Acórdão nº 374/02 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução26 de Setembro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 374/02

Processo nº 321/01

  1. Secção

Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Subdirector-Geral da Direcção-Geral do Património, de 3 de Abril de 1998 – proferido ao abrigo de competência delegada e subdelegada pelo Despacho nº 44/DG/96, de 10 de Dezembro de 1996, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Janeiro de 1997 – que, sob a invocação do disposto no artigo 8º do Decreto-Lei nº 23 465, de 18 de Janeiro de 1934, determinou a desocupação da casa do Estado que usufruía, sob pena de ter lugar o respectivo despejo administrativo.

O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL), por decisão de 5 de Janeiro de 2000, negou provimento ao recurso, o que levou o interessado a recorrer para a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tendo, nas respectivas alegações, suscitado a questão da inconstitucionalidade daquela norma, por alegada violação do nº. 2 do artigo 34º e do artigo 65º, ambos da Constituição da República (CR).

Aquele Tribunal, no entanto, por acórdão de 29 de Março de 2001, viria a negar provimento ao recurso, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Inconformado, A recorreu desse aresto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do citado artigo 8º que entende violar os aludidos preceitos constitucionais.

Recebido o recurso, em sede de alegações pronunciaram-se recorrente e recorrido.

Formulou o primeiro as seguintes conclusões:

"1- Não podem, razões de índole quantitativa e economicista, afrontar um direito de cariz fundamental, como o é, o direito à habitação.

2- Reforça aquela premissa, a inviolabilidade do domicilio, consagrada no artº. 34 nº 2 da CRP.

3- Qualquer norma, que viole o esqueleto de princípios que suportam a estrutura dos direitos mais básicos da nossa organização judiciária e social, e nomeadamente do direito à habitação, destabiliza o projecto de implementação de uma política habitaciona1, estável, coerente, equitativa e não discricionária, e é incapaz de se integrar no modelo jurídico que é hoje preconizado.

4- O artº. 8° do D.L. n.º. 23465 de 18/01/1934, é uma norma sexagenária e autista, que limita de forma perigosa a subordinação pacífica e necessária, que o artº. 266° n° 2 alínea e) impõe, e que inflama, implacavelmente, uma já, de per si, precária situação, potenciando a existência de situações jurídicas extremamente voláteis.

5- Tal volatilidade é inequivocamente originada na violação dos citados preceitos constitucionais, o artº. 65° e o artº. 34° n° 2.

6- A defesa de uma norma que transforma precariedade em agressão, que legitima a desconsideração dos direitos do cidadão é imprudente e inconstitucional.

7- A cessão a título precário veicula o despejo administrativo, não na mera avaliação dos pressupostos e seu decretamento, mas na sua execução.

8- O princípio da reserva da função jurisdicional, proíbe que seja a administração por sua decisão a promover a entrada das autoridades policiais ou administrativas no domicílio dos cidadãos.

9- O artº. 8° não respeita a lei. Potencia a agressão dos direitos, merece a adequada punição, a materializar-se no juízo de inconstitucionalidade que já comporta, por violação dos artºs. 34°, nº 2, 65° e 202°, todos da Constituição da República Portuguesa."

Por sua vez, o Director-Geral do Património concluiu do seguinte modo as suas contra-alegações:

"1. O art. 8° do Dec.-Lei n.o 23456, de 18/01/1934, não prevê relações locatícias, sendo irrelevante, para efeitos da apreciação da constitucionalidade, que possam existir outros institutos jurídicos (com outras formas de protecção jurídica) alheios à norma objecto de fiscalização;

  1. O art. 65° da CRP é uma norma programática e não exequível por si mesma, exigindo uma intervenção da lei e de decisões políticas e administrativas;

  2. A eficácia jurídico-constitucional do art. 65° da CRP limita-se à obrigação do Estado em definir e promover políticas de urbanização e habitação e não à atribuição dos seus imóveis aos cidadãos;

  3. O art. 65° da CRP não impõe ao Estado a obrigação de não executar o despejo dos seus imóveis precária e ilegalmente ocupados por alguns particulares, não estando, por isso, o art. 8° do Dec.-Lei nº. 23465, de 18/01/1934, ferido de inconstitucionalidade;

  4. É duvidoso que o alcance da inviolabilidade do domicílio abranja residentes ou domiciliados sem qualquer título legitimador do domicílio;

  5. O regime de direito privado só se aplicará aos bens do domínio privado do Estado caso o interesse público não seja posto em cheque com tal aplicação - Vide art. 1304°, in fine, do Código Civil;

  6. O art. 8° do Dec.-Lei n.o 23 465 é uma norma especial destinada ao tratamento de um acto de direito público, incluindo-se no que o Prof. Doutor Marcello Caetano denominou "regime administrativo de direito privado";

  7. O acto que ordena a entrega dos bens previsto no mencionado art. 8° não é um acto jurisdicional, mas sim administrativo, pois não visa dirimir um conflito de interesses, antes visando prosseguir os fins de interesse público que ao Estado incumbe realizar;

  8. Inserindo-se tal acto na função administrativa, o mesmo deverá ser declarado pela Administração Pública e não pelos Tribunais, não existindo, assim, qualquer usurpação de poder;

  9. O acto consagrado na norma ora objecto de fiscalização goza do chamado privilégio da execução prévia, isto é, faculdade que assiste à Administração Pública em executar as suas decisões antes da discussão nos Tribunais, atendendo à prevalência de certos interesses de natureza pública...

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