Acórdão nº 367/03 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução14 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 367/03 Proc. n.º 172/03 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I ? Relatório 1. Por decisão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, de 29 de Outubro de 2002 (fls. 210 a 215), foi a ora recorrente, A., condenada pela prática de um crime de deserção, previsto e punido pelo artigo 142º, n.º1, alínea a) e 152º, n.º 1, alínea c), do Código de Justiça Militar, ?na pena de 2 meses de prisão militar, a qual, nos termos dos artigos 44º e 47º do Código Penal, aplicáveis ?ex vi? do disposto nos arts. 4º do CJM e 8º do Cód. Penal, se substitui por igual tempo de multa à taxa diária de 3 (três) Euros, o que perfaz a multa global de 180 (cento e oitent

  1. Euros [...]?. Foi ainda ordenada a não transcrição da decisão, nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.

    1. Inconformada com esta decisão a arguida recorreu para o Supremo Tribunal Militar, onde concluiu a sua alegação da seguinte forma:

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  2. Sendo a competência dos tribunais militares, nos termos do art. 213° da Constituição da República Portuguesa, exclusivamente direccionada para a apreciação e julgamento de um determinado e específico tipo de crimes, depende a mesma da verificação cumulativa de dois condicionalismos: o de estar vigente um estado de guerra; o de estarem em causa crimes de natureza estritamente militar, situação que, evidente não ocorre no caso em analise;

  3. tanto mais que os crimes essencialmente militares, únicos que podem ser objecto de julgamento em sede dos Tribunais Militares, têm de ser integrados à luz do n° 2 do art. 1° do Cod. de Justiça Militar, o qual dispõe que consideram-se crimes essencialmente militares os factos que violem algum dever militar ou ofendem a segurança e a disciplina das forças armadas, bem como os interesses militares da defesa nacional, e que como tal sejam qualificados pela lei militar;

  4. sendo evidente que, no caso, não estamos perante uma situação integrável naquela previsão legal;

  5. com efeito, o estar em causa crime de natureza estritamente militar não pode ser interpretado de outra forma que restringindo a competência dos tribunais militares aos casos em que uma dada actividade não é objecto de previsão no âmbito da moldura penal geral e, complementarmente, que apenas pode ser praticada por militares por força de funções concretas e especificas que lhe estão cometidas, pelo que só, e tão só, em termos de exclusão, se poderá aferir e admitir a competência do Tribunal Militar nesses precisos termos, sob pena de se fazer letra morta do art. 213° da Constituição da República Portuguesa, sendo os tribunais militares, em consequência, incompetentes para o julgamento de outros crimes, o que expressamente se invoca e vem arguir atento o disposto nos arts. 458° e 457° do Cod. Just Militar e 119° e 32º ambos do Cod. Proc. Penal;

  6. sendo que, a contrario, e emergindo a atribuição de competência ao Tribunal Militar para apreciação e julgamento da questão em apreço nos presentes autos dos arts. 309° e 313° do Cod. Just. Militar, os mesmos são, em face do art. 213° da Constituição da República Portuguesa, notória e evidentemente inconstitucionais, não podendo a lei geral alargar o âmbito de competência dos órgãos jurisdicionais, desde logo por coerência com o determinado pelo art. 165, nº1, al. p) da Constituição da República Portuguesa;

  7. tendo presente a autoria de dedução da acusação nos presentes autos, revela-se o Promotor de Justiça junto do Tribunal Militar incompetente para deduzir acusação nos presentes autos, sendo inconstitucional, em face do disposto no art. 219º da Constituição da República Portuguesa o art. 377º do Cod. Just. Militar na parte constante do seu n.º 1 em que confere e atribui competência ao mesma para deduzir o libelo acusatório (tanto mais que em relação a crime qualificáveis como essencialmente militares, que não é o caso, não obstante a tal se propender em sede acusatória, apenas é admissível a acusação pública);

  8. inconstitucionalidade do art. 377º, n.º 1, do Cod. Just. Militar que deriva, igualmente do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, contrariando pela desjurisdicionalização do processo decorrente daquele preceito;

  9. com efeito, o conceito de funcionário constante no art. 386º do Cod. Penal é extremamente amplo, como decorre, designadamente, dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 3.5.1985 na Col. Jur., X, 3, p.182, do Tribunal da Relação de Coimbra de 31.10.1990 na Col. Jur., XV, 5, p.74 e do Supremo Tribunal de Justiça de 18.4.1991 em AJ, n.º 18, proc. n.º 41722 (este quando afirma que tal preceito consagra um conceito lato de funcionário, abrangente dos militares, sem curar da natureza do vínculo, que só interessará no âmbito disciplinar), abrangendo todos os que têm uma dependência funcional de qualquer entidade estadual, mas as instancias especiais cedem perante as instancias comuns em caso de conflito de jurisdição, situação que revela cabal aplicação ao caso em análise, como assinalam S. Villa Nova, Luciano Patrão, Cunha Lopes e Castel Branco Ferreira, Cod. De Justiça Militar Anotado, p. 253/254, elementos esses que têm necessariamente de ser conjugados com o art. 13º da Constituição da República Portuguesa, ao consignar o princípio da igualdade, determina que não possa haver uma desigualdade de tratamento em função de uma qualidade puramente laboral, em termos de estatuto desvinculação funcional;

