Acórdão nº 379/04 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução01 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 379/2004 Processo nº. 181/04 1ª Secção

Relator: Conselheiro Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 – A., com os sinais dos autos, foi investigado em autos de inquérito em cujo âmbito foram determinadas intercepções e gravações de conversas telefónicas.

O despacho que autorizou as referidas escutas telefónicas refere que por se indiciar “fortemente a prática, por um grupo de pessoas organizadas, entre as quais A. e de …, de vários crimes, nomeadamente, falsificação de documento p.p. art. 256º, nº 1 a) e b) e nº 3 do C.P., contrafacção de chancela p.p. art. 269º, nº 1, CP, descaminho de objecto colocado sob o poder público p.p. art. 355º, CP, associação criminosa p.p. art. 299º, nº 1, CP, branqueamento de capitais p.p. art. 1 e 2º, nº 1 a) e 3 do DL 325/95 de 2/12 e ainda vários ilícitos de natureza fiscal e aduaneira e que “Com tais fundamentos o MP solicita a intercepção e gravação das conversações e comunicações telefónicas estabelecidas pelos seguintes números (...) autorizo a intercepção e gravação das comunicações efectuadas do e para os telemóveis ... pelo período de 60 dias” (cfr. fls. 48 e 49 dos presentes autos).

O MP promoveu a prorrogação das operações de escuta telefónica por mais 30 dias, promoção que, por despacho judicial de 21.12.2000 (cfr. fls. 53), foi deferida.

Após nova promoção do Ministério Público no sentido da prorrogação destas operações de escuta por mais 30 dias, o Juiz de Instrução Criminal, por despacho de 17.01.2001 autorizou nova prorrogação por mais 30 dias (cfr. fls. 275 e 276 dos presentes autos).

Por despacho judicial de 8.02.2001 (cfr. fls. 54) foi ordenada a transcrição em auto das conversas telefónicas constantes das sessões discriminadas, “ao abrigo do disposto no artº. 188º, nº 3, do CPP, por considerar que têm elevada relevância probatória alguns dos elementos recolhidos através da intercepção e gravação dos telemóveis infra mencionados, que escutei nas instalações da PJ de Coimbra, onde para o efeito me desloquei no dia 30/1/2001”.

Notificado da acusação, o ora recorrente arguiu a nulidade das escutas efectuadas nos autos ao abrigo do artigo 189º do Código de Processo Penal.

A arguida nulidade foi apreciada na decisão instrutória nestes termos:

“As escutas telefónicas foram devidamente autorizadas pelo Juiz, foram levadas ao seu conhecimento findo que foi o período para a qual estavam autorizadas, e foram transcritas após determinação judicial, quando os meios humanos da Polícia Judiciária o permitiram.

Não foi verificada qualquer desconformidade entre o teor da gravação e a transcrição.

Seria absurdo que, com os modernos meios de efectivação das intercepções telefónicas (início e extinção automática pela operadora, de acordo com o despacho judicial fundamentado), o prazo constituísse fundamento de nulidade de um meio de prova que observou os requisitos substanciais exigidos por lei tendo sido devidamente autorizada e controlada pelo juiz em tempo útil.

Sobre a invocada inconstitucionalidade material dir-se-á apenas que foram observadas as normas legais que regulam a intercepção telefónica, sendo certo que a reserva da inviolabilidade das telecomunicações não é absoluta, mas relativa, e só pode ser considerada abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial.

Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade.

Face ao exposto indefiro as requeridas declarações de nulidade e inconstitucionalidade.” (cfr. fls. 72 e segs. dos presentes autos).

Desta decisão o arguido recorreu directamente para o Tribunal Constitucional que, por falta da verificação dos pertinentes pressupostos processuais, não tomou conhecimento do objecto do recurso.

O arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo concluído a sua alegação como segue:

“1ª - A intercepção, gravação e transcrição das conversas telefónicas efectuadas nos presentes autos foram efectuadas em violação frontal do disposto no artº 188º, nºs 1 e 3, do CPP, pelo que foi cometida nulidade insuprível, aliás desde logo arguida, a qual a lei expressamente prevê no artº 189º daquele mesmo Diploma Legal;

  1. - Tal violação resulta do facto de não ter havido controlo jurisdicional na efectivação daquelas operações, designadamente por não terem tais elementos sido imediatamente apresentados ao Mmº. Juiz de Instrução nem por este proferida imediata decisão sobre a selecção e destruição de tal matéria, nos termos constantes.

  2. - Ora, se bem repararmos, certo é que, por douto despacho de 18/2/01 (fls 1383) o Mmº. JIC afirma ter ouvido em 30/01/01, nas instalações da Polícia judiciária, todo o material interceptado e gravado, mas só em 18/2/01 é que ordena a transcrição do que lhe pareceu relevante, que aliás não concretiza claramente.

