Acórdão nº 574/03 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Novembro de 2003
Magistrado Responsável | Cons. Fernanda Palma |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2003 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 574/2003
Proc. nº 312/2003
-
Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
-
Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e B., a Relatora proferiu Decisão Sumária com o seguinte teor:
-
A. foi acusado, pelo Ministério Público junto do Distrito Judicial de Lisboa, pela prática de um crime de burla e de seis crimes de falsificação de documentos.
O arguido requereu a abertura da instrução, tendo requerido a realização de várias diligências. Tais diligências foram indeferidas, por despacho de 16 de Novembro de 2001 (fls. 70).
Na sequência da prolação de despachos relativos a notificações a realizar à assistente (fls. 79 e 80), A. requereu informação sobre a existência de assistentes constituídos no processo (fls. 82), tendo o arguido sido informado que poderá ser esclarecido ?através da consulta dos autos, que para o efeito estão ao seu dispor na secretaria? do tribunal (despacho de 4 de Fevereiro de 2002 ? fls. 83).
-
A. interpôs recurso do despacho que admitiu a constituição de B., como assistente, afirmando que o despacho recorrido violou vários preceitos do Código de Processo Penal e do Código Penal, bem como o artigo 32º da Constituição (fls. 85 e ss.).
O recurso não foi admitido por despacho do seguinte teor:
-
foi por despacho proferido em 8/4/99, que faz fls. 32 dos autos, admitida a intervir nos autos como assistente.
O arguido C. e o arguido A. foram constituídos arguidos nos autos em 17/2/2001 - v. fls. 49 e 53 -.
Em 27/3/2001 foi deduzida acusação, a qual foi notificada ao Defensor oficioso dos arguidos em 2/4/2001 e a estes em 5/4/2001 e 19/4/2001.
Os arguidos vieram em 26/4/2001 e 10/5/2001, requerer a abertura da instrução.
O arguido C. juntou aos autos procuração em 26/4/2001 e o arguido A. em 17/5/2001.
Tendo em conta o exposto não admito o recurso interposto a fls. 281 pelo arguido A. por ser extemporâneo.
Notifique.
-
-
A. reclamou do despacho de não admissão do recurso, sustentando a tempestividade do recurso interposto. Não suscitou, porém, qualquer questão de constitucionalidade normativa (fls. 2 e ss.).
O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a seguinte decisão:
(...)
O art. 411º n° 1 do Código de Processo Penal (CPP) contém a regra de que o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da notificação da decisão.
Se bem se entende a posição do Reclamante, enquanto uma decisão não for notificada não começa a correr o prazo para recorrer. Esta posição nem é incorrecta mas, levada à letra, conduziria a que, mesmo após o trânsito da sentença, o recurso ainda estaria em tempo, a pretexto de uma decisão anterior à constituição de arguido não lhe ter sido notificada. O que manifestamente não é razoável. E no direito, como em tudo, est modus in rebus...
O art. 411º n° 1 visa disciplinar a interposição dos recursos, assentando na ideia de as partes só estarem em condições de recorrer quando têm um conhecimento exacto dos termos da decisão em causa. E daí que o início do prazo respectivo só se inicie com a notificação da decisão. Não é objectivo da lei permitir o caos processual, premiar as negligências ou facilitar jogadas destinadas a atrasar os processos.
Vejamos:
Como se vê dos arts. 119°, 120° e 123° do CPP, a falta de notificação de uma decisão constitui mera irregularidade, a arguir nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer acto nele praticado. Não sendo a irregularidade arguida em tempo o acto viciado não pode já ser invalidado, que é como quem diz, torna-se válido.
Deste regime das irregularidades extrai-se, antes de mais, a ideia mestra de que a simples intervenção no processo implica que a parte tome conhecimento de todas as peças processuais e das decisões anteriores. Assim é quando v.g. a parte requer a instrução ou junta procuração a favor de advogado. E se porventura a parte, por distracção ou irreflexão, não arguir em tempo a irregularidade da falta de notificação de uma decisão anterior à sua intervenção no processo, não pode prevalecer-se dessa falta de notificação para, mais tarde, recorrer da decisão não notificada.
Além disso, em face do mesmo regime, se o ora Reclamante, em vez de recorrer, tivesse arguido a irregularidade da falta de notificação da constituição de assistente, veria essa arguição indeferida por tal falta dever considerar-se sanada e não poderia recorrer. Isto mostra que a lei não tutela situações como a presente, em que a parte tem intervenção no processo e diz que não toma conhecimento das decisões anteriores a essa intervenção com a alegação de que não lhe foram notificadas.
Portanto, ao intervir no processo, nele praticando actos, quer pessoalmente, quer pelo defensor oficioso, quer pelo advogado constituído, a parte toma conhecimento de todas as decisões anteriores à sua intervenção, começando então a correr os prazos para requerer o que tiver por conveniente para defesa dos seus interesses.
