Acórdão nº 2749/2007-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelCARLOS DE SOUSA
Data da Resolução20 de Junho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa: I - A) No processo de inquérito nº 876/03.0TASNT distribuído ao 1º Juízo Criminal de Sintra, no qual o MºPº acusa o arguido (A) e outros da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, als. c) e j), do D.L.nº 15/93, de 22/01, e de um crime de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 28º, nº 2 do mesmo diploma legal; O arguido (A) (entre outros) requereu a abertura de instrução (v. fls. 40 e ss., ou fls. 1643-1653 do processo principal) e suscitou a irregularidade da falta de numeração de 6 folhas entre fls. 1423 e fls. 1424, arguiu a nulidade das escutas telefónicas valoradas pelo MºPº, alegadamente por inexistir fundamento neste processo e ainda por falta de prévia autorização judicial (cfr. artºs 126º e 187º, nº 1, do CPP, e artºs 32º, nº 8 e 34º, nº 4 da CRP).

Ainda no decurso do debate instrutório, mas após despacho do Mmº JIC de fls. 1725, a ordenar a junção de certidão de fls. 6, 6 verso, 11, 54, 722 a 724, e 732 e 733 do processo nº 311/01.8JELSB, por requerimento junto a fls. 1727 do processo principal (v. fls. 63 e ss.), o arguido (A) arguiu ainda a nulidade das escutas autorizadas pelo Mmº JIC a fls. 14 do processo principal, alegando violação dos princípios da excepcionalidade, da subsidiariedade e da necessidade; e ainda por falta de cumprimento de formalidades essenciais nas intercepções telefónicas (cfr. fls. 14, 22, 23, 26, 88 a 92, 105 a 107, 247 e 248 do processo principal) - cfr. artºs 120º, nº 3, al. c), 122º, nº 1, 187º, nº 1, 188º, e 189º, do CPP, e aludidas normas constantes dos artºs 32º, nº 8 e 34º nºs 1 e 4, da CRP.

  1. Encerrada a instrução, o Mmº JIC proferiu a decisão instrutória de 05/01/2007 (fls. 3 e ss., ou fls. 1785 e ss. do processo principal), na qual, além do mais, ordenou a correcção da numeração, no total de 5 (cinco) folhas colocadas entre fls. 1423 e 1424 - cfr.

    VI da decisão instrutória (fls. 15-17 destes autos); e indeferiu as nulidades das escutas suscitadas por este arguido - cfr.

    VII e VIII da decisão instrutória (fls. 17-30).

    Finalmente, pronunciou este arguido (e outros) pela co-autoria dos crimes acima referenciados, imputados na acusação (cfr. fls. 37).

    II - A) Inconformado com a decisão instrutória na parte em que indeferiu as nulidades arguidas, recorre o arguido (A) para esta Relação, extraindo as seguintes conclusões (e que ora se transcrevem - vd. fls. 117-136) : « 1. No requerimento de abertura de instrução apresentado, veio o ora recorrente arguir uma irregularidade nos presentes autos, porquanto 5 (cinco) folhas do processo, colocadas entre fls. 1423 e 1424, não se encontravam numeradas, não se conseguindo vislumbrar como e quando foram as mesmas aí incluídas, pelo que a sua presença revela uma desconformidade entre a forma como o processo deve ser tramitado e a tramitação efectivamente ocorrida, devendo tais folhas ser desentranhadas, procedendo-se à sua destruição.

    1. O tribunal "a quo", perante a evidência, reconhece "efectivamente, que entre a fls. a que corresponde a paginação de fls. 1423 (…) e a fls. a que corresponde a paginação de fls. 1424 (…), se encontram um total de cinco folhas (…) que por mero lapso, não foram numeradas".

    2. Se todos os vícios não qualificados legalmente de nulidades (uma vez que vigora o princípio da legalidade e da taxatividade), são irregularidades como bem invoca o tribunal "a quo", qualificá-los de mero lapso é descobrir no regime das invalidades um vício ex novo menos grave do que a irregularidade! 4. É evidente que tal qualificação não faz sentido e é materialmente inexistente uma vez que não comporta qualquer sustentação legal, sendo ilegal o despacho que ordenou a rectificação através da numeração das cinco folhas não numeradas.

    3. Só o simples erro de escrita ou cálculo, desde que revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita dá direito a rectificação nos termos do artº 249º do C.C., o que não é o caso! 6. O tribunal recorrido não explica (porque é inexplicável) o porquê de não considerar a falta de paginação uma irregularidade, mas um mero lapso - artº 97º nº 4 do CPP.

    4. O tribunal recorrido, ao invés de fundamentar a conclusão e consequente decisão a que chegou, que pela sua singularidade merecia ser devidamente explicitada, detém-se em reproduções nada profícuas e de todo irrelevantes relativamente ao conteúdo de cada uma das folhas não numeradas.

    5. O tribunal "a quo" não sopesou devidamente a importância deste vício por omissão de numeração de folhas do processo.

    6. O processo penal segue uma tramitação que tem como realização última satisfazer uma política de perseguição criminal adequada às exigências preventivas e repressivas do país (princípio do acusatório), estando devidamente contrabalançada com as garantias de defesa constitucionalmente consagradas dos arguidos que nesse processo são investigados.

