Acórdão nº 00224/13.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município do Porto, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por PJPA, tendente, em síntese e designadamente, a anular “do ato de despejo praticado pela Câmara Municipal do Porto”, inconformado com o Acórdão proferido em 14 de setembro de 2017 (Cfr. fls. 279 a 294 Procº físico) que julgou “procedente a presente Ação administrativa, e consequentemente, anulou o ato sob impugnação”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formulou o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, apresentadas em 23 de outubro de 2017, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 312 a 314 Procº físico): “1. O Tribunal a quo, no douto acórdão recorrido, julgou procedente a presente ação e, consequentemente, anulou o ato administrativo sob impugnação por considerar que a Lei nº 21/2009 não prevê, nem permite, ao aqui Recorrido fazer cessar o direito de habitação do Autor com o fundamento da demolição do prédio onde se situa o fogo camarário, nem prevê, nem permite, a possibilidade de o Réu decidir pela não atribuição ao Autor de qualquer outro fogo camarário no Município do Porto.

  1. A Lei nº 21/2009 veio revogar o Decreto 35 106, de 6 de Novembro de 1945, e estabelecer um regime transitório que veio a vigorar até à entrada em vigor da Lei 81/2014. Esse regime transitório, em vigor à data em que o Recorrente proferiu o ato administrativo em crise, limitava-se a dispor, sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, quais os fundamentos em que a entidade proprietária dos imóveis cedidos poderia fundar a decisão de cessação da utilização do fogo atribuído.

  2. Da análise desse regime, designadamente do artigo 3º dessa Lei nº 21/2009, poderemos aferir que esses fundamentos prendem-se com ações, ou omissões, do titular da licença habitacional que, violando as suas obrigações enquanto arrendatário, tornam, assim, inexigível à outra parte – entenda-se, o senhorio – a manutenção do arrendamento. Ou seja, quando a Lei nº 21/2009 estabelece, no seu artigo 3º, as causas de cessação que constam das suas alíneas, está a estabelecer e a determinar, quais as causas de resolução pelo senhorio.

  3. Quanto à caducidade, por a Lei nº 21/2009 ser omissa quanto a esse tipo ou modo de cessação, entende o aqui Recorrente ser aplicável o disposto no Código Civil, já que, e pese embora a disciplina específica do contrato de arrendamento apoiado, o mesmo constitui um contrato de locação, em que se poderá estabelecer, pelo menos até um elevado grau, o paralelismo de regime com o arrendamento urbano habitacional civilístico.

  4. Ora, a demolição do imóvel – decidida por deliberação da Assembleia Municipal que não foi alvo de impugnação pelo que se encontra juridicamente consolidada –, neste caso das torres que compõe o bairro do Aleixo onde se insere o fogo habitacional em causa, acarreta a impossibilidade de prestação de gozo da coisa, pelo que terá de implicar a extinção do vínculo por caducidade, nos termos da alínea e), do artigo 1051º do Código Civil.

  5. Quanto à decisão de não atribuir ao Autor o direito de ocupação de qualquer outro fogo atento o não uso da habitação pelo mesmo por período superior a seis meses, nos termos do disposto na alínea f), do nº 1, do artigo 3º da Lei nº 21/2009, o Recorrente entende que também aqui, o ato administrativo não padece de qualquer vício.

  6. Conforme deliberação da Assembleia Municipal, a todos os moradores do bairro do Aleixo que cumpram os requisitos de inquilino municipal, isto é, a todos aqueles em relação aos quais não exista causa de resolução da licença habitacional, será garantia a transferência para uma nova habitação social camarária.

  7. Tal decisão prende-se com a garantia de uma transferência efetiva e célere dos moradores desse bairro social já que a procura por habitação social ultrapassa, no Município do Porto, a disponibilidade de habitações camarárias para o efeito.

  8. Sendo certo que a transferência direta para nova habitação social, no caso de existir fundamento de resolução nos termos do artigo 3º da Lei nº 21/2009, seria inconcebível já que esses inquilinos incumpridores iriam ultrapassar todos aqueles que, tendo necessidade social de habitar fogos camarários e cumprindo todos os requisitos legais para o efeito, se encontram, infelizmente, em lista de espera.

  9. Tal como bem decidido na douta decisão é incontroverso que o Autor deixou de residir no fogo habitacional por período superior a 6 meses [ou por estar detido em EP, por período superior a 2 anos], e que, esta factualidade, por si só, é determinante do poder/faculdade de o Réu determinar a cessação do direito de utilização do fogo habitacional titulado a favor do Autor pelo Alvará nº 8215, nos termos do artigo 3º, nº1, alínea f), e nº 3, alínea c) da Lei nº 21/2009, de 20 de Maio. O que resulta, de forma manifesta, da matéria de facto julgada como provada sob os pontos 6, 7, 10, 11, 13 e 16.

  10. Ao contrário do que parece resultar do douto acórdão, a decisão sub judice não significa que o Autor nunca mais poderá habitar um qualquer fogo habitacional no Município do Porto. A decisão prende-se, única e exclusivamente, com a não transferência direta do Autor para outra habitação social na sequência da declaração de caducidade que fez cessar o seu direito habitacional em relação àquele fogo.

  11. Entende assim o Recorrente que o ato administrativo em causa não padece de qualquer vício que possa acarretar a sua anulabilidade ou nulidade, impondo-se decisão que o considere válido.

  12. Foi ainda entendido, nessa douta decisão, que a atuação do aqui Recorrente – através do ato administrativo em crise nos autos – configura violação do direito à habitação do Autor, enquanto direito social fundamental, constitucionalmente protegido no artigo 65º, nº1 da CRP.

  13. O direito social habitacional decorre da imposição legiferante disposta na alínea b) do nº 2 e nº 3, do artigo 65º da Lei Fundamental, não se tratando de verdadeira norma percetiva.

  14. Tais normas constitucionais, pese embora se enquadrem na disciplina dos direitos fundamentais, não consagram verdadeiros direitos, liberdades e garantias, nem são análogos a estes, não conferindo, do ponto de vista constitucional, qualquer posição jurídica subjetiva aos cidadãos.

  15. Tais normais, que poderão ser denominadas como normas-tarefa ou normas programáticas, têm uma estrutura impositiva de atuação/produção legislativa e não, como acontece com as verdadeiras normais constitucionais percetivas, a atribuição e determinação de “direitos constitucionais”.

  16. A Lei nº 21/2009, ainda que de forma transitória, é que define e determina esse direito habitacional do Autor pelo que a violação, a existir, seria sempre ao nível legal ou infraconstitucional.

  17. O ato em crise limitou-se a declarar a caducidade por perda do locado, conforme o disposto no Código Civil e, tendo em conta o facto de existir fundamento para a resolução desse contrato, nos termos da Lei nº 21/2009, decidiu pela não atribuição automática de nova habitação ao Autor, não padecendo assim de qualquer vício decorrente da violação do texto constitucional ou de qualquer princípio constitucional ou legal que vincule a atuação do Recorrente.

  18. Assim, e por menos feliz interpretação dos factos e aplicação da Lei, o douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 1051º do Código Civil e no artigo 3º da Lei nº 21/2009.

Pelo exposto, Na procedência das conclusões do recurso do recorrente, deve o douto acórdão ora recorrido ser revogado nos termos supra descritos, assim se fazendo justiça.”*O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 28 de fevereiro de 2018 (Cfr. fls. 134 Procº físico).

*O aqui Recorrida não veio apresentar contra-alegações de recurso.

*O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 03/04/2018, veio a emitir Parecer em 5 de abril de 2018, no qual, a final, se pronuncia “no sentido de o presente recurso jurisdicional não obter provimento” (Cfr. fls. 440 a 442 Procº físico).

*Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/Município, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, o suscitado “erro de julgamento”.

III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou provada a seguinte factualidade: “1 – Em 22 de Março de 1999, foi atribuída pelo Município do Porto ao Autor [e respetivo agregado familiar composto por si, sua esposa, MA e 4 filhos], a habitação social sita na rua C…, do Bairro do Aleixo - Cfr. fls. 17 e 20 do Processo Administrativo; 2 – O Autor é pai de 4 filhos, nascidos na constância da relação e casamento com MA, em 26 de dezembro de 1992, em 12 de fevereiro de 1996, em 26 de abril de 1998, e em 09 de dezembro de 1999 – Cfr. fls. 236 a 243 dos autos em suporte físico do Processo cautelar n.º 19/13.1BEPRT, intentado como preliminar destes autos; 3 – Em maio de 2006, o Autor apresentou no Réu, “Declaração de atualização de dados”, referente às pessoas que consigo residem no fogo habitacional, nela figurando identificada, para além dos seus 4 filhos, como sua “Companheira”, CAVV– Cfr. fls. 30 a 43 do Processo Administrativo; 4 – CAVV viveu no fogo habitacional de que tratam os autos, desde 2005 a 2009 – nos termos dos depoimentos prestados pela testemunha RA, filho do Autor, e pela própria CV [que o Autor identificou junto do Réu em 2006 como sendo a sua companheira], que assim depuseram em...

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