No caso, o arguido, ora Reclamante, pelo menos desde Abril de 2001, ao ser notificado, bem como o seu Defensor Oficioso, da acusação, ou, quando muito, desde 17/5/2001, data em que juntou procuração aos autos, podia e devia razoavelmente ter tido conhecimento da pessoa que já há dois anos havia sido admitida como assistente nos autos.
Por isso, ainda que se admita a data mais favorável de 17/5/2001, o recurso interposto em 29/2/2002 é intempestivo, como bem se decidiu.
(...)
Consequentemente, a reclamação foi indeferida.
O arguido reclamou e arguiu a nulidade da decisão de 15 de Janeiro de 203, tendo afirmado o seguinte:
1
O processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso, artigo 32º, nº 1 CRP.
2
Esta norma foi desrespeitada, segundo cremos, pela decisão reclamada. E pela anterior.
3
O douto despacho ora reclamado e seus fundamentos
? reconhece que o arguido realmente não tinha tomado conhecimento da decisão ou dela sido notificado antes dos 15 dias anteriores à interposição de recurso,
? reconhece, ainda, que o único facto relevante para o início do prazo de recurso é a notificação ou o conhecimento real do despacho recorrido, conforme exige o artigo 411º nº 1 do CPP.
? só aparentemente (vd o item seguinte) faz relevar (como se verá, sem consequência) um conhecimento presumido, que como ficção (que reputa legal) nega a existência do conhecimento real e portanto precisamente não o pode relevar como conhecimento. Ou seja, ao recorrer à falta de conhecimento por exclusivo efeito legal está a confessar que precisamente não houve conhecimento real da decisão recorrida que é o facto que pode ser relevante ao ponto de na tese do despacho, haver necessidade e se justificar ficcionar .
? E confirma a irrelevância do conhecimento presumido, numa matéria gravíssima com fortíssima carga constitucional como a garantia de defesa do arguido imune a qualquer interpretação (maxime restritiva) da lei e à própria lei, confessando conclusivamente o fundamento que aplicou para decidir: ?No caso, o arguido, (....), podia e devia razoavelmente ter tido conhecimento...?
Ou seja, confessando a irrelevância, pelo menos para a decisão, do conhecimento ficcionado. O único facto relevante é o conhecimento não a ficção. Como de resto em matéria de direitos fundamentais não poderia deixar de ser.
Daqui resulta que por três fundamentações (e negando a fundamentação do conhecimento presumido) o fundamento da decisão assumido como tal para decidir é o conhecimento da decisão recorrida de admitir o assistente B.. Esse conhecimento como resulta dos autos e sobretudo reconhece o despacho reclamado só se efectivou dentro do prazo de recurso que antecedeu a interposição do recurso.
E por muito que ?podia ou devia? a decisão não declara que o arguido tivesse o conhecimento ?da pessoa que (...) havia sido admitida como assistente?, antes pelo contrário pressupõe que não tinha esse conhecimento antes do prazo legal de recurso subsequente à notificação. Reconhece mesmo ?as partes só estarem em condições para recorrer quando têm um conhecimento exacto dos termos da decisão?.
?Podendo ou devendo? o arguido ter o conhecimento, aceita a decisão e seus fundamentos que não tinha conhecimento. O que consequentemente implicava a decisão em sentido contrário ao que dispôs.
4
Os fundamentos do douto despacho estão pois em oposição com a decisão. Artigo 668 nº 1 c) do CPC.
5
Suscita-se com um grito de alma próprio de quem já sofreu uma tremenda inconstitucionalidade com o injusto indeferimento prático da abertura de instrução, a inconstitucionalidade de em matéria de direitos fundamentais com profunda dignidade constitucional se viole as garantias de defesa incluindo o recurso, art. 32 nº 1 da CRP,
-
Por se presumir uma ficção de conhecimento como facto que pode iniciar (e portanto afasta para além das possibilidades e controle do arguido) o prazo de recurso de um arguido em matéria de garantia de defesa, alienando a defesa deste de si próprio!
-
Por se impedir um recurso legalmente previsto de um arguido (maxime por interpretações restritivas sem correspondência literal que subordinam a defesa de um arguido ao mero risco de ?caos processual? ou ?de jogadas? não provadas em concreto, tendo por certo que o arguido não tem que responder por isso
-
Acresce ainda a inconstitucionalidade que está subjacente e que se alega na motivação do recurso. E que aqui se dá por reproduzida.
6
É ainda contra as garantias constitucionais de defesa não admitir o arguido exercer os seus direitos processuais para anular a constituição de determinado assistente. Como se demonstra na sua reclamação que aqui se dá por reproduzida, o arguido tem direito ao seu recurso como um meio essencial de defesa. Por força da lei e do art. 32 nº 1 da CRP.
Nessa medida também o despacho de que se reclama...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO