Acórdão nº 141/02 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução09 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 141/2002

Proc. nº 198/92

Proc. nº 62/93 (incorp.)

Plenário

Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - RELATÓRIO

1. O Procurador-Geral da República veio requerer ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), da Constituição, a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 11º da Lei nº 2/92, de 9 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 1992).

Alegou, para tanto, e em síntese, que aquela norma, ao impor, com efeitos imediatos, um diverso, e substancialmente mais baixo, limite máximo de remuneração para determinadas categorias de funcionários públicos, violou, por um lado, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nºs 1 e 2, da Constituição, e, por outro, o princípio da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, este consagrado no artigo 2º da Lei Fundamental.

Entende o requerente que não se vislumbra a existência de qualquer justificação material razoável para o estabelecimento de tal limite máximo, especificadamente para as categorias de funcionários referidos no artigo 11º da mencionada Lei nº 2/92, limite esse diferente e mais baixo do que vale para a generalidade dos funcionários públicos, o que se traduziria numa distinção irrazoável, e como tal ofensiva do invocado princípio constitucional da igualdade.

Por outro lado, conclui ainda o requerente que a quebra de direitos verificada com a introdução daquele limite máximo, e a consequente baixa de remuneração dos funcionários por ele abrangidos, traduz uma violação intolerável do princípio da protecção da confiança, por se tratar de uma alteração irrazoável, com a qual se não poderia nem deveria contar.

2. Notificado para se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos e a juntar ao processo os exemplares do Diário da Assembleia da República donde constam a discussão e aprovação da norma impugnada.

3. Posteriormente, o Procurador-Geral da República, invocando sempre as mesmas disposições constitucionais, veio requerer a este Tribunal a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 9º da Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 1993), que veio aditar os nºs 6 e 7 ao artigo 41º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho.

Para fundamentar o pedido, o Procurador-Geral da República retomou, na íntegra, a motivação aduzida no pedido anterior.

4. Notificado, também, para se pronunciar sobre este pedido, voltou o Presidente da Assembleia da República a oferecer o merecimento dos autos e a juntar os exemplares do Diário da Assembleia da República atinentes ao debate parlamentar efectuado quando da aprovação da norma em questão.

5. Dada a essencial identidade entre as normas impugnadas, foi o processo respeitante a este último pedido incorporado no primeiro, para apreciação simultânea das normas em causa.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTOS

A - Introdução

6. O referido artigo 11º da Lei nº 2/92, veio dispor o seguinte:

1. Os funcionários que exercem funções em órgãos de soberania e os membros dos respectivos gabinetes, bem como os funcionários dos grupos parlamentares, não podem auferir remunerações mensais ilíquidas, a título de vencimento, remunerações suplementares, despesas de representação, subsídios, suplementos, horas extraordinárias ou a qualquer outro título, superiores à remuneração base do primeiro-ministro.

2. O disposto no número anterior é aplicável às entidades e organismos que funcionam junto dos órgãos de soberania e prevalece sobre quaisquer disposições legislativas e regulamentares, gerais ou especiais, em vigor.

Quanto ao artigo 9º da Lei nº 30-C/92, reza o seguinte:

O artigo 41º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, passa a ter a seguinte redacção:

ARTIGO 41º

Regimes especiais

1 - .........................

2 - .........................

3 - .........................

4 - .........................

5 - .........................

6 - O pessoal que exerce funções em órgãos de soberania e os membros dos respectivos gabinetes, bem como o pessoal dos grupos parlamentares, não podem auferir remunerações mensais ilíquidas, a título de vencimento, remunerações suplementares, despesas de representação, subsídios, suplementos, horas extraordi- nárias ou a qualquer outro título, superiores à remuneração base do Primeiro-Ministro.

7 - O disposto no número anterior é aplicável às entidades e organismos que funcionam junto dos órgãos de soberania e prevalece sobre quaisquer disposições legislativas e regulamentares, gerais ou especiais, em vigor.

Estas disposições são totalmente correspondentes, com ressalva da substituição da expressão «os funcionários» pela expressão «o pessoal».

7. As normas questionadas vieram, assim, estabelecer um limite máximo para a remuneração dos «funcionários que exercem funções em órgãos de soberania e os membros dos respectivos gabinetes, bem como os funcionários dos grupos parlamentares», sendo ainda aplicável «às entidades e organismos que funcionam junto dos órgãos de soberania».

