Acórdão nº 225/02 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Guilherme da Fonseca
Data da Resolução27 de Maio de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 225/02

Processo nº 122/00

  1. Secção

Relator: Cons. Guilherme da Fonseca

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. O Promotor de Justiça junto do Supremo Tribunal Militar veio, ao abrigo "do disposto no artigo 280°, n° 1, a) da Constituição da República, conjugado com os artigos 285° do Código de Justiça Militar, 70º n° 1, a) e 72°, n° 1, a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro e 13-A/98, de 26 de Fevereiro", interpor "recurso para o Tribunal Constitucional relativamente ao douto acórdão de 20 de Janeiro de 2000, em virtude de nele ter sido recusada a aplicação do artº 4°, n° 1, a), da Lei 47/86, de 15 de Outubro, Estatuto do Ministério Público, na nova redacção que lhe foi dada pela Lei 60/98, de 27 de Agosto, na parte em que prevê a representação daquele junto do Supremo Tribunal Militar pelo Procurador-Geral da República, com fundamento em ter sido violado o disposto no art 197°, da Lei Constitucional n° 1/97, de 20 de Setembro, e o princípio da necessidade de especial assessoria do Ministério Público, decorrente do artº 219°, n° 3. Da Constituição da República".

    No citado acórdão, na parte que aqui importa, decidiu-se recusar "a aplicação da norma do artº 4º n° 1, a), do Estatuto do Ministério Público na parte que prevê a representação daquele junto do Supremo Tribunal Militar pelo Procurador-Geral da República, por violar o disposto no artº 197° da Lei Constitucional n° 1/97, de 20 de Setembro, e o princípio da necessidade de especial assessoria do Ministério Público, principalmente decorrente do artº 219º n° 3, da Constituição da República Portuguesa".

    Em síntese, o acórdão, que tratou longamente da matéria da justiça penal militar, em especial, da figura dos "Promotores de Justiça junto dos Tribunais Militares", começou por afirmar que tem razão "o réu recorrente quando alega que os Promotores de Justiça não são agentes do Ministério Público", e, prosseguindo, em sede de conhecimento de "questões prévias, incidentais e prejudiciais", tirou a conclusão de que "nada há que confira ao Ministério Público o exercício da acção penal junto dos tribunais militares, que permanecem em funções, ou que imponha a sua intervenção junto destes".

    Depois discorreu o acórdão neste sentido, abeirando, como nele se lê, "um outro aspecto":

    "Na ausência de qualquer imposição constitucional sobre competência para o exercício da acção penal militar ou intervenção junto dos actuais tribunais militares, tem cabido ao legislador ordinário legislar sobre tal matéria. Nessa mesma matéria tem imperado o Código de Justiça Militar (artºs 251° a 257° e 282° a 288°). Importa, agora, verificar se este Código continua a ser aplicável no que toca ao Promotor de Justiça junto do Supremo Tribunal Militar.

    A Lei n° 60/98, de 27 de Agosto, veio dar nova redacção ao artº 4° da Lei Orgânica (actualmente, Estatuto) do Ministério Público, que passou a dispor :

    "1- O Ministério Público é representado junto dos tribunais:

    1. ...no Supremo Tribunal Militar... pelo Procurador-Geral da República ".

    Por sua vez, estabelece o artº 285° do Código de Justiça Militar:

    "O promotor exerce funções de Ministério Público perante o Supremo Tribunal Militar. . . ".

    Se bem que este último preceito não tenha sido objecto de revogação expressa, cremos que não pode deixar de entender-se existir inequívoca e deliberada incompatibilidade entre ele e o citado segmento do actual artº 4° do Estatuto do Ministério Público. Com efeito, é impensável que se coloque um representante do Ministério Público junto de um Tribunal a não ser para efeitos de exercício das respectivas funções, mas se esse representante exercer efectivamente essas funções, é igualmente impensável que persista, sem mais, junto do mesmo Tribunal, o titular de um outro órgão, pertencente a uma estrutura diferente, além do mais, para efeitos de exercício das mesmas precisas funções (as próprias do Ministério Público, sejam elas quais forem).

    Parece, assim, que terá tido lugar uma revogação tácita (artº 7°, nos 2 e 3, do Cód Civil) . Mas adiante-se, desde já, que cremos não ter tido lugar qualquer revogação.

