Acórdão nº 436/03 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Setembro de 2003

Data30 Setembro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 436/2003 Proc. nº 432/2002 2ª Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, por decisão de 4 de Dezembro de 2001, corrigida por decisão de 17 de Dezembro de 2001, recusou a aplicação do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais do Porto, aprovado pela Assembleia Municipal em 26 de Julho de 1999, com fundamento em inconstitucionalidade formal, por violação do artigo 115.º da Constituição.

    O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição do referido Regulamento.

    Junto do Tribunal Constitucional o Ministério Público apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

    1. ? O Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e outras receitas municipais e respectiva Tabela da Câmara Municipal do Porto, publicado no DR, II série, de 11/10/99 , contém, no artigo 1°, menção bastante das normas legais em que se funda a competência objectiva e subjectiva para a sua emissão, pelo que não padece da apontada inconstitucionalidade formal.

    2. ? Carecem de carácter sinalagmático ? não se conformando, do ponto de vista jurídico-constitucional, como ?taxas? ? as receitas arrecadadas pelas autarquias a título de ?taxa de publicidade?, devida pela afixação de mensagens publicitárias nos edifícios que são propriedade dos particulares.

    3. ? Sendo, nesta medida, organicamente inconstitucionais as normas constantes dos artigos 41.° e 56.° do referido Regulamento, aplicadas num caso em que não está em causa a utilização de bens públicos ou semi-públicos pelo interessado, por violação do princípio da reserva de lei fiscal, consagrado nos artigos 103.° e 165.°, nº 1, i) da Constituição da República Portuguesa.

    A A., contra-alegou, concluindo o seguinte:

    1. ) A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo confirmar-se a mesma quanto ao juízo de inconstitucionalidade formal do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e, nessa medida, manter-se a anulação do acto de liquidação a que se reportam os autos.

    2. ) Os art.°s 41.° a 56.° da Tabela de Taxas do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais, nos quais se fundou a liquidação impugnada, são organicamente inconstitucionais.

    3. ) A tela e o anúncio encontram-se colocados dentro da propriedade da contra-alegante, inexistindo a utilização de qualquer bem ou local público ou semi-público.

    4. ) O tributo liquidado pela Câmara Municipal do Porto, relativo àquela tela e anúncio, não é, pois, correspectivo da utilização de qualquer bem público ou semipúblico.

    5. ) Fatal é, assim, concluir que a liquidação que, neste particular , e com base os art.°s 41.° e 56.° da Tabela de Taxas do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais, foi efectuada à recorrida, constitui um imposto, e não uma taxa.

    6. ) Fixando, como fixam, impostos, mormente quando não esteja em causa a utilização de um bem público ou semipúblico, os art..°s 41.° e 56.° da Tabela de Taxas do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e demais normativos do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais que o determinam, designadamente os art.ºs 12.° a 16.° e 19.°, são organicamente inconstitucionais, por violação do princípio da legalidade dos impostos ? art.ºs 103.°, n.ºs 2 e 3 e 165.°, n.° 1, alínea I) da Constituição da República Portuguesa.

    7. ) De tudo resulta que a liquidação das taxas de publicidade referentes à tela e anúncio instalados em propriedade da recorrente, notificados por ofício de 00.07.25 da Divisão Municipal de Receita e Contencioso da Câmara Municipal do Porto, é ilegal, por ter sido efectuada com base em normativos organicamente inconstitucionais.

    8. ) Deverá, assim, declara-se a inconstitucionalidade orgânica dos art.ºs 41.° e 56.° da Tabela de Taxas do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e, nessa medida, manter-se, também com este fundamento, a anulação do acto de liquidação posto em crise nos autos.

    Cumpre apreciar e decidir.

  2. A decisão recorrida considerou que o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais é formalmente inconstitucional por falta de menção de lei habilitante.

    No entanto, do referido Regulamento consta a menção da respectiva lei habilitante. Com efeito, o artigo 1.º do Regulamento cita o artigo 39.º, n.º 2, alíneas a) e l), do Decreto-Lei n.º 100/84 (que prescrevem competir à Assembleia Municipal a aprovação de posturas e regulamentos estabelecendo as taxas municipais e fixando os respectivos quantitativos), e são também citados os artigos 16.º e 19.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, que faculta aos municípios a cobrança de taxas pela concessão de quaisquer licenças ? nomeadamente a autorização para o emprego de meios de publicidade comercial [artigo 19.º, alínea h)].

