Acórdão nº 00427/04.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução06 de Junho de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo do Norte: Relatório A Caixa Geral de Aposentações [CGA] vem interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Coimbra – em 31 de Outubro de 2006 – que, julgando procedente a acção administrativa especial intentada pelo Sindicato …, a condenou a apreciar o pedido de aposentação formulado em 11 de Novembro de 2003 por A… [associado do Sindicato] nos termos em que o mesmo o formulou [esta apreciação - especifica a decisão judicial recorrida - deverá ser efectuada através do órgão competente e no prazo legal, em cumprimento das disposições conjugadas do artigo 1º nº 6 e 2º da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, e em conformidade com interpretação segundo a qual não é aplicável o disposto nos nºs 1 a 5 do artigo 1º desta lei àqueles cujos processos de aposentação tenham sido iniciados junto dos respectivos serviços antes de 1 de Janeiro de 2004 e tenham sido enviados à CGA até à data do início da sua vigência – entendida no sentido dado pelo artigo 2º da Lei nº 74/98 de 11 de Novembro – desde que os interessados reunissem, àquela data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação].

Conclui as suas alegações da forma seguinte: A) A sentença recorrida deve ser revogada, por, apesar de o artigo 2º da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, ser norma de efeitos retroactivos, não existe qualquer fundamento legal para que seja considerada ilegal, muito menos inconstitucional; B) O artigo 3º nº 3 da Constituição da República Portuguesa [CRP] dispõe que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com a CRP, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos definidos no artigo 29º nºs 1 a 4, da mesma lei; C) O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós [salvo quanto à lei criminal o artigo 29º da CRP], assento na CRP e, daí, que o preceito do artigo 12º do Código Civil [CC] não se impõe ao legislador; D) Assim, as disposições do artigo 12º do CC não têm mais força vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas [Vaz Serra, RLJ, nº 110, página 272]; E) O artigo 2º da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, por ser norma de efeitos retroactivos, não é inconstitucional ou ilegal, por não atingir, de forma inadmissível, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação prevista no regime instituído pelo DL nº 116/85, de 14 de Abril; F) Na verdade, tratando-se de regime que anunciava, em 1ª linha, como medida conjuntural "de descongestionamento da Administração Pública", dependente de não haver "prejuízo para o serviço" e não como o reconhecimento incondicional de um direito dos funcionários à aposentação antecipada, era expectável a sua alteração quando se modificassem as circunstâncias da adopção da medida legislativa; G) É à CGA que compete verificar se estão reunidas, ou não, todas as condições para a aposentação antecipada e não ao representado, pelo que, atento o estrito cumprimento do prazo peremptório estabelecido pela referida norma a que os interessados se encontram vinculados e que esta CGA tem de observar, o pedido foi considerado extemporâneo e a sua pretensão não podia ser atendida, pelo que só restaria proceder à devolução do processo ao respectivo serviço, tal como foi feito; H) Assim, o acórdão recorrido ao entender que o pedido devia ter sido deferido, ainda que não tivesse sido enviado, pelo respectivo serviço, dentro do prazo estabelecido no nº 6 do artigo 1º da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, a esta CGA, isto é, até 1 de Janeiro de 2004 – não se compreendendo como é possível fazer outra interpretação, permitindo que o pedido de aposentação seja admitido para além da data expressamente consignada na lei [a da sua entrada em vigor] – fez errada interpretação e aplicação da lei.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, com as legais consequências.

