Acórdão nº 347/03 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução08 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 347/2003

Proc. n.º 794/02

  1. Secção

    Conselheiro Benjamim Rodrigues

    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

    A – O relatório

    1. A., identificado nos autos, recorre para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada por LTC), e no art.º 280.º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP), do Acórdão, de 27 de Julho de 2002, do Tribunal da Relação de Guimarães, na parte em que este decidiu negar provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães que, desaplicando por as ter por inconstitucionais a norma do n.º 5 do art.º 24.º e de forma subsequente, também, a norma constante do art.º 26.º, n.º 1, ambas do Código das Expropriações de 1991 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (doravante designado por CE/91), decidiu qualificar como “solo apto para a construção” a parcela de terreno cuja utilidade pública de expropriação urgente foi declarada por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 15/01/99, por delegação do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, publicado no Diário da República n.º 28, II Série, de 03/02/99, em causa nos autos, pretendendo que se aprecie a sua conformidade constitucional com os princípios da justa indemnização e da igualdade, consagrados, respectivamente, no art.os 62.º, n.º 2 e 13.º da CRP.

    2. Na parte útil ao tema deste recurso, o Acórdão recorrido discreteou pelo modo seguinte:

    «A questão genérica colocada no recurso consiste na concretização do princípio da justa indemnização, isto é, se o valor atribuído, na sentença recorrida, corresponde ao valor real corrente do terreno expropriado.

    Mas, o problema nuclear está na qualificação da parcela expropriada como solo "apto para a construção" ou " para outros fins".

    Ou doutro modo, saber se o facto do terreno expropriado se situar na zona da R.A.N. obsta, por si só, a que esse terreno possa ser considerado e avaliado como "apto para construção".

    Sobre o princípio da indemnização justa, importa salientar que, estando consagrado constitucionalmente o direito de propriedade privada (art. 62.º, n° 1 da CRP), a privação desta, por acto de autoridade administrativa e por motivo de utilidade pública, impõe à entidade expropriante o pagamento de "indemnização adequada" ou de "justa indemnização", que terá de corresponder a uma compensação pecuniária pelos danos patrimoniais resultantes da expropriação (art. 62.º n° 2 CRP e art.1 do Código das Expropriações). Para a adequada reconstituição da lesão patrimonial infringida ao expropriado, em processo de expropriação por utilidade pública, no qual o juiz tem de fixar uma indemnização certa e onde a avaliação é obrigatória, é indispensável que esta forneça todos os dados necessários para se decidir, sendo imperativo que os Peritos justifiquem o seu laudo, pronunciando-se fundamentalmente sobre o respectivo objecto (art. 586.º nº 1 CPC).

    Daí a razão de um relatório de avaliação suficientemente fundamentado, nomeadamente, quando a opinião dos Peritos diverge, mormente quando a divergência no valor da indemnização é considerável, como sucede no caso dos autos.

    Numa situação como esta, havendo divergências tão profundas dos Peritos na avaliação da parcela expropriada, é imprescindível que o juiz tenha possibilidade de optar, na decisão das diversas questões, entre as avaliações que apresentarem melhor fundamentação técnica.

    Como refere o Ac. da Rel. do Porto de 29.03.99 (BMJ-425, 627), no julgamento da matéria de facto, o tribunal pode afastar-se do laudo dos peritos, ainda que unânime, por mais qualificados que eles sejam, por não ser inacessível aos juízes o controlo do raciocínio que conduziu os peritos à formulação do seu laudo".

    É na qualificação do solo da parcela expropriada que se iniciam as divergências entre os dois laudos: o laudo do Perito da expropriada faz o cálculo da indemnização na base da consideração de se tratar de solo “apto para construção", enquanto os Peritos maioritários partem da consideração de se estar em presença de solo "apto para outros fins".

    De acordo com o Regulamento do Plano Director Municipal de Guimarães, a parcela de terreno expropriada enquadra-se numa zona classificada como zona de Salvaguarda Estrita que é constituída pelas áreas da Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional e zona "non aedificandi".

    Aqui, como acima ficou enunciado, está o cerne da questão, de tal modo que se impõe perguntar se tal facto conduz necessariamente à classificação da parcela expropriada como solo "apto para outros fins", não podendo concluir-se pela qualificação de solo "apto para a construção".

