Acórdão nº 100/02 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Fevereiro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. n.º 557/01 Acórdão nº 100/02 1ª Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Nuns autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular, que haviam prosseguido apenas para apreciação do pedido cível, já que o crime de difamação de que o arguido vinha acusado foi amnistiado, decidiu-se, por sentença de 22 de Fevereiro de 2001 do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, condenar C... a pagar ao ofendido J... o montante de 200.000$00, a título de danos não patrimoniais (fls. 338 e seguintes).

  2. Inconformado com a referida sentença, C... dela interpôs recurso penal para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo na motivação respectiva formulado, para o que aqui releva, as seguintes conclusões (fls. 356 e seguintes):

    “1 – O presente recurso deve ser admitido porque o recorrente vê, com a sentença recorrida, gravemente violada a sua integridade moral, e gravemente ofendidos o seu direito ao bom nome e à sua reputação, consagrados nos arts. 25º e 26º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

    2 – Não podendo defender-se em via de recurso, com base no art. 400º, n.º 2 do CPP, seriam gravemente violadas as garantias constitucionais estatuídas no art. 20º, n.º 1 e n.º 4, bem como no art. 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

    3 – Por tais motivos a norma do art. 400º, n.º 2 do CPP é inconstitucional, e como tal deve ser declarada, por violação do art. 20º, n.º 1 e n.º 4 in fine, art. 25º, n.º 1, art. 26º, n.º 1 e art. 32º, admitindo-se por conseguinte, o presente recurso.

    [...].”

    O demandante civil J... respondeu à motivação do recurso, tendo nomeadamente sustentado que este devia ser liminarmente indeferido, por manifesta ilegalidade (fls. 371 e seguintes). Interpôs também recurso subordinado (fls. 375 e seguintes), tendo C... respondido (fls. 382 e seguintes).

    Por despacho de fls. 379, foi mantida na íntegra a sentença recorrida.

    O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto pelo demandado civil devia ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 420º do Código de Processo Penal, ficando, por consequência, sem efeito o recurso subordinado interposto pelo demandante (fls. 391).

  3. Por acórdão de 20 de Junho de 2001, o Tribunal da Relação de Coimbra rejeitou o recurso interposto pelo demandado, face ao disposto no artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 410º, n.º 2, 414º, n.º s 2 e 3, e 420º, n.º s 1 e 2, do mesmo Código, ficando consequentemente sem efeito o recurso subordinado (fls. 393 e seguintes).

    Pode ler-se no texto desse acórdão, a propósito da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente:

    “[...]

    O recurso do demandado suscita a questão prévia da sua admissibilidade.

    Dispõe o artº 400º/2 do Código de Processo Penal que «(...) o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada».

    Esta redacção tem início de vigência a 1.1.1999. O pedido é de 16.3.99.

    A alçada do tribunal de comarca é de 750.000$00 desde 14.1.99, cfr. artº 24º/1 da Lei nº 3/99 de 13/1 e artº 151º/4 da mesma Lei.

    E sendo certo que o pedido do demandante tinha o valor de 6.000.000$00, o certo é também que o demandado foi condenado apenas no montante de 200.000$00.

    Constata-se, pois, que este foi condenado em valor inferior a metade da alçada do respectivo tribunal.

    Daqui que não seja admissível recurso da sentença recorrida pelo demandado por força do estatuído no artº 400º/2 do Código de Processo Penal.

    Mas este invoca a inconstitucionalidade da norma transcrita com a argumentação de que a mesma viola os artºs 20º/1 e 4, 25º/1, 26º/1 e 32º da Constituição da República Portuguesa.

    [...]

    Para concluir pela inconstitucionalidade da dita norma do Código de Processo Penal o recorrente refere que a sentença recorrida lhe imputa de um modo mais ou menos directo a prática dos factos que preenchem o tipo de crime por que fora acusado e em que se estriba o pedido cível, pelo que a sua condenação ofende gravemente a sua honra e consideração, vendo-se impedido, pela impossibilidade de recurso, de defender interesses legítimos no processo, mormente a sua integridade moral, a sua honra, o seu bom nome e a sua reputação.

    Em suma, sendo-lhe atribuída na sentença recorrida, proferida em processo penal, a prática de factos que preenchem um tipo criminal sem que disso possa defender-se através do único meio possível que é o recurso, não pode o processo ter-se por equitativo.

    Temos para nós que não pode concluir-se como o faz o recorrente.

    Efectivamente foi-lhe dada a possibilidade de no processo demonstrar por via directa o infundado da acusação, faculdade que o arguido não exerceu. É que o artº 10º/1 da Lei nº 29/99 de 12.5 dispõe que os arguidos por infracções nela amnistiadas poderiam, em 10 dias a contar da sua entrada em vigor, requerer que a amnistia não lhes fosse aplicada.

    Não tendo o arguido exercido tal faculdade, o crime de que vinha acusado foi declarado amnistiado e, a requerimento do ofendido, o processo prosseguiu nos ulteriores termos apenas com vista à apreciação do seu pedido civil.

    E neste prosseguimento do processo, perante tribunal independente e imparcial, foi garantido ao demandado o direito de defesa, possibilitando-se-lhe que nele contrariasse os fundamentos de facto e de direito em que se apoiava o pedido indemnizatório.

    Não pode, pois, queixar-se de com a sua condenação ver atingido o seu bom nome e a sua reputação ou qualquer outro direito de natureza pessoal.

    E se é certo que o artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa afirma que «o processo crime assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso», tal não significa que o direito ao recurso seja um direito irrestrito.

    A questão da inconstitucionalidade do nº 2 do artº 400º do Código de Processo Penal foi objecto de recente apreciação pelo Tribunal Constitucional no Ac. de 13.3.2001, publicado no DR., II Série, de 24.4.2001, num caso em tudo semelhante ao dos autos, tendo-se nele afirmado a...

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