Acórdão nº 402/21 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução08 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 402/2021

Processo n.º 531/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. e as sociedades B., S.A., C., S.A., D., S.A., E., S.A., F., S.A., G., S.A., H., S.A. e I., S.A. (todos ora recorrentes) foram condenados, em primeira instância, no âmbito do processo número 8641/14.2TDLSB, do Juízo Central Criminal de Viseu, por acórdão de 17/12/2018, nos termos seguintes:

a) o arguido A. na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio e branqueamento, na pena acessória de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos pelo período de 5 anos e no pagamento ao demandante Turismo de Portugal, I.P., em regime de solidariedade com as sociedades arguidas, da quantia de €2.292.052,66;

b) cada uma das arguidas B., S.A. e C., S.A. em pena única de multa, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio e branqueamento, na pena acessória de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos pelo período de 5 anos, e no pagamento ao demandante Turismo de Portugal, I.P., em regime de solidariedade com os demais arguidos, da quantia de €2.292.052,66; e

c) cada uma das arguidas D., S.A., E., S.A., F., S.A., G., S.A., H., S.A. e I., S.A. em pena de multa, pela prática de um crime de branqueamento, e no pagamento ao demandante Turismo de Portugal, I.P., em regime de solidariedade com os demais arguidos, da quantia de €2.292.052,66.

1.1. Desta decisão recorreram os identificados arguidos para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando, designadamente, a inconstitucionalidade da “[…] interpretação normativa que resulta do artigo 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, no sentido de que é típica a obtenção, por meios fraudulentos, de um subsídio em montante superior àquele que seria recebido sem o emprego desses meios […]” e da “[…] interpretação normativa que resulta da leitura conjugada dos artigos 30.º, n.º 1, e 368.º-A, n.os 1 e 2, do Código Penal, e do artigo 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, no sentido de que um agente pode ser simultaneamente condenado pelo crime de branqueamento por factos correspondentes à consumação material do crime de fraude na obtenção de subsídio”.

1.1.1. Por acórdão de 25/09/2019, o Tribunal da Relação de Coimbra concedeu parcial provimento ao recurso, decidindo condenar:

a) o recorrente A. na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio e branqueamento, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de entregar o montante de €50.000 a 3 corporações de bombeiros do distrito de Viseu, em partes iguais, no prazo de 5 meses;

b) cada uma das recorrentes B., S.A. e C., S.A. em pena única de multa, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio e branqueamento, reduzindo, todavia, a medida da pena aplicada em primeira instância;

c) cada uma das arguidas D., S.A., E., S.A., F., S.A., G., S.A., H., S.A. e I., S.A. em pena de multa, pela prática de um crime de branqueamento, reduzindo, todavia, a medida da pena aplicada em primeira instância;

d) todos os arguidos no pagamento ao demandante Turismo de Portugal, I.P., em regime de solidariedade, da quantia de €1.300.018,84.

E, em tudo o mais, manteve essa instância de recurso a decisão aí impugnada, constando dos fundamentos do acórdão, designadamente, o seguinte:

“[…]

[Quanto ao valor do benefício:]

Ora, não é coisa pouca conseguir fazer um investimento – para criar um património imobiliário que, para além do valor intrínseco, ainda por muitos e muitos anos será uma fonte produtora de rendimentos: precisamente um hotel de 4 estrelas – recorrendo a um financiamento que cobre 65% do valor do investimento, reembolsável na prática num período de 13 anos (10 mais 3 de carência), sem juros; e mais, com prémios atribuíveis, o montante a reembolsar seria bem menor, e no limite até poderia ser tido como a fundo perdido. Tudo isto sem ter de recorrer a autofinanciamento (e assim afetar capitais que deixavam de render juros no banco ou que seriam necessários para outros projetos) e sem financiamento bancário (com a inerente necessidade de reembolsar juros e amortizar o empréstimo).

Quanto ao montante do benefício, dizem os recorrentes que «a vantagem que o arguido e a B. retirariam do alegado esquema fraudulento seria o resultado da diferença entre o prémio calculado com base no subsídio recebido e o prémio calculado com base no subsídio a que o arguido e a B. teriam direito, caso tivessem efetivamente elaborado executado o tal esquema fraudulento, (…) a diferença seria de cerca de 300 mil euros, sendo que seria este o benefício dos arguidos.»