  10. tais pressupostos levam necessariamente a concluir que conjugados os elementos acima vertidos com a circunstancia de o libelo acusatório ser absolutamente omisso no que concerne à indicação de quais os elementos que permitem integrar a competência do tribunal nos termos que derivam da sua dedução (coerentemente com o disposto no art. 378º, n.º 1, do Cod. Justiça Militar), o princípio do contraditório, objecto de consagração constitucional expressa designadamente à luz dos art. 32º, n.º 5 e 16º da Constituição Portuguesa, sem prejuízo da sua consagração como princípio geral e fundamental de direito, se revela igualmente violado pelos indicados preceitos legais, com a sua inerente inconstitucionalidade;

  11. os arts. 142º, n.º 1, al. a) e 152º, n.º 1, al. a do Cod. De Justiça Militar, ao criarem um tipo legal de crime diverso exclusivamente em função da qualidade de militar, violando o princípio da igualdade, determinando a sua inconstitucionalidade à luz do art. 13º da Constituição da República Portuguesa;

  12. tais questões não são resolvidas pelo art. 197º da Lei Constitucional n.º 1/97, que não excluiu a consideração efectiva de um facto como crime militar ou não, a incompetência do promotor, a existência de normas especiais e a incompetência do tribunal;

  13. não ocorrendo, pois, em relação às mesmas pronúncia pela sentença recorrida, que assim se revela nula à luz do art. 668º,nº 1, al. d) do Cod. Proc. Civil;

  14. da mesma forma que ocorre a violação do art. 204º da Constituição da República Portuguesa por via da abstenção de pronúncia quanto às inconstitucionalidades arguidas em sede de contestação;

  15. a sentença recorrida revela-se sem fundamentação na medida em que se limita a proceder a uma mera enunciação de depoimentos sem que proceda a qualquer indicação concreta de qual a fundamentação especifica dos factos dados por assentes, sem estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a motivação que invoca genericamente e os factos dados por provados;

  16. situação que confronta os arts.374º, n.º 2, do Cod. Proc. Penal e 418º e 419º do Cod. Just. Militar e determina a nulidade da sentença recorrida, à luz, desde logo, do art. 379º, al. a) do mesmo Cod. Proc. Penal;

  17. de facto, inviável, em face dos elementos expressos constantes da sentença recorrida, se revela proceder à reconstituição do itinerário cognoscitivo do julgado, tal como é obrigação do mesmo, quer em face dos preceitos já indicados, quer em face do art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

  18. sendo a fundamentação um elemento absolutamente essencial do direito de recurso e do princípio do contraditório vide, respectivamente, o art. 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa), a alusão genérica aos depoimentos e a documentos juntos aos autos não permite definir, em relação aos factos dados por assentes, quais os meios de prova que estiverem na sua base, indicação essa que tem imperativamente de ser efectuada individualizadamente em relação a cada um dos factos dados por assentes, até porque cada facto configura, em si, uma decisão;

  19. sendo impossível determinar, por exemplo, e de forma mais crassa, qual a motivação subjacente aos factos imputados à recorrente de que a mesma sabia ser a sua conduta proibida por lei, da matéria de facto dada por assente e provada, tanto mais que a valoração dos meios de prova é absolutamente insusceptível de ser determinada e a mesma é omissa quanto à razão de ciência das diferentes testemunhas, para alem de não se revelar discriminado o alcance da alegada confissão pela recorrente;

  20. revelando-se inconstitucionais os arts. 374°, n° 2 do Cod. Proc. Penal e 418° e 419° do Cod. Just. Militar se interpretados no sentido de isentarem de fundamentação a fixação da matéria de facto com os requisitos supra vazados, atento os arts. 205º n° 1 e 32º n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa;

  21. cabendo os Supremo Tribunal Militar a apreciação da impugnação da matéria de facto, não obstante o disposto no art. 418º n° 1 do Cod. Just. Militar, pois que o direito ao recurso, consagrado no art. 32º n° 1, da Constituição da República Portuguesa não permite a delimitação da possibilidade de recurso à matéria de direito;

  22. sendo que, a contrario, tal preceito do Cod. Just. Militar se revela inconstitucional;

  23. tanto mais que se revela evidente que não foi feita prova quanto a uma pretensa consciência de prática de conduta proibida por lei por parte da recorrente ao não se ter apresentado no seu posto de trabalho após haver tempestivamente...

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