6-B/93/M, de 25 de Março, e 10/95/M, de 4 de Abril), nos termos do qual o «pessoal do Serviço Regional de Saúde participa das carreiras profissionais estabelecidas em nível nacional, com as adaptações aconselháveis pelo condicionalismo específico regional» (artigo 12º, nº 1);

– do mesmo modo, o Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março – alterado pelos Decretos-Leis nºs 29/91, de 11 de Janeiro, 210/91, de 12 de Junho, 114/92, de 4 de Junho, 396/93, de 24 de Novembro e 198/97, de 2 de Agosto – que aprova o regime das carreiras médicas, nada estabelece sobre a concessão ao pessoal destas carreiras de um eventual subsídio de risco e penosidade, prescrevendo-se no seu artigo 62º que, em tudo quanto não esteja expressamente previsto naquele diploma, é aplicável «o disposto no Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro», no qual se define e estabelece o regime geral da função pública;

– paralelamente, o Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 34/98, de 18 de Fevereiro, que aprovou o regime legal da carreira de enfermagem, ao regular nos artigos 57º a 62º a matéria dos «incentivos e bonificações» a conceder ao pessoal nela integrado, também não prevê a atribuição de qualquer subsídio com a natureza daquele a que se reporta o decreto em apreciação;

– daqui conclui-se que, inexistindo nos diversos diplomas que definem o estatuto dos profissionais de saúde disposições específicas sobre subsídio de risco e de penosidade, lhes deverão ser aplicáveis as disposições que, nesta matéria, constituem o regime geral da função pública;

– os princípios gerais que disciplinam o emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Administração Pública constam do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, aprovado ao abrigo de credencial parlamentar, dada a sua natureza de normação respeitante a bases do regime e âmbito da função pública, inserta na área da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, diploma este aplicável também às administrações regionais autónomas;

– ora, segundo o artigo 15º, nº 1, deste último diploma, o sistema retributivo da função pública é composto por remuneração base, prestações sociais e subsídio de refeição e suplementos, sendo que, como decorre do nº 2, «não é permitida a atribuição de qualquer tipo de abono que não se enquadre nas componentes referidas no número anterior»;

– a matéria dos suplementos acha-se regulada no artigo 19º do mesmo decreto-lei, nos termos do qual, sendo atribuídos em função de particularidades específicas da prestação de trabalho, só podem ser considerados os que se fundamentem nas diversas situações ali previstas entre as quais se inclui o «trabalho prestado em condições de risco, penosidade ou insalubridade» [alínea b) do nº 1], sendo que, como resulta do nº 3 do mesmo preceito, a fixação das condições de atribuição desses suplementos é estabelecida mediante decreto-lei;

– o Decreto-Lei nº 184/89 veio a ser adaptado à Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Regulamentar Regional nº 1/90/M, de 2 de Março, sem que haja sido introduzida naquele regime qualquer alteração relativamente às remunerações suplementares;

– por seu turno, o Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, que, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei nº 184/89, aprovou o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública, sendo também aplicável à Administração Regional Autónoma, «sem prejuízo da possibilidade de os competentes órgãos introduzirem as adaptações necessárias», não definiu qualquer regime específico sobre os fundamentos de atribuição de suplementos – remetendo, neste domínio, para o Decreto-Lei nº 184/89 – nem, tão pouco, sobre o regime e as condições de atribuição de cada suplemento, que transferiu para um quadro normativo ulterior, a estabelecer por decreto-lei;

– as condições de atribuição dos suplementos de risco, penosidade e insalubridade vieram a ser definidas, no desenvolvimento do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei nº 184/89, pelo Decreto-Lei nº 53-A/98, diploma este que, aprovado ao abrigo do diposto no artigo 112º, nº 5 da Constituição, se apresenta com a natureza de lei geral da República, havendo participado na sua elaboração os órgãos de governo próprio das regiões autónomas e, como decorre do seu artigo 2º, é nestas aplicável;

– em complementaridade com este diploma, veio a ser aprovado o Decreto-Lei nº 83/98, que do mesmo modo se assume como lei geral da República, havendo participado também no respectivo procedimento formativo os órgãos de governo próprio das regiões autónomas, diploma este igualmente aplicável nestas regiões;

– o Decreto-Lei nº 83/98 criou o Conselho de Saúde e Segurança no Trabalho para a Administração Pública, em cuja composição figuram dois representantes designados pelos Governos Regionais em matérias de interesse para as regiões autónomas, havendo os representantes da Região Autónoma da Madeira sido designados pela Resolução do Governo Regional nº 482/98, publicada no Jornal Oficial, I Série, nº 24, de 29 de Abril de 1998;

– entre as competências deste Conselho, inscreve-se a obrigatória intervenção no processo de atribuição de suplementos remuneratórios e outras compensações que se fundamentem na prestação de trabalho em condições de risco, penosidade ou insalubridade;

– com efeito, como decorre no artigo 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 53-A/98, as propostas de atribuição dos suplementos de risco e penosidade «deverão ser fundamentadas através dos serviços competentes do ministério da tutela e dependem de parecer do Conselho de Saúde e Segurança no Trabalho para a Administração Pública», parecer esse cuja emissão é obrigatória como bem resulta do artigo 3º, alínea h), do Decreto-Lei nº 83/98;

– tem-se por seguro que tais dispositivos encerram princípios fundamentais cuja disciplina não pode deixar de ser observada como parâmetro de limitação e condicionamento da legislação regional, por impositiva decorrência dos artigos 227º, nº 1, alínea a), da Constituição e 29º, nº 1, alínea c), da Lei nº 13/91, de 5 de Junho;

– com efeito, com a instituição do regime definido naquelas leis gerais visou-se garantir a uniformidade de um sistema aplicável, em certas das suas regras, a todo o território nacional, nomeadamente no respeitante à concretização das funções que se devem ter por exercidas em condições de risco, penosidade ou insalubridade [artigo 4º, nº 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei nº 53-A/98], à sua graduação [artigo 11º, nº 2, alínea b), do mesmo diploma], à definição dos tipos de compensação a atribuir e sua concretização [artigos 5º e 11º, nº 2, alínea c), ainda do Decreto-Lei nº53-A/98] e à obrigatória intervenção em tal processo do Conselho de Saúde e Segurança no Trabalho para a Administração Pública [artigo 3º, alínea h), do Decreto-Lei nº 83/98];

– na decorrência do exposto, a audição deste Conselho apresentava-se, desde logo, como acto instrumental constitutivo obrigatório do respectivo procedimento legislativo;

– todavia, a Assembleia Legislativa Regional, não obstante haver criado no diploma em causa «um subsídio de risco e penosidade destinado aos profissionais de saúde que sejam encarregados do acompanhamento de doentes fora da Região para fins de transferência hospitalar, tratamento ou meios complementares de dioagnóstico» (artigo 1º), dispensou-se de concretizar tal audição, que manifestamente se assume como diligência obrigatória imposta por um princípio fundamental de leis gerais da República, omissão essa que resulta claramente da circunstância de não figurar na exposição preambular qualquer menção indicativa a tal respeito, daí se devendo extrair a presunção de incumprimento desse pressuposto essencial à validade do acto legislativo;

na verdade, a propósito de situações de audição similares, radicadas embora em normas constitucionais, foi firmada pelo Tribunal Constitucional uma orientação jurisprudencial firme e reiterada (cfr...

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