Acórdão nº 566/04 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução22 de Setembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 566/04

Processo n.º 675/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Artur Maurício

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A. foi proferida a seguinte decisão sumária:

"1 – A., depois de já condenada pelo crime de tráfico de estupefacientes, foi absolvida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos p. e p. pelo artigo 23º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, pela qual havia sido pronunciada, com o fundamento de não poder ser punida no âmbito deste ilícito por já ter sido já condenada pelo crime precedente de tráfico de estupefacientes.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando haver concurso real de crimes, por os dois referidos ilícitos penais visarem a protecção de bens jurídicos distintos.

A arguida respondeu ao recurso e respectiva motivação, tendo, em síntese, afastado a existência de concurso real, na perspectiva que o entendimento contrário põe em causa princípios gerais (em especial, os artigos e 40º do Código Penal) e princípios constitucionais (violação do princípio ne bis in idem, assegurado no artigo 29º, nº1 da CRP) e, subsidiariamente, em caso de aplicação de uma pena, a mesma deverá ser não detentiva, ou sendo-o, de forma a poder ser suspensa a sua execução.

Por acórdão de 13 de Maio de 2004, o STJ concedeu provimento parcial ao recurso, requalificando jurídico-criminalmente os factos imputados à arguida no tocante à existência do concurso real de crimes, ordenando a devolução dos autos à primeira instância para, em audiência complementar (restrita a esta questão e às questões conexas) se pronunciar sobre a medida da pena (cfr. fls. 975 a 996 dos presentes autos).

A arguida, não se conformando com o acórdão do STJ, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional tendo dito no requerimento de interposição:

“(…), nos termos do art. 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ao abrigo do disposto no nº1, al. b) do art. 70º, para apreciação da inconstitucionalidade do art. 23º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por violação do princípio “ne bis in idem”, assegurado no art. 29º da Constituição da República Portuguesa, conforme o alegado pela Recorrente na sua resposta ao já referido recurso interposto pelo Ministério Público”.

Cumpre apreciar e decidir.

2 – Disse-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrido:

“Uma única questão se acha suscitada no recurso – delimitado no seu objecto pelas conclusões da motivação apresentada -, a existência (ou não, como se decidiu no acórdão sub juditio) de concurso real entre os ilícitos penais vertidos nos artigos 21º e 23º do Decreto-Lei nº. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

A essa questão se responde pela positiva – a existência de concurso real entre as aludidas normas.

E as razões fundamentadoras de tal resposta colhem-se do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 20 de Junho de 2002.

Que – sufragando-as – aqui se vertem:"

O acórdão do STJ em que o aresto recorrido se louva começa por expor a doutrina daqueles que defendem a não punição das intervenções posteriores à consumação quando realizadas pelo agente do ilícito típico precedente (cfr. Jorge Alexandre Fernandes Godinho "Do crime de branqueamento de capitais. Introdução e tipicidade", Almedina, 2001, págs. 238 e segs.); refere-se, depois, a doutrina contrária. E escreve:

"Discorrendo sobre esta questão, escreve Jorge Manuel Vaz Monteiro Duarte: (...) Tendo em conta o já exposto, afigura-se-me que a resposta à questão acima enunciada não pode deixar de ser positiva, isto é, o, o autor do crime de tráfico pode cometer, em concurso efectivo com o crime-base, o crime de branqueamento de capitais.

Na realidade, os bens jurídicos tutelados por ambos os ilícitos em referência são efectivamente distintos.

Assim, a criminalização do tráfico de estupefacientes visa, em primeiro lugar, tutelar a saúde pública da comunidade e, reflexamente ou, melhor dizendo, em paralelo, a saúde (física e psíquica) de todos e de cada um dos membros da comunidade.

Por seu turno, o crime de branqueamento de capitais visa, para além do mais, tutelar a "saúde" do circuito financeiro, económica e jurídico dessa mesma comunidade, assim o visando resguardar de "contaminações " derivadas do afluxo à respectiva...

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