Acórdão nº 702/04 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução16 de Dezembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 702/04 Processo n.º 955/04 1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

1. A. deduziu reclamação do despacho do Conselheiro Relator que, no Supremo Tribunal de Justiça, não admitiu o recurso que pretendia interpor para o Tribunal Constitucional.

2. Resulta dos autos que:

2.1. No Tribunal do Trabalho da Comarca de Braga, B. intentou, em Novembro de 1999, contra A., acção emergente de contrato individual de trabalho, formulando pedido de indemnização fundado em despedimento ilícito.

Após audiência de discussão e julgamento com gravação da prova, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de 25.252.835$00, acrescida de juros de mora desde a citação.

2.2. Em recurso de apelação, a Ré A. impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, requereu a respectiva ampliação, suscitou questões relativas ao cálculo e ao carácter retributivo das comissões de venda atribuídas ao Autor e à existência de justa causa de despedimento e invocou a violação do disposto no artigo 69º do Código de Processo de Trabalho de 1981.

O Tribunal da Relação do Porto rejeitou o recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto por considerar que a recorrente não tinha efectuado, na sua alegação, a transcrição, através de escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se fundava, conforme impunha o artigo 690º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil. Quanto ao mais, negou provimento à apelação.

2.3. No recurso de revista que interpôs da decisão do Tribunal da Relação, A. formulou, entre outras, as seguintes conclusões nas alegações que apresentou (fls. 946 e seguintes dos presentes autos):

“[...]

3. O Acórdão recorrido absteve-se de apreciar o recurso da matéria de facto, rejeitando-o nessa parte, na medida em que considerou ter a Recorrente violado o disposto no n.° 2 do artº 690°-A do CPC dado não ter procedido à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que funda a sua pretensão.

4. Tal entendimento é apenas correcto na redacção original do n.° 2 do artº 690º-A do CPC, a qual foi alterada pelo DL n.° 183/2000, de 10 de Agosto.

[...]

7. O DL n.° 183/2000 veio alterar o regime do recurso da matéria de facto, desonerando o recorrente da transcrição dactilografada dos depoimentos gravados.

[...]

9. Ao rejeitar o recurso de apelação na parte relativa à reapreciação da matéria de facto, em virtude da não transcrição, por via de escrito dactilografado, dos depoimentos em que a Recorrente funda a sua pretensão, a decisão recorrida violou o disposto no artº 690º-A do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.° 183/2000, de 10 de Agosto.

[...]

22. De qualquer modo, para que fosse admissível a condenação para além do pedido impunha-se a prévia audição dos interessados, requisito que não foi respeitado, razão pela qual a douta decisão enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio do estado de direito democrático, acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da função jurisdicional, consagrados nos artºs 2º, 20º e 202º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa.

[..].”.

Nas suas contra-alegações, o Autor da acção, A., pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão impugnada (fls. 967 e seguintes).

Por sua vez, o representante do Ministério Público emitiu parecer em que concluiu pelo não provimento do recurso (fls. 1020 e seguintes), tendo sustentado, para o que aqui releva:

“[...]

A presente acção foi instaurada na data de 22/11/1999, como consta de fls. 2. E embora a apelação tenha sido interposta na data de 29/1/2002, como se vê de fls. 826, de uma sentença proferida em 7/12/2001, como se vê de fls. 818, à tramitação do recurso não era de aplicar o disposto no DL 183/2000, de 10 de Agosto.

Uma vez que, embora este diploma legal tenha entrado em vigor na data de 1/1/2001, ao abrigo do disposto no seu art. 8º, o respectivo regime apenas é de aplicar aos processos pendentes nessa data nos quais a citação do réu ou de terceiros não tivesse ainda sido efectuada ou ordenada, como dispõe o seu art. 7º, n.º 3. E assim esta disposição transitória afasta a regra de que aos diversos actos processuais se aplica, como lei reguladora, aquela que estiver em vigor no tempo da sua prática.

Ora, como refere a própria «A.» nas suas alegações de recurso (cfr. o primeiro parágrafo de fls. 948), o entendimento do Tribunal da Relação que conduziu ao não conhecimento da impugnação deduzida na apelação sobre a matéria de facto que deve ser considerada no processo «é efectivamente correcto na redacção original do preceito em questão (n.º 2 do art. 690º-A do CPC)».

Razão pela qual improcederá a primeira pretensão suscitada pela «A.» no presente recurso.

[...].”.

2.4. Por acórdão de 9 de Março de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida (fls. 1042 e seguintes).

Lê-se nesse acórdão, na parte que agora importa considerar:

“[...]

A primeira questão a dirimir respeita a saber se a recorrente, no recurso de apelação que interpôs perante o Tribunal da Relação, cumpriu o formalismo processual legalmente exigido para a impugnação da decisão de facto.

O artigo 690°-A do CPC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, na sequência da admissibi1idade do registo das provas produzidas em audiência de julgamento – medida inovadora que havia sido introduzida por esse diploma em vista a garantir um efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto –, veio impor ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à sua fundamentação (cfr. preâmbulo do diploma).

Dispõe esse preceito, na sua primitiva redacção:

[...]

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, no propósito de implementar algumas medidas simplificadoras ao nível do processo civil declarativo comum que pudessem, de algum modo, favorecer a celeridade processual, veio substituir aquele regime de transcrição das passagens da gravação por um novo sistema de indicação dos depoimentos por mera remissão para o início e termo da respectiva audição que estiver assinalado na acta.

O Decreto-Lei n.º 183/2000 entrou em vigor, conforme prevê o seu artigo 8°, no dia 1 de Janeiro de 2001. No entanto, o artigo 7°, sob a epígrafe Disposições finais e transitórias, estipula um conjunto de regras atinentes à respectiva produção de efeitos, e entre estas, a do seu n.° 3, que estabelece o seguinte: «O regime estabelecido no presente diploma é imediatamente aplicado aos processos pendentes em que a citação do réu ou de terceiros ainda não tenha sido efectuada ou ordenada».

Esse preceito tem, pois, o valor de uma norma de direito transitório material, indicando o momento a partir do qual a lei produz os seus efeitos, no tocante às diversas situações aí contempladas, solucionando, assim, as questões de aplicação da lei processual no tempo que poderiam vir a suscitar-se quanto a esses aspectos (cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, págs. 229-230).

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