  3. - Sucede porém que não tendo o despacho de junção sido proferido, mas apenas o de transcrição, não se sabe como e quando esta foi feita.

    O que sabemos é que ela foi feita sem controlo do Mmº JIC, que ordenou a sua feitura em 18/2/2001 e só ordenou a sua junção aos autos em 30/4/01 (cfr. fls. 1829), precisamente quando elas já lá se encontravam por decisão anterior do Ministério Público de 27/4/01 (cfr. fls. 1690)

    Só então (em 30/4/01) o JIC ordena a destruição do material que considerava irrelevante, quando procedeu à respectiva audição, em 30/01/01 (cfr. fls. 1383);

  4. - Do mesmo modo temos que concluir que tal transcrição apenas é feita em 27/4/01 (cfr. fls. 1690), ou seja, três meses após o termo da chamada operação de recolha e cerca de dois meses e meio após o Mmº. JIC a ter ordenado.

    E tudo isto feito por mera iniciativa do M.P., sem qualquer intervenção do JIC, que em violação de toda a exigência legal, desde 18/2/02 (fls. 1383) que não mais foi ouvido nem achado;

  5. - Se repararmos bem, verificamos mesmo que foi o Ilustre representante do M.P. quem fez uso indevido dos poderes exclusivamente conferidos por lei (artºs 188, nºs 1 e 3 do CPP) ao Juiz de Instrução, e assim é aquele Ilustre Magistrado do M.P. quem, em 30/4/01 (cfr. fls. 1825), isto é, já depois de ter promovido a junção aos autos das transcrições (cfr. fls. 1690), que a secretaria executou sem intervenção do JIC, opina sobre o conteúdo de tais (?) transcrições, seleccionando as que, em seu entender, têm importância e as que, ao contrário, são inócuas para o fim pretendido pelo titular da acção penal;

  6. - Finaliza (fls. 1825) por propor a destruição do material considerado irrelevante, citando abusivamente o teor do artº 188º, nº 3, do CPP, preceito que – com o devido respeito – lhe não concede a ele, mas ao Juiz, tais poderes.

    É só em 30/4/01 (cfr. fls. 1829) que o Mmº. JIC, por douto despacho, ordena a destruição daquilo que, a fls. 1825, o ilustre representante do M.P. entende não ter interesse.

  7. - Nesse douto despacho, proferido em 30/4/01, o Mmº JIC não declara que ouviu ou seleccionou o que quer que seja, mas tão só se limita a concordar com a seleccção efectuada pelo M.P..

    Para a elaboração do seu douto despacho de 30/4/01, o JIC, como se vê, não ouviu as gravações, não foi ele que seleccionou as partes relevantes, nem foi ele que ordenou as destruições das irrelevantes, apenas se tendo limitado a aderir ao que outros lhe propuseram, conforme resulta com clareza transparente do teor dos despachos em questão;

  8. - Foi pois rejeitada a tramitação imperativamente fixada pela Lei em matéria de tão grave responsabilidade para os direitos individuais dos cidadãos – cfr. Acs. do S.TJ de 30/3/2000 proferido no processo nº 1 145/98, in Sumários de Acórdãos, nº 31, Março 2000, pág. 73 e Ac de 17/1/2001 publicado in Colectânea de Jurisprudência, Acs. do S.TJ, ano IX, tomo 1, pág. 210 e segs.;

  9. - E se só em 30/01/01 (cfr. fls. 1383) ouviu material interceptado, segue-se que só três meses depois está a cumprir um dever (o de selecção e destruição) que, sob pena de perda total de controle, teria que ser exercido naquela data, ou na versão que tacitamente sustenta, pelo menos em 18/2/01 (cfr. fls. 1383).

  10. - De resto, tendo o douto despacho de fls. 1409, proferido em 23/10/2000, autorizado apenas as escutas por 60 dias, nunca estas se poderiam ter prorrogado por mais 30 dias, conforme foi feito e despachado, já que tal prorrogação, para ser admissível legalmente, teria que ser precedida de audição integral, efectuada pelo JIC, do objecto do período inicial das escutas, de avaliação ponderada e de despacho fundamentado nessa audição e avaliação, o que não foi feito (cfr. para encurtar razões, as que neste sentido são aduzidas no Ac 347/2001 do Tribunal Constitucional publicado no DR, II série, em 9/11/01);

  11. - Termos em que, com o procedimento atrás referido, se encontra violado o disposto nos artºs 188º, nºs 1 e 3 do CPP, pois, como se demonstrou, não foram...

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