Acórdão nº 158/02 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução17 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 158/02

Processo nº 585/01

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção

do Tribunal Constitucional:

  1. Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 16 de Março de 2001, foi julgada procedente uma acção para o reconhecimento de direitos e interesses legítimos proposta por A e outros, identificados nos autos, sargentos da Força Aérea, contra o MINISTRO DA DEFESA NACIONAL e o CHEFE DO ESTADO MAIOR DA FORÇA AÉREA, na qual pediram, em primeiro lugar, que se declarasse que "têm direito a não receber menos que qualquer primeiro-sargento mais moderno pertencente à Marinha" e, em segundo lugar, que lhes fosse reconhecido o direito a receberem "um diferencial de remuneração calculado nos termos do Decreto-Lei 80/95 de 22 de Abril, de tal modo que, no período compreendido entre 27 de Abril de 1995, data da entrada em vigor do Decreto-Lei 80/95 e 1 de Julho de 1997, data de início da produção dos efeitos do Decreto-Lei 299/97 de 31 de Outubro, os AA. não percebam quantia inferior à percebida pelo NII 78871, B, primeiro-sargento da Armada, sargento mais moderno que os AA.".

    Como fundamento da sua pretensão, os autores alegaram, em síntese, o seguinte:

    Pelo Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, foi aprovado o novo sistema retributivo da função pública, cujos princípios (entre os quais se contam o princípio da equidade e o da salvaguarda de direitos) são aplicáveis às Forças Armadas (artigo 3º, nº 2); pelo Decreto-Lei nº 57/90, de 14 de Fevereiro, foi estabelecido o regime remuneratório dos seus três ramos; o Decreto-Lei nº 98/92, de 28 de Maio, veio corrigir algumas anomalias que ocorreram em virtude da aplicação das novas regras retributivas; do Estatuto das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, consta a regra de que o tempo de serviço é considerado para o efeito de determinar a remuneração dos militares, independentemente do ramo a que pertencem, e que, para os que integram o quadro permanente, releva o respectivo posto e o tempo de permanência no mesmo; e que, portanto, os militares "com o mesmo posto, e igual tempo de permanência no posto (leia-se antiguidade no posto), devem perceber a mesma remuneração base independentemente do ramo a que pertencem".

    Ora, verificando que ocorriam anomalias decorrentes da aplicação do novo sistema retributivo no âmbito da Marinha, pois casos houve em que sargentos mais modernos passaram a auferir um vencimento base superior ao de sargentos mais antigos, o legislador veio corrigi-las através do Decreto-Lei nº 80/95, de 22 de Abril; não curou, todavia, de resolver o mesmo problema nos outros dois ramos das Forças Armadas, provocando, desta forma, desigualdade entre os sargentos respectivos e os militares com posto e antiguidade correspondentes da Marinha.

    Invocam, assim, a ilegalidade do respectivo artigo 1º, por violação de lei de valor reforçado (a alínea a) do artigo 15º da Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado e que autorizou o Governo a emitir o Decreto-Lei nº 184/89), "nomeadamente na parte em que esta norma não conferiu ao sistema retributivo, conforme devia, ‘coerência, equidade e clareza’" e a inconstitucionalidade no seu nº 1 por, ao originar "uma desigualdade remuneratória arbitrária e irrazoável para os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, quando em comparação com os correspondentes em antiguidade e posto na Marinha", violar o princípio da igualdade e o princípio de "para trabalho igual, salário igual" (artigos 13º e 59º, nº 1, da Constituição).

    Posteriormente, o Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, veio criar um diferencial de remuneração para corrigir esta desigualdade; mas o seu artigo 8º determina que só produz efeitos a partir de 1 de Julho de 1997, mantendo-se, pois, a desigualdade entre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 80/95 (27 de Abril de 1995) e esta data.

    Consequentemente, invocam a inconstitucionalidade da norma deste artigo 8º, conjugada com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 80/95, por violação daqueles princípios, bem como a ilegalidade, também por violação da Lei nº 114/88.

  2. Não obstante as contestações apresentadas pelos demandados, a sentença julgou a acção procedente. Após análise dos sucessivos diplomas relevantes e das exigências decorrentes da consagração constitucional do princípio da igualdade, transcreveu diversas passagens "do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/99 (Processo n.º 21/99), publicado no DR, II série, de 19 de Julho de 1999, com o n.º 166, e no qual se apreciou precisamente suscitada pelos aqui AA. da inconstitucionalidade da norma contida no art. 8º do Dec. Lei n.º 299/97, de 31 de Outubro", das quais se salientam as seguintes:

    "2. Com o Decreto-Lei nº 80/95 intentou o legislador corrigir a "existência de anomalias com especial incidência na categoria de sargentos da Marinha e, dentro desta, no posto de primeiro-sargento", anomalias essas que originaram "efeitos perversos com nítido prejuízo da hierarquia funcional, dadas as especificidades de alimentação e a natureza do desenvolvimento de tal carreira e das praças da Marinha das classes homónimas".

