Acórdão nº 364/03 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução10 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 364/03

Procº nº 344/2003.

  1. Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

1. Em 28 de Maio de 2003 proferiu o relator decisão com o seguinte teor:-

“1. No Tribunal de comarca de Santa Maria da Feira B... e marido, propuseram acção, seguindo a forma de processo sumário, contra J... e mulher, A ... e mulher, M... e marido, F... e marido, e Z... e marido. Nessa mesma acção veio a ser deferido o pedido de intervenção principal provocada H... e mulher, e P... e, no despacho saneador, foram os réus J...e mulher, e A ... e mulher, absolvidos da instância, por ilegitimidade.

Por sentença proferida na dita acção foi decidido:-

- declarar serem os autores proprietários de um terreno de cultura sito em ..., Caldas de São Jorge, Santa Maria da Feira;

- condenar os réus e os intervenientes a reconhecer os autores como proprietários daquele terreno;

- condenar os réus e os intervenientes a reconhecerem que um seu prédio se encontrava onerado com uma servidão de passagem durante todo o ano, a pé, de carro de bois e de tractor, em benefício do prédio dos autores;

- condenar os réus e os intervenientes a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbassem o exercício daquela servidão

- condenar os réus M... e marido a retirarem um muro de blocos que ergueram junto à via pública e na entrada do caminho, mantendo livre e desimpedida a passagem;

- condenar os réus M... e marido a pagar aos autores, a título de indemnização pelos prejuízos por estes sofridos pela privação do exercício do direito de servidão, a quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença;

- condenar os réus M... e marido a pagarem aos autores, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 25 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de retirarem o muro de blocos que ergueram.

Tendo dessa sentença apelado para o Tribunal da Relação do Porto os réus M...e marido, aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 7 de Novembro de 2002, confirmou a sentença apelada, excepto no que diz respeito à condenação dos réus no pagamento da sanção pecuniária compulsória.

Os mesmos réus intentaram interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o disposto no nº 6 do artº 678º do Código de Processo Civil, para tanto tendo invocado que aquele Alto Tribunal, em acórdão de 19 de Julho de 1979, decidira diferentemente e, porque se não conhecia aresto do mesmo Supremo que decidisse em contrário, era de presumir que o dito aresto constituía ‘jurisprudência uniformizada’.

Não tendo o Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 5 de Dezembro de 2002, admitido o recurso, reclamaram os réus M... e marido para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Disseram na peça processual consubstanciadora da reclamação:-

‘............................................................................................................................................................................................................................................

O recurso em questão não foi admitido e, assim, foi rejeitado no despacho reclamado por 2 fundamentos.

Ao contrário do 1.º fundamento, em nosso critério o Acórdão do STJ integra jurisprudência uniformizada por aquele Tribunal Superior visto que presume-se a boa razão tanto nas Instâncias Jurisdicionais como nos Julgadores, o que quer dizer que se há jurisprudência pacífica, se esta é consensual neste Supremo Tribunal, como é o caso, segundo cremos, considera-se uniformizada.

Os 'Assentos' , não propriamente para uniformizar a jurisprudência, eram, só para os acórdãos contraditórios, de vinculabilidade obrigatória - quebrada pela jurisprudência constitucional, daí se impôs o princípio da ampla revisibilidade a poder ser requerida também pelas partes em qualquer estado do processo. Pelo que se entendeu desnecessária a complexidade processual de recurso a Pleno e suficiente a força persuasiva de decisão de STJ obtida no julgamento ampliado de revista para obter a desejável unidade de jurisprudência, harmonia de julgados, segurança jurídica, princípio da confiança (artigo 2.º CRP) : transformar a norma geral (1548-2 CC) em norma de decisão com divergências sem recurso como o pretendido permitiria, através de uma destas, dar a tal norma um sentido de violação da protecção da confiança num Estado de Direito (art.2.º CRP) para uma segurança de certeza e calculabilidade, com eficácia ex ante, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.

Com o devido respeito, ao contrário do 1.º fundamento do despacho reclamado, deverá ser aqui enquadrado (art. 678.º n. 6) e admitido o presente recurso de revista ainda que por lacuna processual.