    Verifica-se, portanto, menção suficiente da lei habilitante, pelo que o Regulamento em apreciação não enferma de inconstitucionalidade formal.

  3. No caso dos autos, a taxa impugnada é devida pela colocação na empena lateral de edifício pertencente à impugnante de uma ?tela publicitária? e de ?um reclamo luminoso com 14 m2 colocado no telhado?.

    O Tribunal Constitucional tem rejeitado a configuração como taxas de receitas em que não se vislumbra que esteja em causa qualquer forma de utilização de um bem público ou semi-público e em que o ente tributador não ?venha a ser constituído numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico? (cf. Acórdãos n.º 558/98 ? D.R., II Série, de 11 de Novembro de 1998; n.º 63/99 ? D.R., II Série, de 31 de Março de 1999; n.º 32/2000 ? D.R., II Série, de 8 de Março de 2000; n.º 346/2001 ? inédito; e nº 92/2002 ? inédito).

    Nos presentes autos acolher-se-á a jurisprudência citada. Nessa medida, remete-se para a fundamentação dos arestos indicados, concluindo-se pela inconstitucionalidade orgânica do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais, publicado no D.R., II Série, de 11 de Outubro de 1999, por violação dos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

  4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:

    1. Não julgar formalmente inconstitucional o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais do Porto, aprovado pela Assembleia Municipal em 26 de Julho de 1999;

    2. Julgar organicamente inconstitucional o mesmo Regulamento por violação dos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

    Lisboa, 30 de Setembro de 2003

    Maria Fernanda Palma

    Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto

    Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa)

    Rui Manuel Moura Ramos

    Declaração de Voto

    Votei vencido por não poder acompanhar, quer o segmento da decisão que se julgou organicamente inconstitucional o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais do Porto, de 1999 (precisando melhor, os seus art.os 41.º a 56.º em que se fundou a liquidação impugnada), quer a fundamentação em que a mesma decisão se estribou. Como decorre dos seus próprios termos, o acórdão seguiu os passos da jurisprudência anterior do Tribunal atinente à matéria. Entendemos, porém, que essa jurisprudência não sopesou devidamente importantes argumentos no sentido das receitas em causa deverem antes ser qualificadas como taxas.

    Vejamos porquê, no que reproduziremos muito do que como relator escrevemos num acórdão proferido quando exercemos funções no Supremo Tribunal Administrativo (acórdão proferido no proc. n.º 26820).

  5. Os conceitos de imposto e de taxa, que relevam para efeitos da sujeição ou não ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República (ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento), não se acham expressamente definidos na Lei Fundamental.

    Tratam-se de conceitos pré-constitucionais, de conceitos que foram sendo construídos ao longo dos tempos pela ciência e doutrina do direito fiscal (Sobre o tema, cfr. entre outros, Teixeira Ribeiro «Lições de Finanças Públicas», 267 e segs., e na «Revista de Legislação e Jurisprudência», 117º, 3727, 289 e segs., Soares Martinez, «Manual de Direito Fiscal», 34 e segs., Cardoso da Costa, «Curso de Direito Fiscal», 4 e segs., Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, 43 e 44, Alberto Xavier, «Manual de Direito Fiscal», 1º vol., 42 e segs., Maria Margarida Mesquita Palha, Sobre o conceito jurídico de taxa, publicado em Centro de Estudos Fiscais ? Comemoração do XY Aniversário ? Estudos, 2º Vol., 582 e segs., Sá Gomes «Curso de Direito Fiscal», 92 e segs. e, mais recentemente, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, no artigo intitulado Os Conceitos de Taxa e Imposto a propósito de Licenças Municipais, publicado na revista FISCO, n.º 51/52, 3 e segs.). A nossa Constituição adquiri-os com o sentido aí dominantemente construído e com um escopo específico sistemático-funcional [Referimo-nos à sujeição dos impostos ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da AR [actualmente os art.ºs 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), da CRP ] e ao modelo de organização do Orçamento (cfr. art.º 105.º e 106.º da CRP]. É consabido que, segundo o aí defendido, a diferença específica entre a taxa e o imposto reside, essencialmente em que, na taxa, há um nexo sinalagmático, ? outros preferem falar de uma relação de bilateralidade ou um tributo com causa específica individualizada - entre a prestação do obrigado tributário e a contraprestação da autoridade pública, contraprestação esta que se traduz, segundo o defendido por toda a doutrina, na prestação de um serviço público ou no uso de bens públicos e, ainda, para uma parte da doutrina...

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