Acórdão nº 610/04 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Outubro de 2004

Data19 Outubro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 610/2004 Processo n.º 702/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão sumária do relator, de 17 de Junho de 2004, que decidira:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão da 1.ª instância, quando o limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado não ultrapasse 8 anos de prisão, e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Março de 2004; e

b) Não conhecer do objecto do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13 de Outubro de 2003, por inadmissibilidade do mesmo.

1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Março de 2004 (fls. 1306 a 1309), que rejeitou, por inadmissível, recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13 de Outubro de 2003 (fls. 1189 a 1211), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade:

– «da interpretação e aplicação conjugada que o acórdão proferido fez dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, alínea b), do Código de Processo Penal, no sentido de que é irrecorrível o acórdão da Relação confirmativo do acórdão da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça quando o arguido venha acusado por crime ao qual seja aplicável em abstracto pena superior a oito anos de prisão e venha a ser condenado nas instâncias por crime ao qual seja aplicável em abstracto pena igual a oito anos de prisão, por violação dos artigos 9.º, n.º 2, do Código Civil, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição»; e

– «da interpretação e da aplicação conjugada que se fez do vertido nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, alínea b), do Código de Processo Penal e do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, nomeadamente do primeiro normativo no segmento em que afasta a recorribilidade do acórdão da Relação confirmativo do acórdão da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça quando a pena aplicável ao concurso de infracções seja superior a oito anos de prisão, por violação dos artigos 9.º, n.º 2, do Código Civil, e 13.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição».

O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, mas, antes de os autos serem remetidos ao Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou o requerimento de fls. 1317, no qual, após referir que aquando da interposição do recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães para o Supremo Tribunal de Justiça também interpusera recurso desse mesmo acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, visando a apreciação da constitucionalidade «da interpretação e aplicação que, quer o Tribunal de Comarca quer o Tribunal da Relação fez do artigo 70.º, n.º 2, do Código Penal», mas que sobre este requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade não recaiu despacho de admissão no Tribunal da Relação de Guimarães, solicitou o envio do processo a esse Tribunal da Relação para ser proferido tal despacho, uma vez que é ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida que compete apreciar a admissão do respectivo recurso (artigo 76.º, n.º 1, da LTC).

Deferido este requerimento e remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, aí o Desembargador Relator proferiu despacho de admissão de recurso para o Tribunal Constitucional tendo por objecto o acórdão dessa Relação, de 13 de Outubro de 2003.

Constata-se, porém, que, por um lado, a questão de constitucionalidade suscitada a propósito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é de considerar «simples», por já ter sido objecto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, e que, por outro lado, o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães é inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto, o que possibilita a prolação de decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

  1. Quanto ao recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:

O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13 de Outubro de 2003, confirmou o acórdão das Varas de Competência Mista de Guimarães, de 7 de Maio de 2003, que condenou o ora recorrente, pela prática de cada um de cinco crimes de roubo, previstos e punidos no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e, em cúmulo dessas penas parcelares, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

No requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente sustentou a admissibilidade desse recurso por, a seu ver, se dever entender que quando o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP) declara irrecorríveis os «acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções», deve atender-se, não aos crimes pelos quais o arguido foi condenado (no caso: cinco crimes de roubo, previstos no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal e puníveis, cada um, com prisão de 1 a 8 anos), mas – uma vez que é a acusação (ou o despacho de pronúncia, se o houver) que fixa o objecto do processo – aos crimes pelos quais o arguido foi acusado (no caso: oito crimes de roubo qualificado na forma consumada e dois crimes de roubo qualificado na forma tentada, previstos nos artigos 210.º, n.º 2, alínea b), e 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, e puníveis, cada um, com prisão de 3 a 15 anos), logo aduzindo que «diversa aplicação e interpretação das disposições conjugadas dos artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal deve ser julgada ilegal e inconstitucional por violação dos artigos 9.º, n.º 2, do Código Civil, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa».

O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Guimarães, mas quer na resposta do representante do Ministério Público nesse Tribunal à motivação do recurso, quer no parecer emitido pelo representante do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça se defendeu a inadmissibilidade do recurso, com base no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, quer por se dever atender às penas aplicáveis aos crimes pelos os quais o arguido foi condenado (e não aos crimes pelos quais foi acusado ou pronunciado), quer porque, estando em causa recurso interposto pelo arguido, por força da proibição da reformatio in pejus a pena aplicável, no caso, pelo Supremo Tribunal de Justiça nunca poderá ser superior a 6 anos e 6 meses de prisão.

Em resposta ao aludido parecer, o recorrente propugnou a improcedência do entendimento sustentado, aduzindo a inconstitucionalidade dessa interpretação.

O Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão de 3 de Março de 2004, decidiu rejeitar o recurso. Após referir as teses defendidas pelos diversos intervenientes processuais e a anterior jurisprudência desse Supremo Tribunal e após reproduzir as normas dos artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, consignou-se nesse acórdão:

“Perante a clareza dos textos legais, temos como adquirido – e é significativa a jurisprudência nesse sentido – que «pena aplicável», referida na alínea f) (transcrita) e na anterior alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, se reporta à moldura geral abstracta da pena prevista para o crime ou crimes apreciados na 1.ª instância, e não à pena concretamente aplicada.

E isto é válido «mesmo em caso de concurso de infracções», pois o que releva para efeitos de admissão, ou não, de recurso não é a pena única, aplicável ou aplicada, em resultado do cúmulo, mas sim e apenas a pena abstractamente aplicável, a cada um dos crimes singularmente considerados.

Tendo o arguido/recorrente sido condenado por crimes, todos e cada um deles, puníveis com pena de prisão não superior a 8 anos de prisão (artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal) e tendo o acórdão da Relação confirmado a decisão da 1.ª instância (pena única, 6 anos e 6 meses de prisão), não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por tantos serem (e subscrevemos já alguns) dispensamo-nos de citar alguns dos muitos acórdãos já proferidos pelo STJ no sentido que vem exposto.

Já bastam as citações carreadas pelo Ministério Público numa e noutra instância.

O pouco que acrescentaremos insere-se apenas no propósito de demonstrar (ou tentar demonstrar) o infundado da tese em que se baseia o recorrente.

a) A Lei Fundamental e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagram apenas como garantia de defesa, nesta área, o direito ao recurso, ou seja, um duplo grau de jurisdição que o recorrente já esgotou.

b) Não foi em vão que na exposição de motivos da Proposta da Lei n.º 157/VII, que precedeu a revisão do CPP levada a cabo pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, se estabeleceu como um dos objectivos anunciados: «c) Faz-se um uso discreto do princípio da “dupla conforme”, harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade».

Significa isto que...

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