    7. Assim, sempre que a tramitação processual penal é colocada em crise, o princípio da legalidade é abalado, e o ordenamento jurídico protege-se qualificando o acto viciado consoante a sua gravidade e daí retirando os devidos efeitos.

    8. Entende o recorrente que houve uma deslealdade processual de um dos intervenientes (ainda que seja completamente involuntária) que pode prejudicar de forma indelével a solução de justiça que se visa alcançar.

    9. O tribunal "a quo" não entendeu assim, configurando a grave omissão de paginação do processo como um mero lapso, olvidando por completo as garantias de defesa do recorrente, pois, como atrás se deixou escrito, uma vez que se tratam de vícios formais, o conteúdo das folhas é indiferente para se apurar da existência da irregularidade.

    10. Se as cinco folhas não se encontram numeradas, não pode o tribunal assegurar se as mesmas pertencem a estes autos (ainda para mais quando todo o processo é extraído de um outro conforme se explicará melhor adiante),e ainda que pertençam, como e quando foram as mesmas incorporadas nos autos.

    11. Termos em que devem V. Exas. revogar o despacho recorrido e em consequência ordenar o desentranhamento e destruição das referidas cinco folhas.

    12. Os arguidos requereram também a declaração de nulidade das escutas telefónicas por manifesta violação dos princípios da excepcionalidade, da subsidiariedade e da necessidade para a sua realização.

    13. Os presentes autos foram "construídos" através da extracção de folhas por certidão do processo 311/01.8JELSB.

    14. Se é verdade que tal prática processual é aceite pela jurisprudência, também é certo que finda a fase de inquérito o processo penal adquire a estabilidade necessária para que o arguido se possa defender.

    15. Encerrada a fase de inquérito e deduzida a acusação (princípio da vinculação temática) os autos são imutáveis no que diz respeito à recolha de prova que durante essa fase foi carreada para o processo.

    16. Os autos deixam assim de se encontrar em segredo de justiça e inicia-se por excelência a fase de defesa do arguido que pode requerer a abertura de instrução para sindicar judicialmente a acusação e arguir nulidades, ou aguardar que os autos sigam para julgamento, defendendo-se nessa sede.

    17. O arguido defende-se de tudo o que se encontra no processo, daí o brocardo latino "quod non est in actiis non est in mundo".

    18. Tal ensinamento prende-se com as garantias de defesa do arguido (artº 32º nº 1 e nº 5 da CRP) que só pode defender-se daquilo que se encontra no processo, que existe fisicamente, que é cognoscível.

    19. Acontece que, incompreensivelmente o tribunal "a quo" tem um entendimento diferente e violador das mais elementares garantias de defesa do ora recorrente, sendo por isso ilegal e inconstitucional, porquanto, parece entender que o arguido terá que se defender de dois processos em simultâneo: os presentes autos e o proc. nº 311/01.8JELSB.

    20. A título meramente exemplificativo, e numa contagem superficial, pode o recorrente afirmar com segurança que o tribunal "a quo" faz pelo menos 17 (dezassete) remissões para os autos 311/01.8JELSB! 24. Remissões essas pretensamente justificativas e saneadoras de todos os vícios de nulidade arguidos pelo ora recorrente nestes autos.

    21. O tribunal "a quo" parece não ter percebido que as nulidades já invocadas não são passíveis de ser sanadas, muito menos desta forma ilegal.

      Deviam antes ter sido declaradas.

    22. O "Juiz das Liberdades" não é a "sombra rectificativa" das falhas cometidas pelo MºPº durante a fase de inquérito[1].

    23. Perante todas as nulidades arguidas pelo ora recorrente, o tribunal recorrido vem de forma sumária e desleal responder: "Compulsado o referido processo 311/01.8JELSB (…)" ou; "O despacho judicial que integra fls.… do NUIPC 311/01.8JELSB (…)" ou; "Cfr. despacho que integra fls.… do NUIPC 311/01.8JELSB (…)", ou simplesmente; "Cfr. fls.… do NUIPC 311/01.8JELSB (…)".

    24. Se assim é, impõe-se questionar o tribunal "ad quem" da legalidade e constitucionalidade do despacho recorrido, bem como questionar V. Exas., afinal de que processo está o recorrente a defender-se? 29. Deverá o arguido, ora recorrente defender-se do teor constante destes autos (proc. nº 876/03.0TASNT) ou deverá defender-se no processo 311/01.8JELSB, ou deverá concomitantemente defender-se de ambos ? 30. Se tal pergunta pode parecer aberrante, deixando qualquer jurista extasiado, então, o que dizer do despacho recorrido onde o tribunal "a quo", para não dar razão ao ora recorrente, pretende sanar as nulidades invocadas socorrendo-se dos outros autos já referidos há muito findos! 31. Mais: o tribunal recorrido, tanto que reconhece as nulidades invocadas pelo ora recorrente que, no decurso do debate instrutório, fez um despacho onde ordenou a incorporação nestes autos de todos os elementos omissos, designadamente as autorizações judiciais para intercepção de escutas telefónicas, constantes do NUIPC 311/01.8JELSB.

    25. Tal despacho é nulo por ser ilegal e violador...

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