Nesta reclamação damos por totalmente reproduzidas as considerações d[e]spendidas no douto parecer que se promete juntar no prazo de dez dias que se requer .

O 2.º fundamento refere que o entendimento do acórdão da Relação que confirmou a sentença de 1.ª instância conforma-se inteiramente com o Acórdão do STJ referido no requerimento de recurso quanto à questão suscitada. Baseia esta afirmação nos factos provados ‘caminho de terra batida’, ‘onde sempre foram visíveis, marcados no solo, sulcos característicos de passagem de carros de bois e tractores...’; que estes são sinais visíveis e permanentes; e que é a estes sinais que o Acórdão do STJ de 1979 se refere .

Com todo o respeito, cremos que o Acórdão do STJ diz exactamente o contrário. Refere que o simples traçado referente a um caminho de carro não garante que existam sinais visíveis e permanentes que ali tivessem sido postos para assegurar de modo estável, a passagem de carro. Logo, nem as marcas de passagem de carro. Logo, nem as marcas de passagem de roda de tractor poderão revelar serventia de um prédio para com o outro .

Neste sentido de que, com aquele com aquele Ac. do STJ, o acórdão recorrido não se conforma vem expresso na pag. 13 deste :

‘ . . . pelo facto de aquele prédio. . . ter sido destinado a cultivo ( com a normal lavoura do solo e consequente ‘remexer’ da terra, não obsta, nem sequer por ilação presuntiva, que não possa ali ter surgido, naturalmente, um caminho de terra batida com sulcos e trilhos, na sequência da passagem persistente, entre a via e o prédio dominante ( que, por mera lógica de raciocínio, não foi atingido pela lavra da terra)’.

Aqui se vê bem expresso que os trilhos, os sulcos, um caminho de terra batida ‘surgiram naturalmente’. O surgiram naturalmente não é obra do homem não é sinal ali colocado ou trabalhado pelo homem que revele serventia. A terra batida e os sulcos também existem em caminhos públicos nos quais não revelam qualquer permanência de serventia.

Com este acórdão da Relação não são consonantes as referências doutrinais subentendidas naquele Acórdão do Supremo de 19.7.79 (BMJ nº 289 pag. 326) no qual consta que a simples referência a um caminho de carro.... não garante que no seu traçado existam obras ou sinais exteriores visíveis e permanentes, que ali tivessem sido postos para assegurar, de modo estável a passagem de carro...».

Aliás na pág.328 do BMJ 289, as orientações doutrinárias que se subentendem no concernente ao requisito ( de existência de sinais visíveis e permanentes que não revelem a existência de serventia de uma para outra fracção) fundamentam-se nos Profs. Pires Lima e Antunes Varela: Esses sinais. além de visíveis ou aparentes, devem revelar uma situação estável (não transitória), mostrando que foram postos com a intenção de assegurar a serventia de uma fracção para outra com carácter de permanência» (Cod. Civ. anotado, vol III pag. 582) .

Uma coisa é os sinais que têm carácter permanente - outra coisa é os sinais de sulcos das rodas de carro ou de tractor aludidas pelo acórdão em questão. Os sulcos desaparecem no tempo - aqueles são permanentes e estáveis. O acórdão em questão definiu-se pelos sulcos - e o deste Supremo definiu-se pelas marcas permanentes e estáveis. O Acórdão STJ engloba marcas de serventia permanentes- que o acórdão da Relação não contém.

Toda esta subentendida orientação doutrinária do Supremo Tribunal está em consonância com a eliminação da servidão descontínua pelo novo código civil.

Nos termos expostos, e nos melhores de Direito, deverá ser deferida a presente reclamação de forma ser revogado o despacho dê que se reclama e admitido o recurso de revista interposto pelos réus.

............................................................................................................................................................................................................................................’

O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 19 de Fevereiro de 2003, indeferiu a reclamação, para tanto se louvando na seguinte fundamentação:-

‘............................................................................................................................................................................................................................................

Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, por o acórdão invocado pelos reclamantes - Acórdão de...

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