    Na sequência desse intento, estabeleceram-se as seguintes prescrições:-

    Artigo 1.º - 1 - Sempre que um primeiro-sargento dos quadros permanentes da Marinha, na situação do activo, aufira remuneração inferior à de sargentos com menor antiguidade ou posto é reposicionado no escalão da respectiva escala indiciária correspondente ao maior valor da remuneração efectivamente percebida por sargentos com menor antiguidade,

    2 - Caso não exista índice de valor igual à remuneração a que se refere a parte final do número anterior, o reposicionamento é feito para o índice imediatamente superior.

    3 - A remuneração que serve de referência é a correspondente ao valor da adição do índice e do diferencial de integração, caso exista.

    Art. 2º - 1 - Nas promoções a primeiro-sargento de segundos-sargentos cuja remuneração inclua diferenciais de integração, estes são colocados na escala indiciária do novo posto no índice que corresponde à adição da remuneração base e do diferencial de integração, se superior ao 1.º escalão de primeiro-sargento.

    2 - Caso não exista índice de valor igual à adição a que se refere o número anterior, a integração é feita no índice imediatamente inferior, atribuindo-se um diferencial correspondente à diferença entre este índice e o valor da referida adição.

    (...)

    Significa isto que a medida legislativa de 1995 visou, e tão somente, a correcção de anomalias, que se descortinaram por efeito da prática da vigência do regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas, anomalias essas que se repercutiam com especial relevo na categoria de sargentos da Marinha.

    Se idênticas anomalias, também por força da aludida prática, se desencadeavam também nos demais ramos da Forças Armadas (Exército e Força Aérea), isso foi algo com que, em 1995, o legislador governamental se não preocupou, em termos de entender que o sistema que gizou para a sua correcção na Marinha se deveria estender àqueles demais ramos ou de entender por bem também gizar outro, ou outros, sistemas obstativos dessas hipotéticas anomalias.

    (...)

    2.1. Todavia, como a disciplina introduzida, quanto à remuneração dos primeiros-sargentos da Marinha - comparativamente aos demais sargentos daquele ramo com menor antiguidade ou posto - veio criar uma situação de acordo com a qual, objectivamente, aqueles poderiam vir a auferir remuneração desigual à vencida pelos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea com igual ou superior antiguidade, o Governo, em 31 de Outubro de 1997, editou o Decreto-Lei nº 299/97 que: -

    - de uma banda, revogou o Decreto-Lei nº 80/95, instituidor daquela mesma disciplina (cfr. seu artº 6º);

    - de outra, substitui a disciplina prescrita no Decreto-Lei nº 80/95 por uma nova que, simpliciter (cfr. seu artº 1º), consistiu na dação, aos primeiros-sargentos dos quadros permanentes da Marinha no activo que auferissem remuneração inferior à de sargentos, também da Marinha, com menos antiguidade ou com menor posto, de um abono, designado de «diferencial de remuneração», calculado nos termos do seu artº 3º, ou, nos casos de promoção de segundos-sargentos a primeiro-sargento, posicionando os promovidos segundos-sargentos, cuja remuneração efectivamente percebida já incluísse diferenciais de remuneração, no 1º escalão do posto de primeiro-sargento, mantendo o diferencial no montante que excedesse o índice do 1º escalão (cfr. artº 4º);

    - ainda por outra, estatuindo, no seu artº 2º, que o direito ao abono do diferencial estabelecido para os primeiros-sargentos da Marinha se aplicava aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, na situação do activo, sempre que estes auferissem menor remuneração e tivessem igual ou maior antiguidade no posto relativamente aos primeiros-sargentos da Marinha (cfr. artº 2º);

    - determinou a produção de efeitos a partir de 1 de Julho de 1997 (cfr. artº 8º).

    (...)

    Não se visou, assim, quanto à atribuição do diferencial, instituída pelo artº 2º do Decreto-Lei nº 299/97, aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, consagrar uma identidade de soluções legislativas relativamente às situações em que um primeiro-sargento, mercê do regime geral remuneratório dos militares dos quadros permanentes, viesse a auferir menos do que um sargento com menor antiguidade ou posto desses mesmos ramos.

    Visou-se, antes, obstar a que os primeiros-sargentos da Marinha com igual ou menor antiguidade no posto do que os primeiros-sargentos do Exército ou da Força Aérea, viessem, efectivamente, a auferir remuneração superior à destes.

    2. Essa superior remuneração advinha, como é por demais claro, não por força do regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes, mas sim por via da disciplina que foi consagrada pelo Decreto-Lei nº 80/95 (que, repete-se, intentou, e tão...

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