    O art. 24 n° 5 do C. das Expropriações de 1991 (aplicável ao caso) dispõe que " é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção".

    O Tribunal Constitucional já decidiu julgar inconstitucional a citada norma legal, pela violação dos princípios da justiça proporcionalidade, "enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de "solo apto para construção" os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola" (Ac. n° 267/97-DR-II-Série, de 21.05.97).

    É certo que quando o terreno é integrado na RAN não ocorre um esvaziamento total do conteúdo essencial do direito de propriedade do solo.

    O particular continua titular de um direito de propriedade sobre o terreno. Porém, ao ser afectado, por motivo de interesse público, à RAN, o direito sobre o solo sofre restrições: além de os proprietários nele não poderem construir, se o venderem, apenas poderão contar, como elemento valorativo do terreno, com a sua capacidade e fim agrícola.

    Na esteira do Ac. da R. Porto, de 20.11.97 (CJ-1997-V-199), falando-se sobre os requisitos enumerados no art. 24 do CE de 1991, para se determinar se o solo é "apto para construção" ou "outros fins", "da conjugação da al. a) do n° 2° do art. 24, com os n° 2° e 3° do art. 25 resulta que deve classificar-se como terreno apto para construção aquele que disponha apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada ou equivalente".

    "A existência das outras infra-estruturas referidas na alínea em causa revelará, assim, para efeitos da cálculo do valor do solo apto para construção, não para a classificação do mesmo como solo apto para construção ou solo apto para outros fins" (cf. Ac. da RP., de 27.06.00 junto a fls. 516-520 do proc. 827/01 ).

    Deste modo, a classificação de solo apto para construção não depende da existência cumulativa de todas as infra-estruturas referidas no mencionado preceito.

    E também na esteira da jurisprudência dominante, recorda-se ainda que "se o terreno for expropriado para nele se instalar um equipamento urbano previsto em plano municipal – hospital, estabelecimento de ensino ou qualquer construção urbana – temos de concluir que adquirirá as características descritas na alínea a), isto é, que vai dispor das necessárias infra - estruturas".

    No caso dos autos, a parcela foi expropriada para construção da obra "EN ------Variante de ----------" (D.R., a fls. 70) e segundo o PDM de -------- encontra-se inserida na R.A.N.

    Como se referiu, de acordo com o n° 5 do art. 24 do CE de 1991, "é equiparado a solo para outros fins, o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção".

    A classificação do solo e a sua efectiva utilização para efeitos de construção são coisas distintas, pelo que tal normativo legal não pode ser objecto de interpretação literal, no sentido da equiparação a solo para outros fins àquele que por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção.

    O entendimento mais corrente da doutrina e da jurisprudência vai no sentido de a integração na RAN "não implicar, de per si, a extinção das potencialidades edificativas dos respectivos solos, já que a lei prevê várias excepções ao regime proibitivo de construção e ainda porque as delimitações da RAN podem sempre ser alteradas pela Administração, com a consequente expansão do conteúdo do direito de propriedade" (cf. Osvaldo Gomes-Expropriações por Utilidade Pública, 243; Acs. da Rel. do Porto- CJ-1989-V-205 e CJ-1991-I-246; Ac. Rei. Évora-CJ- 1993-II-261 e Ac. Rei. Porto junto aos autos a fls. 166 a 170).»

    3. Nas alegações de recurso para este Tribunal Constitucional, o recorrente refutou o juízo feito pelas instâncias quanto á não conformidade constitucional do art.º 24.º, n.º 5 e, subsequentemente, do art.º 26.º, n.º 1 do CE/91, concluindo pelo seguinte modo:

    «1ª. Nos terrenos incluídos em RAN ou REN a ineptidão para a edificação é anterior ao plano e resulta da "função social", da "vinculação social" ou da "vinculação situacional" da propriedade que incide sobre aqueles terrenos.

  2. Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao "jus aedificandi" – resultante da inserção de terrenos especialmente adequados à actividade agrícola na RAN – e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da "justa indemnização" de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.

  3. Destinando-se a desanexação da Reserva Agrícola exclusivamente à construção de uma via de comunicação e não à transformação de prédio até então legalmente "rústico" em "urbano" a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa...

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