Só que na verdade os recorrentes não podem beneficiar ainda de benefícios de que já usaram e de outros a que não teriam direito se o investimento não tivesse sido considerado elegível, e por isso o acórdão recorrido fala da atribuição indevida de €2.292.052,66 a título de atribuição indevida de subsídio, que era o que estava em causa com o que sempre foi o objeto do processo (artigos 85 e ss. da factualidade provada relativos ao pedido cível, assim como v.g. fls. 1431 v.º 1.º e pág. 3 parte final do relatório pericial, fls. 140 dos autos).

Aliás, nesta matéria o MP na 1.ª instância faz […] notar que bem se poderia pôr a questão de saber se não se deveria «ter como vantagem ilícita obtida a atribuição indevida de €2.292.052,66, tendo por referência o valor dos custos incorridos pelo centro de custos de obra da C. ascendendo a €4.822.689,3, a gerar um subsídio de €3.134.748,05 (em vez dos €5.426.800,71 entregues). Com efeito, numa outra perspetiva, pode afirmar-se que o benefício obtido foi o do financiamento obtido na sua totalidade pois que, com o estratagema criado, o arguido conseguiu obter um financiamento que não teria logrado (em qualquer montante que fosse) se não tivesse convencido o Fundo de Turismo de que tinha condições para suportar o valor dos 35% de excedentes, pois que esta era uma condição formal da concessão do subsídio.»

Nesta parte da matéria de facto há que deixar expressa uma dúvida.

Do facto provado 19. consta que o projeto inicial (ponto 17 dos factos) foi alterado – e não um novo projeto, como pretendem os recorrentes, não é nada disso que resulta dos contratos –, o que «resultou num novo ajuste direto – retificação e ampliação do Hotel & SPA 4 Estrelas à arguida ‘C.’, desta vez pelo valor de €6.336.587,50, conforme contrato assinado a 2 de maio de 2011». Ou seja, o ajuste direto de €5.144.000,00 passou para um valor superior, tendo em conta que foi aumentada a capacidade de alojamento do hotel para 146 quartos e suprimida a área de equipamentos destinados ao SPA.

É uma dúvida que os recorrentes expõem assim: houve um «aumento substancial da área de implantação, pela eliminação da zona de SPA pelo aumento de 103 para 146 quartos, o que corresponde a um aumento de cerca de 30% da capacidade de alojamento.; dizendo que estas alterações não foram cobertas pelo subsídio, «caso tivesse sido calculado com base no valor do segundo contrato de adjudicação seria de €4.118.018,86 267. De onde resulta uma diferença de €1.300.018,84; assim, o valor do subsídio que teria sido entregue a mais à B. seria de €1.300.018,84, e não de €2.292.052,66, como erradamente se afirma no ponto 59 do acórdão recorrido.»

O acórdão recorrido, na parte da fundamentação de facto, expõe também esta hipótese quando refere «o valor total real contratado para a efetivação da obra foi de 5.144,000,00 euros (inicialmente), ou no máximo, o valor de €6.336.587,50, e não os €8.950.684,72, constantes do orçamento da arguida D. apresentado nas candidaturas».

É verdade que se pode esconjurar esta dúvida dizendo que aquando da primeira adjudicação já se previa a alteração futura do projeto, com aumento de quartos, e, portanto, que tudo isto estava no plano de obter, por empolamento de custos, um subsídio que cobrisse todo o custo do empreendimento, incluindo a parte que cabia à promotora do mesmo.

Sendo esta uma hipótese plausível à luz dos factos tais como se passaram, subsiste no entanto a interrogação: tratando-se de um aumento considerável de quartos – apesar da poupança com a eliminação dos equipamento destinados ao SPA, que a perita da PJ disse representar muito pouco –, isso traduzia-se num incremento considerável de custos, com novas paredes, mais equipamentos, mais tempo de construção, etc., que na verdade não sabemos quem suportou, e se o custo constante do centro de custos da obra cobriu realmente esses aumentos de despesa (facto 52. «Esta obra totalizou o valor de €4.822.689,31, conforme custos incorridos pelo centro de custos de obra pela arguida ‘C.’, o que face a este montante o valor da comparticipação, a ser entregue pelo Turismo de Portugal, devia ter sido apenas de 3.134.7 48,05 euros.»

Esta dúvida só pode beneficiar os arguidos, e assim sendo temos de considerar que o valor atribuível de subsídio seria inferior ao que consta do facto 59., pelo que o valor do subsídio que teria sido entregue a mais à B. seria de €1.300.018,84, e não de €2.292.052,66.

O que determina que aquele facto 59. passe a ter a redação seguinte:

«59. O arguido A., por si e em representação das sociedades arguidas, logrou com a sua descrita conduta, e com referência à adjudicação referida no facto 19. a atribuição indevida de...

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