Acórdão nº 640/04 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução12 de Novembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 640/04

Processo n.º 909/03

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Vítor Gomes

    Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

    1. A., identificado nos autos, foi condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º , n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de quatro anos de prisão. Interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 8 de Maio de 2003 (fls. 244 e segs.), o rejeitou, por manifesta improcedência. Desse acórdão recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 16 de Outubro de 2003 (fls. 283 e segs.) rejeitou também esse recurso, com fundamento em inadmissibilidade, quer por força da alínea e), quer da alínea f) do nº1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.

    O arguido interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), visando a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes dos alíneas e) e f) do nº1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal em síntese, pelo seguinte (conclusões das alegações):

    “1ª O S.T.J. interpretou e aplicou as normas constantes do artº 400º, n.º 1, als. e) e f), do C.P.P., no sentido de que para o efeito de recurso, para aquele Alto Tribunal, parte-se da pena, concreta, aplicada, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já em recurso, e não da pena aplicável, definida pela moldura penal respectiva;

  2. Tais normas, assim interpretadas, violam o disposto no artº 32º, nº. 1 , da C.R.P. (direito ao recurso, em sede de garantias de processo criminal);

  3. “É a gravidade abstracta do crime (aferida, legalmente, pela “pena aplicável”) e não a sua concreta gravidade (aferida, judicialmente, pela “pena aplicada”) que determina a recorribilidade ou irrecorribilidade, para o S.T.J., dos acórdãos proferidos em recurso pelas Relações (S.T.J., de 27/3/2003, recurso 870/03-5, CARMONA DA MOTA)”;

  4. A interpretação dada às normas, em questão, pelo S.T.J., não é aceitável do ponto de vista da igualdade de armas, pelo que, também deste ponto de vista, viola previsões constitucionais, entre outras, nomeadamente, a do artº 32º, n.º 1, da C.R.P.;

  5. Tendo as normas constantes das als. e) e f), do n.º 1, do artº 400º, do C.P.P., sido interpretadas com o condicionalismo e alcance supra referidos, mostram-se as mesmas, assim aplicadas, afectadas de inconstitucionalidade material, por contrariarem , directamente, o disposto no artº 32º, n.º 1, da C.R.P., já que, desse modo, restringem, inaceitavelmente, a garantia constitucional, em causa (direito ao recurso).”

    O Ministério Público contra-alegou, sustentando, em síntese:

    “- que se mostra assegurado ao arguido o duplo grau de jurisdição, não podendo inferir-se da consagração constitucional do “direito ao recurso” o sistemático acesso ao Supremo Tribunal de Justiça;

    - que os critérios acolhidos na decisão recorrida, como forma de “seleccionar” o acesso ao Supremo, não se configuram como violadores dos princípios da igualdade e proporcionalidade, ao mostrarem-se fundados na gravidade da pena cominada ao arguido pelas instâncias e a existência de uma “dupla conforme”, decorrente de duas decisões condenatórias das instâncias.”

    2. O acórdão recorrido, rejeitou o recurso, por inadmissível, com base na seguinte fundamentação:

    “No presente caso apenas o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal.

    Assim, há que ter em conta o disposto no artº 409º do C.P.P. no que concerne à proibição da “reformatio in pejus”, segundo a qual, interposto recurso da decisão final somente pelo arguido – que é o caso que ora releva – o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos , ainda que não recorrentes – v. o n.º 1 do referido artº 409º.

    Isto significa que a pena aplicável pelo tribunal de recurso – mormente a de prisão (v. o n.º 2 daquele artº 409º) – a cada um dos crimes, por cuja prática o arguido foi condenado, não pode ser superior à pena aplicada pelo tribunal recorrido a cada um dos mesmos crimes - v., entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 11-4-2002 (proc. n.º 150/02 – 3ª Secção), dois de 27-3-2003 (procºs. nºs. 859/03 e 870/03, ambos da 5ª Secção), de 5-6-2003 (procº. n.º 2150/03 – 5ª Secção) e de 3-7-2003 (procº. n.º 2445/03 – 5ª Secção).

    Ora, “in casu”, a Relação de Lisboa, ao confirmar a decisão da 1ª Instância, aplicou ao arguido, aqui recorrente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, a pena de quatro anos de prisão.

    Assim, por um lado, dado que a pena aplicável pela via de novo recurso – agora que este Supremo Tribunal – não pode exceder a que foi aplicada pela Relação, sendo a mesma de quatro anos de prisão, não é admissível o presente recurso para o disposto o artº 400º, nº 1, al. e), do C.P.P., pelo que o mesmo tem de ser rejeitado nos termos dos artºs. 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1 do C.P.P..

    Por outro lado, estamos perante um acórdão condenatório da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, em processo por crime ao qual, pela via de novo recurso, não é aplicável pena de prisão superior (pena de prisão superior) à já aplicada pela Relação, pelo que, face ao disposto no artº 400º, n.º 1 al. f), do C.P.P., sendo a mesma inferior a oito anos de prisão, também não é admissível o presente recurso, que, assim, ainda tem de ser rejeitado por este motivo nos termos dos artºs. 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1 do C.P.P. (...).”

    1. As normas cuja (in)constitucionalidade o recorrente pretende que este Tribunal sindique têm a seguinte redacção:

      “Artigo 400.º

    2. Não é admissível recurso:

      1. […]

      2. De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3;

      3. De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções,

      4. […].”

      O acórdão recorrido rejeitou o recurso com dupla fundamentação, ou seja, pelo preenchimento da hipótese normativa das duas normas acima transcritas, qualquer delas considerada suficiente para esse resultado. Efectivamente, no pressuposto comum à interpretação das duas normas de que o que releva no conceito depena aplicável é a pena máxima que possa vir a ser aplicada pelo tribunal ad quem (e não a pena abstractamente cominada no tipo legal) e de que o Supremo Tribunal de Justiça, em recurso interposto pelo arguido (ou pelo Ministério...

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