Acórdão nº 121/02 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução14 de Março de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 121/02

Processo n.º 247/2001

  1. Secção

Relator– Cons. Paulo Mota Pinto

(Cons. Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrente o Ministério Público e como recorrido A ..., o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 27 de Junho de 2000, recusou a aplicação da norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, quando interpretada no sentido de se considerar equiparado a "solo para outros fins" o solo situado numa zona que o Plano Director Municipal da Maia classifica como área florestal de produção condicionada, onde não é admissível a construção urbana, expropriada com vista à construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio (da LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Tratamento de Lixos da Região do Porto) e concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração.

    Interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a relatora no Tribunal Constitucional, considerando a questão "simples", por já ter sido objecto de decisão deste Tribunal, proferiu Decisão Sumária no sentido de julgar inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações (fls. 711 e ss.).

    Na sequência de reclamação do Ministério Público para a Conferência, veio a ser determinado o prosseguimento dos autos.

    Nas alegações apresentadas, o Ministério Público concluiu :

    "1º O princípio constitucional da justa indemnização visa obviar a que aos expropriados manifestamente possam ser arbitradas indemnizações insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, claramente desajustadas do montante que derivaria da aplicação da ‘teoria da diferença’, prevista na lei civil, e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.

    1. Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao ‘jus aedificandi’ - resultante da inserção em terrenos especialmente adequados à actividade florestal, nos termos do PDM - e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da ‘justa indemnização’, de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.

    2. Na verdade, destinando-se a expropriação exclusivamente à construção de equipamentos sociais incompatíveis com a edificação pelos particulares, na sua proximidade - e não à transformação de prédio até então legalmente ‘rústico’ em ‘urbano’ situado em zona perfeitamente urbanizável - verifica-se que a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo a especial afectação de parcela à construção de infraestruturas viárias destinadas a servir equipamentos sociais - necessariamente distanciados dos núcleos urbanos - absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.

    3. Na situação ‘sub juditio’ não ocorreu qualquer prévia desafectação da parcela de terreno expropriado, situada em área reservada pelo PDM a uso florestal, pelo que - nesta medida inexiste qualquer analogia com o caso versado no acórdão n.º 267/97.

    4. Não se vislumbra, no caso dos autos qualquer actuação preordenada da Administração, traduzida em ‘manipulação das regras urbanísticas’, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado a fins rústicos, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público, o que afasta decisivamente a aplicação da jurisprudência firmada no acórdão n.º 267/97.

    5. Termos em que deverá proceder o presente recurso."

    O recorrido contra-alegou, sustentando a inconstitucionalidade da norma em apreciação.

    Cumpre apreciar e decidir.

  2. Fundamentos

    O presente recurso tem como objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de se considerar equiparado a "solo para outros fins" o solo situado numa zona que o Plano Director Municipal da Maia classificava como área florestal de produção condicionada, expropriada para construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio e concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração.

    Essa norma foi considerada pela decisão recorrida inconstitucional, tendo sido recusada a sua aplicação, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, invocando-se para tal o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97 (publicado no Diário da República [DR], II série, de 21 de Maio de 1997), e considerando-se que a situação não era idêntica à do Acórdão n.º 20/2000 (DR, II série, de 28 de Abril de 2000), pois a expropriação não foi motivada apenas pela construção da via de acesso, mas visou a construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário.

    O artigo 24ºdo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro; e entretanto já revogado pelo artigo 3º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou um novo Código das Expropriações), depois de, no seu n.º 1, estabelecer que, para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo se classifica em "solo apto para a construção" e "solo para outros fins", indica, no seu n.º 2, o que considera "solo apto para construção". Preceitua este n.º 2

    "2. Considera-se solo apto para construção:

    1. O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;

    2. O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações desocuparem dois terços da área apta para o efeito;

    3. O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a);

    4. O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública."

    O n.º 3 do referido artigo estabelece o que se considera equiparado a "solo apto para a construção" para efeitos de aplicação do dito Código: a área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, entendendo-se este como a soma da área de implantação da construção e da área de logradouro até ao dobro da primeira. No n.º 4 considera-se "solo para outros fins" o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores.

    Segundo o n.º 5 do referido artigo 24º, em causa no presente processo, "para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção" (esta última norma desapareceu no artigo 25º Código das Expropriações de 1999, existindo agora apenas um n.º 3 que, a seguir à descrição, no n.º 2, das situações que determinam a qualificação como "solo apto para construção", considera "solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior").

    No presente caso está, mais precisamente, em questão a conformidade constitucional da norma contida naquele n.º 5, se interpretada por forma a impor a exclusão da classificação como "solo apto para construção" o solo situado numa zona que o Plano Director Municipal classificava como área florestal de produção condicionada, expropriada para construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio e concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração.

    Convém recordar, a este propósito, que a consideração da aptidão do solo para construção como critério para calcular o valor da indemnização a pagar aos expropriados resultou já de condicionantes constitucionais, tal como decorriam da jurisprudência deste Tribunal a este respeito. Escreveu-se, a este respeito, no citado Acórdão n.º 20/2000:

    6. A introdução, como critério de cálculo do valor da indemnização a pagar aos proprietários de prédios expropriados, da distinção entre "solo apto para construção" e "solo para outros fins", ocorreu já na sequência de jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), e, em particular, à norma do seu artigo 30º, n.º 1 – vejam-se os Acórdãos n.ºs 341/86, 442/87, 3/88 e 5/88 (publicados no DR, II série, respectivamente de 19 de Março de 1987, 17 de Fevereiro e 14 de Março de 1988), bem como o Acórdão n.º 131/88 (DR, I série, de 29 de Junho de 1988), que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação dos artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição da República.

    Essa norma do Código das Expropriações de 1976 impunha que o valor dos terrenos situados fora de aglomerados urbanos fosse calculado em função dos rendimentos efectivo e possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como prédio rústico. Impedia, assim, que factores de outra natureza, que não os rústicos, embora susceptíveis de alterar o valor do prédio (entre eles o da "potencial aptidão de edificabilidade"), fossem considerados no cálculo da indemnização por expropriação.

    Logo então teve este Tribunal ocasião de realçar que o jus aedificandi deveria ser

    "considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens...

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