O S... contra-alegou concluindo da seguinte forma: A) As alegações de recurso deixam claro que o objecto do presente recurso se reconduz à interpretação e aplicação da Lei nº 1/2004, mais especificamente ao seu artigo 2º; B) Para o recorrido não está em causa a faculdade que porventura assista ao legislador de, no âmbito do funcionalismo público alterar os estatutos dos funcionários, embora tal fosse questionável face ao AC do TC nº 141/2002, com força obrigatória geral - publicado na I-A do DR de 9/5/2002; C) Também não está em causa a disposição retroactiva das leis do direito administrativo no âmbito do funcionalismo público, embora tal conclusão não se possa retirar sem mais do facto de o texto constitucional vedar expressamente a retroactividade das leis penais e fiscais, porque então qualquer retroactividade de outras leis nunca abalaria o princípio da confiança. Igualmente porque, se a orientação subjacente aos artigos 128º, 140º e 141º do CPA impõe limites à retroactividade dos actos administrativos, porque razão o processo legislativo não conheceria limites; D) O que está em causa é a forma/processo legislativos concretos. O que constitui violação dos princípios, designadamente, do da confiança e de outros estruturantes ou integrantes do Estado de Direito Democrático, como o da certeza e seguranças jurídicas, é o modo como a Lei nº 1/2004 dispõe sobre a respectiva entrada em vigor e sobre a sua eficácia jurídica [confronte-se o respectivo artigo 2º]; E) O que está em causa é que a vigência e eficácia jurídica das leis obedecem a regras; F) Regras estas constantes de uma lei que, necessariamente, terá de se considerar como uma lei de valor reforçado porque consagra normas a serem respeitadas por outras leis, conforme o comando do nº 3, do artigo 112º da CRP; G) Pelo que o artigo 2º da Lei nº 1/2004 está ferido de inconstitucionalidade, e bem andou o acórdão recorrido não o aplicando; H) Tal lei a respeitar é a Lei nº 74/98, esta, sim, depositária dos princípios do Estado de Direito Democrático acima enunciados; I) A qual nem sequer admite que o início da vigência possa ter lugar no próprio dia da publicação, muito menos 14 dias antes; J) A questão é que a Lei nº 74/98, estatui que a eficácia jurídica dos actos legislativos depende da publicação; L) O problema está no facto de, quando a recorrente recebe o processo não pode invocar uma lei que inexiste no ordenamento jurídico; M) O problema está, muito sinteticamente, no facto de que mesmo que o Estado não possa estar inibido de alterar as regras estatutárias, e até as possa alterar com retroactividade, tem de ser recto na forma como dá a conhecer o processo legislativo de alteração dessas regras; N) Só restava então à recorrente admitir todos os processos enviados até 15/1/04 inclusive aplicando-lhe a lei que ainda não tinha deixado de vigorar; O) Por isso bem andou o acórdão sob recurso ao considerar que a Lei nº 1/2004 não era aplicável, até porque não podia aplicar normas inconstitucionais como acima se demonstrou, por violação de uma lei de valor reforçado.

Termina pedindo a confirmação do acórdão recorrido.

O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso jurisdicional.

*De Facto São os seguintes os factos dados como provados no acórdão recorrido, cuja genuinidade e suficiência não foi posta em causa neste recurso jurisdicional: 1) O representado A… formulou pedido de aposentação através do formulário “Requerimento/Nota Biográfica” do qual consta do “campo a preencher obrigatoriamente pelo interessado” o nome e restante identificação, com a indicação na quadrícula de finalidade de “Aposentação ordinária com sessenta anos de idade e 36 anos de serviço [ou situação equivalente] – folha 11 do PA; 2) Do mesmo formulário, no campo “a preencher pelo serviço/unidade” consta indicado “Ministério: das Cidades, Ambiente e Ordenamento do Território” e “Serviço/Unidade: Câmara Municipal da Figueira da Foz” - folha 11 do PA; 3) O representado A… dirigiu ainda ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz requerimento datado de 11-11-2003 com o seguinte teor: “A… [...] pretende aposentar-se nos termos do nº 1 do artigo 1º do DL nº 116/85, de 16 de Abril, conjugado com o DL nº 241/89, de 3 de Agosto [Estatuto Social do Bombeiro] conforme documentos anexos, em virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a Vª Ex. se digne promover que o referido requerimento seja remetido à CGA de que sou subscritor nº 549128 para os devidos efeitos e depois de informado por esta Câmara Municipal ” - documento nº 3-folha 1 junto com a PI , a folha 10 dos autos; 4) O Município da Figueira da Foz remeteu o pedido de aposentação do representado a… à CGA em 12-01-2004, pelo ofício com o assunto “Aposentação antecipada nos termos do DL nº 116/85, de 19 de Abril”, subscrito pela Vereadora da respectiva Câmara Municipal, com delegação de competência, Anabela Almeida Marques e Gaspar, acompanhado dos documentos nele mencionados, e com o seguinte teor: “Para efeitos de pedido de aposentação ao abrigo do nº 1 do artigo 1° do DL nº 116/85 de 19.04 e para cumprimento do nº 1 do Despacho n° 867/03/MEF, de 05.08.2003, proferido pela Ministra de Estado e das Finanças, remetem-se em anexo os elementos necessários de acordo com o indicado nas respectivas alíneas: a) Declaração [em anexo 1]; b) Mapas comparativos do número de novas admissões e de aposentações nos últimos dois anos: [anexos II e III] c) A saída do funcionário não afecta a continuidade permanente do serviço; Informação do Comandante dos Bombeiros e despacho da Vereadora de [Anexo IV] d) Mapa 3 — [Anexo V] e) Classificações de Serviço nos últimos três anos: Bom; Data da última promoção: 26/07/2001 Acções de Formação: Não tem acções de formação f) A especificidade da função de bombeiro, o facto de ser uma profissão de risco e de desgaste rápido, e ainda, o facto do funcionário ter atingido 36...

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