Notar-se-á, antes de mais, não haver qualquer referência, nos debates parlamentares, a estas normas, pelo que se não dispõe de quaisquer elementos ou indicações sobre os motivos ou interesses eventualmente invocados para justificar a instituição daquele limite máximo à remuneração de certas categorias de funcionários e agentes.

Não questiona o requerente o estabelecimento ou a existência, no âmbito da função pública, de limites máximos à remuneração do trabalho, com longa tradição na nossa ordem jurídica, por motivos relacionados com uma certa ideia de hierarquia e de moralização da Administração Pública.

O que efectivamente questiona é, por um lado, o estabelecimento, com efeitos imediatos, de um «específico limite máximo de remuneração, isto é, susceptível de implicar a imediata redução de remunerações que estavam legalmente a ser percebidas pelos aludidos funcionários à data da entrada em vigor da Lei nº 2/92», e, por outro lado, a aplicabilidade desse limite apenas a certas categorias de funcionários.

8. O limite máximo de remuneração em vigor para a generalidade da função pública é o constante do artigo 3º, nºs 1 e 2, da Lei nº 102/88, de 25 de Agosto, que corresponde a «75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República», não sendo consideradas «as diuturnidades do regime geral, o subsídio de refeição, o abono de família e prestações complementares, os abonos para falhas, as ajudas de custo, subsídios de viagem e de marcha e quaisquer outros que revistam a natureza de simples compensação ou reembolso de despesas realizadas por motivo de serviço».

Anteriormente, esse limite máximo, ou «tecto» salarial, para a generalidade dos funcionários e agentes, constava do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 49 410, de 24 de Novembro de 1969, que determinava que os servidores do Estado não poderiam receber « pelo exercício de cargos públicos, pagos pelo Orçamento Geral do Estado, ainda que em regime de acumulação, importância total superior ao ordenado correspondente à letra A, acrescido de 25 por cento». Posteriormente, esse limite máximo geral referido, constante do Decreto-Lei nº 49 410, foi reportado, pelo artigo 26º do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio, ao vencimento de ministro, ficando excluídas desse limite diversas remunerações complementares (trabalho extraordinário ou nocturno, subsídios, etc.).

Como o requerente demonstra nas suas alegações, o limite máximo geral constante da Lei nº 102/88 é superior ao limite fixado nas normas impugnadas (ou seja, ao vencimento-base do Primeiro-Ministro). Com efeito, enquanto aquele primeiro limite corresponde a 75% do montante equivalente à soma do vencimento e do abono para despesas de representação do Presidente da República (que é no quantitativo de 40% do seu vencimento, de acordo com o disposto no artigo 1º da Lei nº 26/84, de 31 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da referida Lei nº 102/88), já o vencimento-base do Primeiro-Ministro equivale apenas a 75% do vencimento do Presidente da República – ou seja, a percentagem de 75% não incide aqui sobre o abono para despesas de representação auferido pelo Presidente da República (cfr. artigo 9º, nº 1, da Lei nº 4/85, de 9 de Abril).

Assim, segundo o requerente, a norma questionada, ao estabelecer, como limite máximo da remuneração ilíquida das categorias de funcionários nela previstos, montante não superior ao vencimento-base do Primeiro-Ministro, e incluindo no conceito de remuneração para os efeitos de aplicação desse limite ainda as quantias auferidas por tais funcionários a título de «remunerações suplementares, despesas de representação, subsídios, suplementos, horas extraordinárias ou a qualquer outro título», estabeleceu para estes um tecto salarial que, ao menos formalmente, se revela bastante inferior àquele limite geral indicado, diferença essa que rondará algumas centenas de contos, assim determinando a consequente redução das remunerações auferidas por aqueles, na parte referida, imediatamente após a entrada em vigor da Lei nº 2/92.

9. O presente pedido de apreciação da constitucionalidade das normas indicadas ter-se-á fundamentado no Parecer nº 16/92 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o qual, embora não homologado pelo Presidente da Assembleia da República, foi já publicado (Procuradoria-Geral da República, Pareceres, vol. I, págs. 18 e segs.). Nele se apreciou aquela norma constante do artigo 11º da Lei nº 2/92, tendo aí sido formuladas as seguintes conclusões:

1ª - A norma do artigo 11º, nºs 1 e 2, da Lei nº 2/92, de 9 de Março (Orçamento do Estado para 1992), que estabelece um limite...

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