    É que a Lei Constitucional n° 1/97, de 20 de Setembro, dispõe no seu artº 197°:

    "Os tribunais militares, aplicando as disposições legais vigentes, permanecem em funções até à data da entrada em vigor da legislação que regulamenta o disposto no n° 3 do artº 211° da Constituição ".

    Tal legislação, a que se reporta este preceito, ainda não entrou em vigor.

    Se, como Gomes Canotilho/Vital Moreira (CRP Anot, 2. ed, II, pág 311), se entender, com algum apoio histórico no que toca ao Ministério Público (v. a resenha histórica supra) e bem como no argumento do sistema da Constituição, que os "tribunais são órgãos complexos, conglobando as funções não apenas dos juizes mas também de outros agentes com estatutos muito distintos, como o MP (artº 224°), os advogados (que não são agentes públicos), os oficiais de justiça, etc", não haveria dúvida de que o tribunal militar teria no seu conceito, o promotor de justiça o que também encontraria, pelo menos, um precedente histórico na letra do artº 24°, do Código de Processo Criminal Militar de 1911, que rezava:

    "Cada tribunal militar constituir-se há pela forma seguinte: presidente (..) auditor, júri, promotor, defensor e secretário".

    Mas a ser assim, e prevendo-se, no artº 197° da Lei Constitucional n° 1/97, de 20 de Setembro, a permanência em funções dos actuais tribunais militares, automaticamente, estaria também a prever-se, no mesmo passo, a permanência em funções dos promotores de justiça até à data da entrada em vigor da legislação regulamentadora do disposto no n° 3 do artº 211 ° da Constituição.

    A representação do Mº Pº junto do ST.M. determinada pela nova redacção do artº 4 do Estatuto do Mº Pº violaria, então, esta parte da norma contida no citado artº. 197° da citada Lei Constitucional no 1/97, devendo, consequentemente, ser recusada a sua aplicação pelos tribunais (artº 204° da CRP).

    Ainda que assim se não pense, ao mesmo resultado se chega por outra via.

    Esclareça-se desde já que o segmento normativo do citado, artº 197° "aplicando as disposições legais vigentes", para que tenha alguma utilidade, apenas se pode reportar às disposições legais vigentes na data da entrada em vigor da referida Lei Constitucional n° 1/97, a não ser assim, despiciendo se tornava que esta Lei viesse impor que os tribunais aplicassem "as disposições legais vigentes": os tribunais não podem aplicar leis revogadas (ressalvada a ultra-actividade das leis penais, que não vem ao caso) e muito menos ‘leis futuras’, só podem aplicar disposições legais vigentes. E a inutilidade de tal segmento não se presume - artº9°, n° 3, do C Civil. E compreende-se a ratio legis do determinado no mesmo aludido segmento: como a regulamentação do disposto no n° 3 do artº 211 ° da Constituição não pode fazer-se de um dia para o outro, e, no domínio desta mesma Constituição, os tribunais militares vinham funcionando, e as disposições que aplicavam vinham vigorando havia quase a um quarto de século, não viria grande mal ao mundo se, para evitar o mal maior do vazio legislativo e a paragem dos processos criminais militares, eventualmente com diligências urgentes a deverem ser feitas, os ditos tribunais militares continuassem em funcionamento por mais algum tempo e a aplicarem as disposições legais que vinham aplicando e não fossem, como é óbvio, inconstitucionais .

    Para darem cumprimento ao determinado no citado artº 197° pelo legislador constitucional os tribunais militares tinham que continuar a exercer a função jurisdicional que vinham exercendo,' e isto logo na precisa data da entrada em vigor da mencionada Lei Constitucional n° 1/97. E mais: tinham que continuar a aplicar as disposições legais em vigor nessa data e de entre estas, sem dúvida, as absolutamente necessárias ao funcionamento dos mesmos tribunais, como são as legitimadoras da existência e intervenção dos promotores de justiça e de todas as respectivas funções junto dos tribunais militares, e que, como acima concluímos, não são inconstitucionais. A aplicarem o posterior e acima referido segmento do artº 4° do Estatuto do Ministério Público, nomeadamente em matéria de processado e nulidades, os tribunais militares, forçosamente, teriam que desaplicar pelo menos parte daquelas disposições legais, em flagrante violação da mencionada Lei...

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